segunda-feira, 14 de outubro de 2013

A viagem

Alberto José

Quando acordei, eu estava com muito frio, estendido sobre uma rocha dura, à beira de um penhasco. O céu era cor de chumbo, entremeado de relâmpagos fantasmagóricos onde voavam abutres negros em meio a um vento frio e cortante. Seres humanos, com feições difusas cambaleavam por entre as escarpas tentando fugir daquele lugar lúgubre. Ao longe, sob o penhasco, um grupo de seres envoltos na névoa apontava para mim e me dirigia ofensas e maldições. Aquilo me aterrorizava pois eu não sabia do que se tratava e não conhecia aqueles detratores.

Com muita sede, consegui divisar um regato de água, salobra, que refletia a cor do céu. Levei um pouco à boca e, apesar do gosto horrível, aliviou a secura da minha garganta. Fiquei deitado, escondido, procurando me lembrar porque eu estava ali, naquele lugar infernal! Com muito esforço, lembrei da minha linda mulher e dos meus filhos. 

Eu trabalhava em uma grande empresa de aviação onde eu era responsável por milionários contratos de aluguel de aviões e imóveis. Era tanto dinheiro em euros, libras e dólares que ninguém podia imaginar! Isso foi a minha perdição! Não resisti e comecei a aumentar os valores dos contratos. A diferença entre o valor pago e o valor que eu estabelecia eu desviava para contas no exterior. Eu estava fazendo um bem para a minha família, mas eu não me lembrava que estava prejudicando os colegas e as suas famílias.

Agora, já começo a lembrar o que aconteceu. Ajudei a falir a empresa e o Fundo de Pensão dos trabalhadores, ex-colegas meus. Agora eu lembro que saímos de férias, fomos para Dubai onde ficamos alguns dias. Então, embarcamos em um enorme navio de cruzeiro para visitar alguns países do Golfo Pérsico. Depois, iríamos viajar na Executiva do Airbus 380, o maior avião do mundo para Taipei, enfim, era um programa para comemorar a minha "aposentadoria"!

No navio era festa sem parar, piscinas, almoços, teatros e jantares de luxo. No terceiro dia de viagem, falei ao meu sócio que estava no navio, que eu iria à Sala da Internet para checar o mercado das minhas milhares de ações na bolsa. Antes de chegar lá, passei pelo bar e pedi o "drink of the day" que comecei a beber.

Ao sentar em frente ao computador, senti que estava tonto e comecei a passar mal. Quando acordei, estava despido e sendo carregado por figuras de negro que me seguravam com mãos gélidas e deslizavam com muita rapidez acima do chão. Onde estavam os médicos e enfermeiros? Onde estava a minha mulher? Horas depois, ainda consegui enxergar a minha mulher sendo "consolada" pelo meu sócio; eles estavam jantando "a sós" na piscina, bebendo vinho e sem qualquer emoção pela minha trágica ausência. Agora, estou vendo o que me aconteceu.

Fui tirado do navio e carregado para o pior lugar onde alguém poderia estar! Sem saber, fiz mal a pessoas que eu não conhecia e agora não tenho um amigo para lembrar de mim! Maldita a hora em que eu resolvi me aproveitar daqueles contratos da empresa!

E agora, como poderei sair daqui, ver a minha família? De que adianta a riqueza que eu consegui guardar em ações, nos bancos, apartamentos, lancha, casa de praia? Estou muito arrependido, acho que perdi a mulher, os meus filhos, as minhas coisas queridas, tudo o que juntei durante o meu trabalho naquela empresa de aviação! O que me assusta é que quando fui trazido para este lugar eu vi escrito no enorme portão de ferro: "Lascia ogni speranza voi che entrate"!
Título e Texto: Alberto José, Imortal da ABM, 14-10-2013

Um comentário:

  1. Jonathas Filho
    Mesmo que a justiça humana não reponha os nossos direitos, a física quântica os reporá. Pode demorar mil anos mas vai repor!!! .Por isso amaldiçoei todos os que concorreram para obstar nossas legítimas pretensões e para esses, de fato, eles "entraram nessa maldição e não adianta ter esperança em poder sair". Jonathas Filho

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