O desporto preferido de boa
parte da comunicação social tem sido, nos últimos dias, encontrar formas de
diminuir o alcance dos números do desemprego. Na verdade os números do
desemprego continuam a não ser bons – nunca poderiam ser quando o desemprego
ainda está acima dos 15% –, mas o que verdadeiramente perturba muitos
comentaristas é uma descida do número de desempregados não quadrar bem com o
seu retrato predilecto de um país onde as pessoas estão “estão todas a morrer à fome e desesperadas”.
O primeiro argumento contra a
importância dos números do desemprego é o de que a sua descida se deve
sobretudo à emergência de um mal ainda maior, a emigração. Não tenho a mesma
visão catastrofista da emigração, mas admito que este argumento parece ter pés
para andar: se tomarmos os números totais de 2013 verificamos que dois terços
da diminuição da taxa de desemprego pode ser explicada pela diminuição da
população activa, o mesmo é dizer pela emigração (e pela saída do mercado de
trabalho de “desencorajados”). Só o outro terço seria explicado pela criação
líquida de postos de trabalho.
Trata-se contudo de um
raciocínio redutor e que obscurece a realidade do que se passou. Como mostra o Pedro Romano, praticamente toda a diminuição da população activa deu-se no
primeiro trimestre de 2013, o “trimestre horribilis” em que o desemprego também
atingiu números estratosféricos. Depois disso, nos três trimestres em que o
emprego recuperou, a população activa não diminuiu. Como não é crível que toda
a emigração de 2013 tenha ocorrido no primeiro trimestre, é preciso olhar com
mais cuidado para os números. Eles parecem indicar, por exemplo, nos outros
três trimestres, durante os quais a população activa se manteve estável, e por
certo continuou a haver emigrantes a partir, pode ter ocorrido um regresso ao
mercado de trabalho de alguns “desmotivados”. É apenas uma hipótese, mas que
contraria o retrato negativista de “o desemprego só desceu porque as pessoas
emigraram”.
Hoje o tema já é outro. Agora
a crise é o desaparecimento de postos de trabalho na agricultura. Quando ouvi a
notícia recordei-me que, em Agosto passado, quando chegaram as primeiras boas
notícias sobre a evolução do desemprego, o problema era exactamente o oposto:
estava-se a criar emprego, mas eram empregos maus, na agricultura… Um bocadinho
de memória do que se debate de cada vez que saem os números do desemprego devia
ter alertado os que se precipitaram sobre este novo “drama”, mas memória é
coisa que parece rarear por aí.
Para tentar perceber o que se
passou recorro de novo a Pedro Romano. A sua
explicação baseia-se numa desagregação dos dados do INE separando os empregos
no sector primário (esmagadoramente na agricultura) dos restantes empregos. A
conclusão foi que “o‘factor agrícola’ está a tornar-se um elemento de volatilidade crescente no mercado de trabalho”, sendo que essa volatilidade era difícil de explicar.
Mas que valia a pena investigar mais, lá isso valia.
Deixadas estas duas primeiras
notas sobre as justificações “más” para uma evolução “boa”, acrescento apenas
uma terceira nota, esta a necessitar de análise mais rigorosa e só possível no
futuro, quando se puderem estudar as bases de dados dos descontos para a
Segurança Social: até que ponto a viragem – uma viragem indiscutível – no ciclo
do desemprego não pode ter alguma relação com a nova legislação do trabalho e a
sua maior flexibilidade. A ortodoxia mediática é que uma liberalização dos
despedimentos geraria sempre mais desemprego, mas parece estar a acontecer o
contrário. Mais: em Espanha, onde também se procedeu a uma enorme reforma da
legislação de trabalho, também houve uma inversão dos números do desemprego.
Não estou a dizer que este é o bom motivo para uma evolução que surpreendeu
toda a gente, em especial os macroeconomistas com os seus multiplicadores,
estou apenas a formular a hipótese omissa em todo o debate público dos últimos
dias. Uma omissão que diz imenso sobre o entorse ideológico desse mesmo debate.
Título e Texto: José Manuel Fernandes, Blasfémias,
07-02-2014
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