Manuel O. Pina
Olá amigos e amigas que estavam habituados a ler o que vou escrevendo no meu diário que não deixo ninguém ler nem a minha mãe que ela não é pra brincadeiras e apesar de eu ser já um pouco crescida se calhar ainda me chegava a roupa ao pelo como ela costuma dizer quando se zanga comigo como daquela vez em que as minhas notas de matemática não eram boas e ela disse-me que se não passasse a matemática me mandava aprender costura. Não é que costura seja alguma coisa que uma menina como eu não deva aprender e não sei como é que ela via isso como um castigo mas o que eu quero dizer é que estive um tempo em que não escrevi no meu diário por preguiça e porque tive um namorado que a minha mãe não sabe mas ele era muito estúpido e pronto resolvi acabar tudo que não era muito e voltei a escrever no meu diário as coisas que vou pensando e as coisas que vão acontecendo na minha vida que já não é tão curta assim pois já fiz treze anos e já sou bastante crescida e escrevo assim sem pontuação nenhuma sem pontos finais sem vírgulas sem pontos e vírgulas e outros pontos que não é que eu não saiba escrever como deve ser mas acho que assim fica mais bonito pois até o Saramago escrevia assim e ele era muito famoso até ganhou o prémio Nobel e escrevia também assim e chegava a usar letras maiúsculas no meio da frase o que não fazia nenhum sentido mas ele escrevia assim e ficou famoso como é que eu não poderia escrever também assim.
Pronto já usei um ponto final aqui para não faltar a respiração quando estão a ler o que escrevo mas o que eu quero contar é sobre as minhas férias que o pai da ritinha convenceu o meu pai a comprar uma viagem ao Brasil pois o meu pai já é chefe de repartição por causa do Sócrates que lá na repartição ficou tudo com inveja dele até o meu tio Luís que também é do Sócrates disse que não compreendia porque é que ele foi promovido tão rapidamente mas o meu pai disse que foi por mérito eu não sei onde é que está o mérito foi mas é pelos serviços que ele fez ao Sócrates isso é que foi mas ficou a ganhar muito mais e agora pode passar férias no estrangeiro e o primeiro país que fomos visitar foi o Brasil que o meu pai tem lá irmãos e a minha mãe também que já foram para o Brasil há muito tempo e assim o meu pai comprou as passagens e escreveu pró Brasil para avisar os meus tios da nossa chegada esperem aí que eu já coloco mais um ponto final. Pronto pode respirar um pouco e a minha mãe é que ficou muito contente foi logo comprar roupas novas pra levar pró Brasil porque viajar de avião foi uma coisa que ela sempre sonhou e assim fomos de avião até ao Rio de Janeiro no avião tinha muita gente eu não sei como é que um avião pode levar tanta gente e voar se calhar é por isso que alguns caiem e as hospedeiras serviram comida e bebida pra gente matar a fome e eu fiquei admirada pois o avião não mexia e ele devia levar com muito vento pela frente e pelos lados e eu não sei como é que ele não balançava parecia que estava parado no céu e ao fim de muitas horas o meu pai dizendo que nunca mais chegávamos e a minha mãe a dizer que tem calma que vamos chegar o meu pai estava muito nervoso porque não via os irmãos desde muito novo que eles tinham ido pró Brasil quando chegámos ao aeroporto do Rio de Janeiro que se chamava Galeão e agora mudaram pra Tom Jobim não sei porquê porque o Tom Jobim nem era piloto de aviões ele só era cantor a cantava muito aquela música da garota de Ipanema que eu não sei quem era mas devia ser muito bonita pra ter tanta gente cantando pra ela e quando chegámos como eu dizia os meus tios estavam à espera e foi uma festa com muitos abraços e muitas lágrimas que a minha mãe chorou muito ao ver o irmão que ela não via há mais de trinta anos e mal se lembrava dele e depois fomos no carro do meu tio Elias, que era um carro grande e cabia a gente mais as malas e fomos com ele pra casa dele que ficava na Tijuca que é um bairro muito tranquilo dizia o meu tio comparando com outros bairros que ali não havia balas perdidas e eu não sei o que é isso de balas perdidas então as pessoas perdem as balas e chegámos a casa dele que tinha uns portões muito altos e como ele era rico tinha um guarda armado atrás do portão e tinha uns arames em cima do muro que o meu tio disse que era uma cerca eléctrica que apesar do bairro ser tranquilo nunca confiando mas depois ao brincar com os meus primos eles me contaram que ali também era muito perigoso que havia muitos assaltos o meu tio disse que o grande problema era o alemão eu não sei quem é o alemão mas parece que é também um bairro mas o meu tio disse que não era um bairro que era uma favela eu não sei o que é uma favela o pai da ritinha explicou-me um dia o que era um muceque lá em Angola onde ele tinha estado se calhar uma favela é a mesma coisa e depois o meu tio levou-nos a passear em Copacabana que é uma praia muito bonita com muitos prédios e com muitas pessoas a caminhar pra lá e pra cá mostrando o físico e até andam ali de bicicleta e disse que no dia seguinte a gente ia passear até ao Corcovado e depois ao Pão de Açúcar que é assim um morro com um teleférico que leva as pessoas lá pra cima e o Corcovado é um Cristo com os braços abertos como aquele lá de Almada mas este é muito maior e depois tem um carro eléctrico que no Brasil se chama bonde e leva as pessoas pra ver o Cristo de perto eu não sei porque é que querem ver de perto pois de longe vê-se muito bem de todo o lado. E agora vou parar por aqui que já estou cansada de tanto escrever a amanhã vou contar como foi a visita ao Corcovado e ao Pão de Açúcar e outras coisas.
Fatinha do Alentejo
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Avro748, da Varig, sobrevoando o Rio de Janeiro, 1962. Foto: Rodolpho Waltemath (Cmte. Waltemath, da Varig) |
Manuel O. Pina
http://cravulsas.blogspot.com
http://luzycor.blogspot.com
http://luzycor.blogspot.com
Colaboração: Cristina Freitas
Mensagem do autor, em 06-01-2010, 22:42:42
Caro Jim Pereira,
Sinta-se completamente à vontade para publicar coisas que eu escreva.
A Fatinha é uma criação minha inspirada em redacções publicadas no jornal Diário de Lisboa, da autoria de Luis de Sttau Monteiro, nos idos anos 70.
Se bem me lembro esses textos chamavam-se "Redacções da Ritinha" e tinham por objectivo fazer um certo humor com coisas que as pessoas levam muito a sério.
Cumprimentos cordiais
Manuel O. Pina
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