Miró, gravuras e "coltura"
Jose Carmo
A propósito do Miró, um amigo
referiu o caso de Foz Côa.
É uma excelente referência.
Na altura, com os cofres
cheios do dinheiro cavaquista, Guterres, devidamente tocado à vara pela malta
da "coltura" (a malta que pretende que os restantes cidadãos paguem,
mesmo que não queiram, as mediocridades que produzem ou gostam), largou uma
quantia pornográfica do nosso dinheiro para suspender uma barragem já em
construção, porque "as gravuras não sabem nadar".
Ui, as gravuras, ia ser um ror
de gente a desaguar ali, resmas de turistas iam transformar o vale do Coa numa
Rupestrelândia, e não sei quê. Amanhãs cantariam, as gravuras iam ancorar o
desenvolvimento da região, tudo para todos, todos ganham, todos têm prémio,
como promete a Alice no seu país das maravilhas.
Calhei na altura ir lá ver as
famosas gravuras e o melhor que posso dizer é que só as vi porque um dos
arqueólogos que lá andavam, apontava para as pedras e explicava que aquelas
sombras e entalhes eram as famosas gravuras. Contornava aquilo com os dedos e a
gente via coisas, mais ou menos como o Maduro, da Venezuela, vê o Chavez nos
entalhes dos túneis do metro.
E pensei para mim mesmo que só
nos sonhos húmidos destes malucos é que aquilo atrairia turistas a sério.
A realidade está ai para
provar este ponto.
Enfim, pagou-se
principescamente para destruir uma barragem, pagou-se majestosamente para
institucionalizar as gravuras e o resultado está à vista: só alguns nerds da
arqueologia sairam a ganhar. Os mesmos da "coltura" que berram pelo
dinheiro dos contribuintes mas que não metem o dinheiro deles no negócio. Se
todos aqueles que berraram desalmadamente pelas gravuras tivessem pagado para
as irem ver, se calhar até o prejuizo teria sido mínimo.
O mesmo com o Miró. Se os da
"coltura" estão tão empenhados, porque não compram eles as pinturas e
instalam um museu?
Já não tenho paciência para os Mirós
José Manuel Fernandes
Já devia estar calejado, mas
acabo por ficar sempre surpreendido. Surpreendido com o PS e surpreendido com
os bem-pensantes do país.
Nesta discussão sobre as obras
de Miró parte-se logo de um equívoco: a de que não existe custo se ficarmos com
os quadros, pois eles já são nossos. Não é verdade. Há um custo de cerca de 35
milhões de euros. Se os quadros não forem vendidos, será o Orçamento de Estado
a ter de meter esses 35 milhões no imenso buraco do BPN – uma realidade que a
deputada Inês de Medeiros insiste em negar com a sua imensa arrogância e
ignorância. É uma gota de água nesse imenso buraco? É. Mas não deixam de ser
mais 35 milhões suportados pelos contribuintes.
Estando este ponto assente,
importa saber se comprar uma colecção de quadros de Miró tem prioridade sobre
outros gastos do Estado, se tem prioridade sobre outros gastos da Cultura e se
tem prioridade sobre a aquisição de outras obras e colecções para os museus
nacionais.
Qualquer pessoa sensata só
pode responder negativamente a qualquer destas perguntas. Nenhum governante com
os pés assentes na terra preferiria aplicar 35 milhões em pinturas de Miró
quando isso implica retirar 35 milhões a outros destinos. E nenhum titular da
Cultura com um mínimo de sensibilidade decidiria gastar 35 milhões nestas
pinturas e não noutras inúmeras obras e colecções realmente relevantes para o
património e memória nacionais. Aquela colecção de Miró nunca seria a primeira
escolha.
É esta realidade que devia
entrar pelos olhos dentro. O resto é poeira para os olhos.
Uma das ilusões que também
regressou com este debate é a de que este “investimento” geraria muitas
receitas futuras. É preciso ter uma enorme lata. Olhe-se para a Colecção
Berardo que continua sem cobrar bilhete aos que a visitam. Olhe-se para o
destino de Foz Côa. Olhe-se para os números dos museus nacionais onde existem
colecções mais relevantes e muito mais interessantes. Só o voluntarismo cínico
e demagógico dos que gostam de chamar aos outros “estúpidos institucionais” é
que pode propagar esta ilusão.
Uma ilusão, como sempre, paga
com o dinheiro dos outros. Se acham mesmo que o investimento é bom, dirijam-se
a um banco, arranjem os 35 milhões, exponham depois os quadros num museu
cobrando bilhete e fiquem ricos. Ou, o que é mais provável, fiquem endividados
para sempre. Mas não queiram sobrecarregar ainda mais os contribuintes
portugueses.
Título e Texto: José Manuel Fernandes, Blasfémias,
05-02-2014
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