A revista Visão, na sua edição de nº 939, de 03 a 09 de março de 2011, traz como reportagem de capa “Você ganha o que merece?”. É uma matéria sobre os salários pagos em Portugal, de autoria de Sara Rodrigues:
“Vinte pessoas, com outras tantas profissões e ordenados entre € 450 e €15 mil/mês, dizem-nos se consideram justo ou injusto os seu salário líquido – e porquê. Do dossiê, resultam um retrato do país e as ilações que suscita. Exemplo: o ordenado implica, por si só, maior ou menor motivação? Conheça, ainda, as tendências de remuneração e saiba qual é a posição de Portugal no ranking da União Europeia.
Você ganha o que merece?
Vinte pessoas, com outras tantas profissões e ordenados entre os €450 e €15 mil/mês, contam à VISÃO desta semana se consideram justo ou injusto o seu salário líquido. VEJA AS FOTOS para os conhecer e VEJA O VÍDEO com o depoimento de um deles."
Transcrevo abaixo três “respostas” das 20 da matéria.
Valdelice Rocha
48 anos, Cascais/Empregada doméstica
€1.050
‘Ainda tenho a tarde de quarta-feira e o fim de semana livres’
“Vim para Portugal há seis anos. Tive de deixar Minas Gerais, no Brasil, e o meu trabalho como técnica de Enfermagem. Ganhava muito pouco, cerca de €140 por mês e não tinha emprego fixo. Tenho cinco filhos, entre os 20 e 30 anos, e precisava de os ajudar. Três estão na faculdade. Estou legalizada e pago os meus impostos. Comecei por trabalhar numa casa no Estoril, como interna. Estive lá três anos. No início ganhava €600 por mês e, no último ano, cheguei aos €750. Mas os patrões eram estrangeiros e foram-se embora de Portugal. Agora trabalho em quatro casas. São 53 horas por semana. Gosto do que faço e acho que me pagam um preço justo, embora não tenha intenções de andar de esfregona na mão o resto da vida. Trabalho porque os outros não têm tempo para limpar. Fico meses sem ver as minhas patroas – falamos ao telefone e deixa-me recados na sala. Sempre fui bem tratada por todos. Pagam-me subsídio de férias e de Natal. Moro num apartamento com mais quatro amigos, que assim sempre poupo. Mando parte do ordenado para os meus filhos. Preciso e quero trabalhar mais: tenho a tarde de quarta-feira e o fim-de-semana livres. Por isso, se aparecer mais uma casa… O meu único luxo é ir ao ginásio. Adoro. Se pudesse, ia todos os dias.”
João Marques
37 anos, Lisboa/Piloto da Aviação Civil
€3.500 a €4.500
‘Falta ambição’
“Pode dizer-se que cheguei tarde à aviação. Estudei Engenharia do Território e trabalhei como consultor. Aos 27 anos, por influência de amigos, decidi mudar. Investi 60 mil euros num curso de piloto, na Academia Aeronáutica de Évora. Depois, durante uns tempos, dei instrução para ganhar mais horas de voo. Aos 30 anos, estava a pilotar um Airbus com destino ao Luxemburgo. Foi o meu primeiro voo e a pressão era alguma. Hoje, continua a ser. Somos os primeiros responsáveis por tudo o que se passas dentro da cabina de um avião. Nos primeiros anos, fiz voos de médio curso, dentro do espaço europeu. Agora, só faço longo curso. Um voo por semana, de ida e volta. Isto quer dizer que faço a ida, descanso um ou dois dias, e regresso ao leme. Habituei-me às mudanças constantes de fuso horário, mas o meu corpo, às vezes, ainda refila. O ordenado está de acordo com o risco da profissão. O intervalo de mil euros deve-se às ajudas de custo, às aterragens realizadas e ao tempo de voo que faço por mês, que, por norma, são 70 horas. Mas, claro, aspiro a ganhar mais. Já devia ser comandante, e então ganharia €5.000 de ordenado-base. De uma maneira geral, dizem que passeamos muito, mas não é verdade. Lá fora, tenho de ficar a uma curta distância do aeroporto. Sempre que sai alguma notícia sobre pilotos, costumo ler as caixas de comentários dos sites dos jornais. O que vejo, em jeito de parábola, é isto: quem anda de bicicleta e para ao lado de um BMW, diz do carro: ‘Um dia ainda vais andar de bicicleta.’ Devia ser ao contrário: ‘Um dia ainda vou andar de BMW.’ Falta de ambição.”
Filipe
32 anos, Lisboa/Polícia
€1.020 + €250 de serviços gratificados
‘Passo dias sem ver a minha filha’
“Sempre quis ser polícia. O facto de o meu pai ser da GNR serviu-me de referência. Sou de Coimbra. Aos 18 anos, alistei-me no Exército. Estive dois anos como paraquedista, na base de Tancos, e depois concorri à PSP e à GNR. Fiquei apto para as duas forças, mas acabei por escolher a PSP (Polícia de Segurança Pública). Tive de mudar para Lisboa, porque não havia vagas na minha terra. E, até hoje, e já lá vão 12 anos de polícia, continua a não haver. Andei muito tempo de mala às costas. Só há pouco mais de uma no, depois de a minha filha nascer, é que comprei casa em Lisboa e trouxe a família para junto de mim. Já não dava mais para andar estrada acima e a baixo, precisava de estabilidade pessoal. Até porque tenho uma vida profissional, diria, trepidante. Faço turnos de seis horas durante oito dias consecutivos. Depois folgo dois, Nesses oito dias, tenho horários muito diversificados, que tanto podem ser diurnos ou nocturnos. Também faço serviços gratificados – estar à porta de bancos ou lojas -, fora do horário laboral. É uma forma de compor o orçamento familiar. Mas existe um grande senão: passam-se dias sem que a minha filha me veja. Para o trabalho de risco em que estou envolvido, o salário é injusto. Já baleei uma pessoa numa perna, durante um assalto. Apontou-me a arma à cara, era ele ou eu. Acontece tudo numa fracção de segundo e temos de ser frios. Não posso errar – nem matar. Sei que, na actual conjuntura económica, o meu ordenado até pode não ser mau – mas se a Polícia Judiciária e os guardas prisionais têm direito a subsídio de risco, nós também deveríamos ter. Se ficar de baixa, recebo €852 de salário bruto. É bom que não me aleije… Antes, não me passava pela cabeça sair da PSP. Agora, já penso nisso.”
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