O crescimento abrupto de um fenómeno político chamado
Aníbal Cavaco Silva, iniciado lá pelos idos de 1985, trouxe do nada para a
política gente de todo o tipo e qualidade. O PSD acabara de sair de um dos seus
muitos períodos de desgraça, iniciado com a morte de Sá Carneiro e prolongado
pelos governos de Balsemão e do Bloco Central, e precisava urgentemente de
sangue novo. Cavaco, que generosamente decidira legar ao país o “novo homem
português”, começou esse elevado desígnio pelo seu próprio partido, que encheu
com novos «talentos», alguns com inequívoca qualidade e outros tantos que se
foram notabilizando pelos BPNs e por muitas outras sinecuras do regime. De
entre eles, numa posição verdadeiramente única e original, emergiu José Pacheco
Pereira.
Pacheco não era exactamente um
estranho da política. Vinha de uma militância de extrema-esquerda muito
vincada, com direito a clandestinidade pré-Abril, mas, ao contrário dos seus
antigos compagnons de route, dispunha
de uma sólida bagagem cultural e distinguia-se por ter uma inteligência viva e
bom raciocínio. Na sua nova casa, era ouvido a dizer coisas sensatas e
«inteligentes», o que nem sempre era comum, e que tinham a virtude acrescida de
serem perceptíveis na televisão e na rádio, meios para onde logo estrategicamente
se alçou. Escrevia bem e sabia pensar muito para além de um simples apparatchik partidário.
Cavaco tirou dele bom
proveito, transformando-o na face visível da esquerda inteligente que aderira
ao “seu” PSD, que ele pretendia refundar com o crivo único da sua fascinante
personalidade. Todavia, relegou-o sempre para funções de importância política
secundária, embora de grande visibilidade mediática, para lhe saciar a vaidade
dando-lhe pouco poder. Como se sabe, os autocratas não apreciam muito os intelectuais
e Pacheco não ignorava esse facto. Ele já há muito que sabia, por cultura
adquirida nos livros e pelo percurso político próprio, que as vanguardas
revolucionárias não recebem amistosamente os intelectuais orgânicos, porque
estes não são verdadeiros «filhos do povo», nem possuem a mesma raça da
inteligência bruta que transforma intuitivamente a matéria, mas simples
burgueses ressabiados que convém manter debaixo de olho e à distância devida.
Neste percurso de abandono da
clandestinidade para a grande política, Pacheco Pereira optou por se filiar no
PSD, como poderia ter entrado no PS. Verdadeiramente, seria mais compreensível
se tivesse optado pelo segundo partido, que terá eventualmente evitado por este
se encontrar, nessa fase, sob a gerência de seus ex-camaradas do MES e de
outras paragens ainda menos recomendáveis. Mas, na verdade, nada justificaria a
sua filiação num partido de tradições burguesas e populares, a não ser as
conveniências tácticas do seu próprio percurso político, muito mais facilitado
onde o conhecessem pior, e onde os seus serviços de agente cultural podessem
ser aproveitados com maior utilidade para ambas as partes.
Embora filiado num partido da
direita do regime, Pacheco nunca deixou de ser um verdadeiro homem de esquerda,
nem foi capaz de largar, pelo caminho que levou o percurso da revolução à ordem
burguesa, os trejeitos, os tiques e os ressabiamentos da esquerda
revolucionária. Com a queda de Cavaco, que nunca o elevara até onde ele se
julgava merecedor, obscureceu a estrela de Pacheco no PSD. Os dirigentes do
partido que se sucederam optaram ou por o remeter para as sinecuras da
política, como o Parlamento Europeu ou a UNESCO, para o terem bem distante, ou
por o ignorar ostensivamente, emprateleirando-o numa fila recôndita do
parlamento nacional. A todos, com excepção de Manuela Ferreira Leite, de quem
ele já se via o Rasputine de serviço, Pacheco votou ódios e ressentimentos. Uns
mais fortes, por puro despeito e desconsideração pessoal, como com Santana e
com Menezes, outros escondidos, por puro medo, como com Barroso. Em relação aos
seus ódios pessoais, as suas formas de ataque trazem sempre a marca do mais
refinado jacobinismo: a desclassificação dramática do indivíduo como inimigo
(do “bem”, do “povo”, da “liberdade, da “democracia”, da “revolução”, etc.), a
insinuação sobre o carácter, a desvalorização completa da pessoa, e a sua, de
Pacheco, inquestionável superioridade moral. Os “inimigos do povo” não são
gente, como Pacheco Pereira aprendeu nas velhas cartilhas da revolução, e têm,
por isso, de ser exterminados da face da terra.
O que verdadeiramente intriga
nisto é por que é que a direita indígena presta ainda atenção a este homem,
como se ele fosse um dos seus. Pacheco é uma pessoa inteligente e culta, que
vale a pena ler e escutar? Sem dúvida. Escreve bem e fala melhor? Também não
deixa de ser verdade Tem intervenções públicas muito acima da média dos
políticos? Absolutamente verdadeiro. Mas Francisco Louçã também é tudo isso,
nalguns casos até bem melhor do que Pacheco, e a direita não o tolera. Isto só
se explica por termos uma direita desprovida de valores e de personalidade,
incapaz de distinguir o que devia ser seu daquilo que não lhe pertence.
Quanto a Pacheco Pereira, ao
fim de todos estes anos em que andou a enganar o PSD fazendo-se passar por um
deles, se fosse coerente consigo mesmo e com aquilo que diz e escreve, já há
muito teria rasgado o cartão do partido laranja e rumado às paragens a que
verdadeiramente pertence. Ele nada tem a ver com aquilo e aquilo nada deveria
ter a ver com ele. Ficávamos todos a ganhar.
Título e Texto: Rui A., Blasfémias,
12-04-2013
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