As seis lições – O livrinho foi escrito pela esposa de Ludwig, Margit
von Mises, traduzido por Maria Luiza Borges para o Instituto Liberal, 7ª edição,
1979.
“O presente livro reflete
plenamente a posição fundamental do autor, que lhe valeu - e ainda lhe vale - a
admiração dos discípulos e os insultos dos adversários. Ao mesmo tempo que cada uma das seis lições
pode figurar separadamente como um ensaio independente, a harmonia da série
proporciona um prazer estético similar ao que se origina da contemplação da
arquitetura de um edifício bem concebido”. - Fritz Machlup, Princeton, 1979
Margit assim inicia o
prefácio:
Em fins de 1958, meu marido
foi convidado pelo Dr. Alberto Benegas Lynch para pronunciar uma série de
conferências na Argentina, e eu o acompanhei.
Este livro contém a transcrição das palavras dirigidas por ele nessas
conferências a centenas de estudantes argentinos.
Chegamos a Argentina alguns
meses depois. Perón fora forçado a deixar
o país. Ele governara desastrosamente e
destruíra por completo as bases econômicas da Argentina. Seu sucessor, Eduardo Leonardi, não foi muito
melhor. A nação estava pronta para novas
ideias, e meu marido, igualmente, pronto a fornecê-las. Suas conferências foram proferidas em inglês,
no enorme auditório da Universidade de Buenos Aires. Em duas salas contíguas, estudantes ouviam
com fones de ouvido suas palavras que eram traduzidas simultaneamente para o espanhol.
Ludwig von Mises [foto] falou sem nenhuma
restrição sobre capitalismo, socialismo, intervencionismo, comunismo, fascismo,
política econômica e sobre os perigos da ditadura. Aquela gente jovem que o ouvia não sabia
muito acerca de liberdade de mercado ou de liberdade individual.
Em meu livro My Years with Ludwig von Mises, escrevi,
a propósito dessa ocasião: “Se alguém naquela época tivesse ousado atacar o
comunismo e o fascismo como fez meu marido, a polícia teria interferido,
prendendo-o imediatamente e a reunião teria sido suspensa.”
O auditório reagiu como se uma
janela tivesse sido aberta e o ar fresco tivesse podido circular pelas
salas. Ele falou sem se valer de
quaisquer apontamentos.
Como sempre,
seus pensamentos foram guiados por umas poucas palavras escritas num pedaço de
papel. Sabia exatamente o que queria
dizer e, empregando termos relativamente simples, conseguiu comunicar suas
ideias a uma audiência pouco familiarizada com sua obra de um modo tal que
todos pudessem compreender precisamente o que estava dizendo.
(…)
Margit von Mises
Divido com o generoso leitor a
quinta lição.
Investimento externo
Há quem atribua aos programas
de liberdade econômica um caráter negativo.
Dizem: “Que querem de fato os liberais? São contra o socialismo, a
intervenção governamental, a inflação, a violência sindical, as tarifas
protecionistas... Dizem ‘não’ a
tudo”. Esta me parece uma apresentação
unilateral e superficial do problema. É,
sem dúvida, possível formular um programa liberal de forma positiva.
Quando alguém afirma: “Sou contra a censura”,
não se torna negativo por isso. Na verdade, esta pessoa é a favor de os
escritores terem o direito de determinar o que desejam publicar, sem a
interferência do governo. Isso não é
negativismo, é precisamente liberdade (é óbvio que, ao empregar o termo “liberal”
com relação às condições do sistema econômico, tenho em mente o velho sentido
clássico da palavra).
Hoje, grande parte das pessoas
julga inadequadas as consideráveis diferenças de padrão de vida existentes
entre muitos países. Dois séculos atrás,
as condições da Grã-Bretanha eram muito piores que as condições atuais da
Índia. Mas em 1750 os britânicos não se
atribuíam os rótulos de “subdesenvolvidos” ou de “atrasados”, pois não tinham
como comparar a situação de seu país com a de outros, que se encontrassem em
condições econômicas mais satisfatórias.
