segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Obama, os republicanos e o ódio à democracia disfarçado de pensamento progressista. Ou: Deem um Sarney para os EUA

Reinaldo Azevedo
Brinque de demonizar a política e a democracia quem quiser, quem achar conveniente. Eu continuarei a me ater à lógica. Vamos ver. Gene Sperling, conselheiro econômico da Casa Branca, afirmou a um site que o governo não negociará com os republicanos enquanto houver a possibilidade, chamada por aí de “ameaça”, de um calote da dívida do país. Se a elevação do endividamento público não for aprovada até o dia 17, o país poderá decretar o “default” (calote) de parte das dívidas.

A lei não permite que o presidente da República eleve esse limite por conta própria. É preciso contar com a anuência do Congresso. Se é, a administração federal precisa entrar num acordo com o Poder Legislativo. Se precisa, não há de ser um mero ato homologatório. Se não é apenas homologatório (fosse, por que haveria a exigência anuente?), então tem de ser uma negociação. Se há uma negociação, uma parte não pode ter a ambição de impor à outra a sua própria condição. Se o fizesse, então a parte anuente perderia, por óbvio, o seu poder de anuência.

As pessoas, muito especialmente a imprensa brasileira, podem odiar os republicanos pelos motivos que lhes der na telha — entre eles, a jequice e coisa e tal —, menos por deterem uma prerrogativa que não roubaram de ninguém, mas que lhes foi dada pela institucionalidade do país. A propósito: sempre que brasileiros atacam os “jecas americanos”, penso em Monteiro Lobato. Sempre que brasileiros atacam os jecas americanos, penso em como se dão as “negociações” em Brasília. Sempre que brasileiros atacam os jecas americanos, penso em como se formam os partidos aqui. Quem vive de cócoras, já que é para lembrar o Jeca, não são os americanos.

Que se note: não estou endossando a tática dos republicanos — até porque Obama está faturando, posando de coitadinho e de vítima da intransigência; justo ele, o que não negocia. O ponto é outro: há uma diferença enorme entre ser contra a escolha feita e atacar um dos fundamentos da independência entre os Poderes. É claro que, se houvesse PMDB e PSD nos EUA, as coisas não seriam assim, certo? A aprovação do limite da dívida teria um preço, e tudo andaria aparentemente bem.

Com o regime que os americanos têm, eles fizeram aquele país atrasado, com as piores universidades do mundo, com um povo dependente da caridade oficial. Com o regime que temos, nós fizemos essa potência, ponta de lança da ciência e do desenvolvimento, com uma população autônoma, certo? É isto: o que falta aos EUA é ter o regime político brasileiro, onde a autonomia do Congresso jamais é exercida, mas vendida, em nome das virtudes da democracia. Tenham paciência!

De resto, a gritaria existe porque é Obama. Fosse George W. Bush o titular da Casa Branca, e os democratas estivessem no lugar dos republicanos, a democracia americana estaria a ser cantada em prosa e verso. Ou não é verdade que o Bush que depôs Saddam era um cretino, mas o Obama que entregou a Líbia às milícias jihadistas é um amante da democracia? Ou não é verdade que o máximo da crítica a que se permitem os cultores da seita obamista é o fato de ele não ter atacado a Síria, já que suas bombas, à diferença das de Bush, teriam um poder humanista e libertador, ainda que fossem entregar o país à Al Qaeda?

Meu ponto, nesse caso, é de princípio. Os republicanos foram eleitos pelo povo americano, como Obama. Eles integram o Parlamento dos EUA, como os democratas. Quem lhes deu a maioria da Câmara foi o mesmo sistema que legitima o poder do presidente da República. Se o modelo impede o chefe do Executivo de agir unilateralmente na questão, deve haver motivos. Algum compromisso se espera que o Legislativo arranque do Executivo. Como não serão os aliados a impor limites à Presidência, haverá de ser a oposição.

“Ah, mas assim o sistema para…” Pois é. Ao longo dos anos, forças políticas as mais diversas tiveram os argumentos igualmente os mais diversos para jogar no lixo a democracia. E um dos mais fortes é justamente este: nem sempre esse regime é a escolha mais racional. No que concerne a alguns objetivos específicos, é mesmo verdade. Se alguém tiver alguma ideia melhor, esta é a hora de sugerir…
Título e Texto: Reinaldo Azevedo, 07-10-2013

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