domingo, 13 de fevereiro de 2011

"A Mona Lisa não é mulher de Leonardo Caprio?"

Ferreira Fernandes
Mona Lisa, óleo de Leonardo da Vinci
Na terça-feira passada, professores de Educação Visual e Tecnológica (EVT) manifestaram-se frente ao Parlamento – receiam despedimentos. O jornal ouviu uma das professoras, de uma escola de Braga (professora e escola foram identificadas, o jornalista não as inventou), que disse o seguinte: «Eu conto-lhe uma história verídica: na nossa escola, um aluno perguntou se a Mona Lisa era a mulher do Picasso. Antes de a professora poder responder, logo outra miúda disse: “Não é nada. A Mona Lisa é a mulher do Leonardo Di Caprio.” O que quer isto dizer? Quer dizer que com menos professores de EVT também haverá menos conhecimento.» Fim de citação.
Ora, dias antes, num dos horários inconstantes com que a SIC Radical passa os seus enlatados, passou o programa de Jay Leno, gravado a 26 de Janeiro de 2011 (há cerca de duas semanas). Leno, depois de entrevistar a actriz Annette Bening, chamou o humorista Frank Caliendo. E que anedota contou Caliendo? A de um tipo que disse que Picasso pintou a Capela Sistina e logo outro ripostou: «Não foi ele. Toda a gente sabe que a Capela Sistina foi pintada por Leonardo Di Caprio.»

Há uma conclusão a tirar desta coincidência (que não o é): para conhecerem anedotas, os alunos não precisam de professores, nem de EVT nem de coisa nenhuma. A professora admitiu apressadamente a ignorância dos alunos e saiu tosquiada. «O que quer dizer isto?», perguntou ela, julgando ter revelado burrice dos alunos. Mas o que revelou foi a sua distracção. E nenhum grau de confusão é mais grave do que assistir a uma anedota ou a uma ironia e não se dar conta dela. Os alunos podem talvez desconhecer o nome do autor de não identificar o quadro com o outro nome dele, não datá-lo do séc. não saber onde está exposto, nunca terem olhado para a serenidade do seu sorriso, e, claro, acompanhando os mais reputados especialistas, nenhum dos alunos pode garantir a identidade do modelo que posou para Leonardo da Vinci. Mas eles conhecem o suficiente sobre o assunto para o reconhecer como pasta para moldar uma piada, emprestar a «coisa» como sendo mulher de Picasso, de brincadeira, para, indo mais longe na brincadeira, a transformar em mulher de Di Caprio…
Não sei se alguém daquela turma de Braga viu o programa de Jay Leno – e se houve, desde já o saúdo pelo bom gosto. Mas se ninguém viu directamente a piada do o que aconteceu foi, como na costumeira viagem das anedotas, esta passeou-se pelos cafés de Braga, onde foi, também como é costume, mastigada (da Capela Sistina passou-se para Mona Lisa), até ser servida (e por dois alunos, o que aumenta o propósito da brincadeira) à professora imprevidente que a «comeu» como verdadeira. Não, a história não foi contada na turma como verdadeira. A história, com todas as suas variantes, circula por aí, dos estúdios de Hollywood passando pelas turmas de Braga.
O que aconteceu, pois, foi a distracção da professora. Aliás, foi mais grave, pois tratava-se de uma aula de EVT, as únicas onde na aula não há um professor, mas dois, e portanto é possível uma maior atenção aos alunos. Ter escapado às professoras e mais especificamente àquela que ouviu as réplicas das alunas («A Mona Lisa é mulher do Picasso?», «Não é nada, é mulher do Leonardo Di Caprio…»), ter-lhes escapado o tom de brincadeira, é revelador de um muro. E este não me parece construído com tijolos de ignorância dos alunos, mas com os da indiferença de certos professores.
E, por favor, não me mandem listas de «reais e não anedóticas» ignorâncias de alunos. Eu sei que as há, e muitas – como as de professores e jornalistas. Até por isso é que nos podemos poupar a falsas «histórias verídicas».
Ferreira Fernandes, Notícias Sábado'226

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