Hoje, todos os povos que não atingiram o padrão de vida médio dos
Estados Unidos acreditam haver algo errado na sua situação econômica. Muitos deles se intitulam “países em
desenvolvimento” e, nessa qualidade, reivindicam ajuda dos chamados países
desenvolvidos ou superdesenvolvidos.
Permitam-me explicar a realidade dessa situação.
O padrão de vida é mais baixo nos chamados
países em desenvolvimento porque os ganhos médios para os mesmos gêneros de trabalhos
são mais baixos nesses países que em alguns outros da Europa Ocidental, que no
Canadá, no Japão, e especialmente nos Estados Unidos. Se investigarmos as razões dessa diferença,
seremos obrigados a reconhecer que ela não decorre de uma inferioridade dos
trabalhadores ou de outros empregados.
Reina entre certos grupos de trabalhadores norte-americanos a tendência
a se julgarem melhores que os outros povos – e que é graças aos próprios
méritos que ganham salários mais altos que os trabalhadores dos demais países.
Bastaria a um trabalhador
norte-americano visitar um outro país – digamos a Itália, de onde tantos deles
são originários – para constatar que não são suas qualidades pessoais, mas as
condições do país, que lhe possibilitam receber salários menos ou mais
elevados. Se um siciliano migrar para os
Estados Unidos, em pouco tempo poderá alcançar os padrões salariais correntes
neste país. E, se retornar à Sicília, o
mesmo homem verificará que sua permanência nos Estados Unidos não lhe conferiu
qualidades que lhe permitissem auferir, na Sicília, salários superiores aos de
seus conterrâneos.
Essa situação econômica
tampouco pode ser explicada a partir do pressuposto de que os empresários
americanos sejam superiores aos empresários dos demais países. É fato que – exceção feita ao Canadá, à
Europa Ocidental e a certas regiões da Ásia – o equipamento das fábricas e os
processos tecnológicos são, de modo geral, inferiores aos utilizados nos
Estados Unidos. Mas isso não é fruto da
ignorância dos empresários desses países “subdesenvolvidos”. Eles têm perfeita consciência de que as
fábricas dos Estados Unidos e do Canadá são muito mais bem equipadas. Muitos recebem informações apropriadas sobre
tudo isso, uma vez que são obrigados a se manterem em dia com a
tecnologia. Às vezes, ao faltarem as
informações, esses empresários buscam outros meios disponíveis para suprir suas
deficiências: recorrem, então, a manuais e revistas técnicas que divulgam esse
conhecimento.
A diferença, repetimos, não
reside na inferioridade pessoal nem na ignorância. A diferença está na disponibilidade de
capital, na quantidade acessível de bens de capital. Em outras palavras, o montante de capital investido
per capita é maior nas chamadas nações avançadas que nas nações em desenvolvimento.
Um empresário não pode pagar a
um trabalhador mais que a soma adicionada pelo trabalho desse empregado ao
valor do produto. Não lhe pode pagar
mais que aquilo que os clientes se dispõem a pagar pelo trabalho adicional
desse trabalhador individual. Se lhe
pagar mais, a paga de seus clientes não lhe permitirá recuperar seus
gastos. Sofrerá prejuízos, e além disso,
como já ressaltei várias vezes, e é do conhecimento geral, um negociante
submetido a prejuízos é obrigado a mudar seus métodos de negociar. Caso contrário, vai à bancarrota.
