Ouve-se “o governo está
acabado” desde 2011, com variações de intensidade consoante a indignação do
dia, esta, por vezes, promovida a indignação da semana. O desporto nacional é a
indignação, transpondo-se consoante as circunstâncias para actividades como o
futebol, reality shows televisivos, acção governativa e
política europeia. Governos, na voz do indignado, duram tanto como o dirigente
do clube ou o como o intervalo entre “chicotadas psicológicas”. Nada disto é
real: o governo não está acabado nem a substituição de treinador faz mais que
acalmar os ânimos até à derrota consequente ao fim do período de graça; o que
está acabado é o regime socialista e isto aplica-se a este ou a qualquer outro
governo.
Cortes nas pensões de
sobrevivência, independentemente da justiça da medida (ou sua ausência),
deveriam ser suficientes para despertar os últimos incautos da
ingovernabilidade do regime, já que é disso que afinal se trata; quando falamos
de governos falamos da maior ou menor eficácia em adiar sucessivamente o
colapso do regime socialista. Este governo também é culpado disso, como todos o
foram, como o próximo também será, a julgar pelas “alternativas”, incluindo as
vozes divergentes dos partidos que suportam o governo.
Fechar a RTP permite não cortar pensões de sobrevivência mas, pá, a RTP é
nossa, pá. Reduzir salários da função pública permite não cortar estas pensões
mas, pá, é inconstitucional; a TAP podia ir e mantinham-se as pensões de
sobrevivência mas, pá, a TAP é nossa; os bombeiros, a maternidade lisboeta, o
salário mínimo, o rendimento mínimo, a rotunda do bi-Marquês, o túnel do Marão,
o campeonato ibérico de futebol e a inconstitucionalidade constante da
contabilidade, isso é tudo nosso. Os Magalhães, as festas da Parque Escolar e
os candeeiros Siza… Bolas, até a PT e a Oi são nossas, pá, “eles” não fazem
nada por nós, pá.
Ainda há uns meses havia quem
propusesse um TGV para “não ficarmos fora da rede internacional de
transportes”, com todo o sucesso que ideias como auto-estradas sem custos para
o utilizador originou para quem, agora, não quer cortes nas pensões de
sobrevivência. Até um acordo ortográfico foi necessário, pá, para a gente
evoluir, pá, no caminho certo do bem e essas coisas lindas.
É preciso isto, é preciso
aquilo, eles têm que, eles devem, eles tiram-nos, eles roubam… O regime acabou,
está à vista de qualquer um que, mesmo na melhor da trauliteirice, não tem mais
a oferecer que o dinheiro dos outros, seja da Alemanha, seja dos banqueiros
(mas sem cortes nos depósitos, naturalmente), seja do Pai Natal que permita
manter pensões e evitar incêndios enquanto premeia o “mérito”, vulgo boy mas
com outra designação, mais politicamente correcta, enfim, a de um regime de
enganos, dívidas e insustentabilidade crescente.
Cortes nas pensões de
sobrevivência são óptimos: permitem ajudar a manter a TAP, a RTP e, quem sabe,
até opinar sobre a sede da PT. Permitem manter a MAC e até contratar mais
professores e pessoal auxiliar, mas nunca a 40 horas semanais, nunca, que isso,
isso é um retrocesso no grande avanço civilizacional. Não é exactamente isso
que querem? Manter o que é nosso? Guardar as jóias da família? E as crianças
que nascem em ambulâncias, pá? São netos de alguém, pá. Onde está a
solidariedade inter-geracional de 2º grau?
Enquanto não souberem o que
querem, enquanto quiserem tudo, terão sempre a indignação do dia – a que por
vezes chega a indignação da semana – para se entreterem. Podem não querer fazer
os cortes, é uma possibilidade teórica. Nesse caso, os cortes fazem-se a vocês.
Título e Texto: Vitor Cunha, Blasfémias,
07-10-2013
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