Os economistas dizem que “os
salários são determinados pela produtividade marginal da mão-de-obra”. Esta afirmativa não é mais que outra
formulação do que acabamos de expor. Não
se pode negar o fato de que a escala salarial é determinada pelo montante em
que o trabalho de um indivíduo aumenta o valor do produto. Dispondo de instrumentos de alta qualidade e
eficiência, uma pessoa poderá realizar, em uma hora de trabalho, muito mais que
outra que, também durante uma hora, trabalhe com instrumentos menos
aperfeiçoados e menos eficientes. É
óbvio que cem homens que trabalhem numa fábrica de calçados nos Estados Unidos
produzam muito mais, no mesmo prazo, que cem sapateiros na Índia, obrigados a
utilizar ferramentas antiquadas, num processo menos sofisticado. Os empregadores de todas essas nações em
desenvolvimento estão perfeitamente cônscios de que melhores instrumentos
tornariam suas empresas mais lucrativas.
Certamente gostariam de poder não só aumentar o número de suas fábricas
como também adquirir instrumentos mais modernos e sofisticados. O único empecilho é a escassez de
capital.
A diferença entre as nações
mais desenvolvidas e as menos desenvolvidas se estabelece em função do
tempo. Os ingleses começaram a poupar
antes de todas as outras nações. Consequentemente,
também começaram antes a acumular capital e a investi-lo em negócios. Este foi o fator primordial para que se
alcançasse, na Grã-Bretanha, um padrão de vida bastante elevado numa época em
que, em todos os outros países europeus, prevalecia ainda um padrão
consideravelmente baixo.
Gradualmente,
todas as demais nações começaram a analisar o que ocorria na Grã-Bretanha e não
lhes foi difícil descobrir a razão da riqueza desse país. Assim, puseram-se a imitar os métodos dos
negociantes ingleses. De qualquer modo,
o fato de outras nações só terem começado mais tarde seus investimentos e de os
britânicos não terem parado de investir capital fez permanecer uma grande
diferença entre as condições econômicas da Inglaterra e as desses outros
países. Mas ocorreu algo que veio anular
a superioridade da Grã-Bretanha.
Aconteceu, então, o fato mais
importante da história do século XIX – e não me refiro apenas à história de um
só país. Trata-se da expansão, no século
XIX, do investimento externo. Em 1817, o
grande economista inglês Ricardo ainda considerava ponto pacífico que só se
poderia investir capital nos limites de um país. Não considerava a hipótese de os capitalistas
virem a investir no estrangeiro.
Mas,
algumas décadas mais tarde, o investimento de capital no estrangeiro começou a
desempenhar um papel de importância primordial no mundo dos negócios. Sem esse investimento de capital, as nações
menos desenvolvidas que a Grã-Bretanha teriam sido obrigadas a iniciar seu
desenvolvimento utilizando-se dos mesmos métodos e tecnologia usados pelos
britânicos em princípio e meados do século XVIII. Seria preciso procurar imitá-los lentamente,
passo a passo. E sempre se estaria muito
aquém do nível tecnológico da economia britânica, de tudo o que os britânicos
já tinham realizado.
Teriam sido necessárias muitas
e muitas décadas para que esses países atingissem o padrão de desenvolvimento
tecnológico alcançado, mais de um século antes, pela Grã-Bretanha. Assim, o investimento externo constituiu-se
num fator preponderante de auxílio para que esses países iniciassem seu
desenvolvimento. O investimento externo
significava que capitalistas investiam capital britânico em outras partes do
mundo. Primeiro, investiram-no naqueles
países europeus que, do ponto de vista da Grã-Bretanha, se apresentavam como os
mais carentes de capital e os mais atrasados em seu desenvolvimento.
É do conhecimento de todos que as estradas de
ferro da maioria dos países da Europa –
e também as dos Estados Unidos – foram construídas com a ajuda do
capital britânico. Aliás, o mesmo se
passou aqui na Argentina. As companhias
de gás, em todas as cidades da Europa, eram também britânicas.
Em meados da década de 1870, um escritor e
poeta inglês criticou seus compatriotas dizendo: “Os britânicos perderam o
antigo vigor e já não têm uma só ideia nova.
Deixaram de ser uma nação importante ou de vanguarda”. A isto, Herbert Spencer, o eminente
sociólogo, respondeu: “Olhe para a Europa continental. Todas as capitais europeias têm iluminação
porque uma companhia britânica lhes fornece gás”. Isso se passou, é claro, numa época que hoje
se nos afigura como a época “remota” da iluminação a gás. Spencer disse ainda mais a esse crítico:
“Você afirma que os alemães estão muito à frente da Grã-Bretanha. Olhe para a Alemanha: até mesmo Berlim, a
capital do Reich alemão, a capital do Qeist, ficaria às escuras se uma
companhia britânica de gás não tivesse entrado no país e iluminado as ruas”.
Foi também o capital britânico
que, nos Estados Unidos, implantou as estradas de ferro e deu início a diversos
ramos industriais. É evidente que, ao
importar capital, o país passa a ter uma balança comercial que os economistas
qualificam de “desfavorável”. Isso
significa que suas importações excedem as exportações. A “balança comercial favorável” da Grã-Bretanha
devia-se ao fato de que suas fábricas enviavam muitos tipos de equipamento para
os Estados Unidos e tinham como pagamento simplesmente ações de companhias
norte-americanas.
Esse período da
história dos Estados Unidos durou, aproximadamente, até a década de 1890. Mas quando este país, com a ajuda do capital
britânico – e mais tarde com a ajuda das próprias políticas pró-capitalistas –,
expandiu seu sistema econômico de uma maneira inédita, os norte-americanos
começaram a comprar de volta o capital acionário que haviam vendido a
estrangeiros. Os Estados Unidos passaram
a ter, então, um excesso de exportações em relação às importações. A diferença a seu favor era paga pela
importação – a repatriação, como a chamavam – das ações ordinárias norte-americanas.
Essa fase durou até a Primeira
Guerra Mundial. O que aconteceu depois é
uma outra história. É a história dos
auxílios norte-americanos aos países beligerantes durante a Primeira e a
Segunda Guerras Mundiais, bem como nas entre guerras e após elas: os
empréstimos, os investimentos feitos na Europa, além do lend-lease, da ajuda
externa, do Plano Marshall, dos alimentos enviados para outros países e de
todos os demais subsídios. Friso isto
porque não são poucos os que acreditam ser vergonhoso ou degradante ter capital
estrangeiro operando em seu país.
Devemos nos dar conta de que em todos os países, exceto a Inglaterra, o
investimento de capital de origem estrangeira sempre desempenhou um papel da
mais considerável importância para a implantação de indústrias modernas.
Se afirmo que o investimento
externo foi o maior acontecimento histórico do século XIX, faço-o no desejo de
lembrar tudo aquilo que nem sequer existiria se não tivesse havido qualquer
investimento externo. Todas as estradas
de ferro, inúmeros portos, fábricas e minas da Ásia, o canal de Suez e muitas
outras coisas no hemisfério ocidental não teriam sido construídas, não fosse o
investimento externo. O investimento
externo é feito na expectativa de que não será expropriado.
Ninguém investiria coisa alguma se soubesse
de antemão que seus investimentos seriam objeto de expropriação. No século XIX e no início do século XX, não
se cogitava disso ao se aplicar no estrangeiro.
Desde o princípio havia, por parte de alguns países, certa hostilidade
em relação ao capital estrangeiro. No
entanto, apesar da hostilidade, estes países, em sua maior parte, compreendiam
muito bem que os investimentos externos lhes propiciavam imensas
vantagens. Em alguns casos, os
investimentos externos não eram destinados diretamente a capitalistas de outros
países: realizavam-se indiretamente, através de empréstimos concedidos ao
governo do país estrangeiro. Neste caso,
era o governo que aplicava o dinheiro em investimentos. Foi este, por exemplo, o caso da Rússia. Por razões puramente políticas, os franceses
investiram nesse país – nas duas décadas que precederam a Primeira Guerra
Mundial – cerca de vinte bilhões de francos de ouro, sobretudo na forma de
empréstimos ao governo.
Todos os grandes
empreendimentos desse governo – como, por exemplo, a ferrovia que liga a
Rússia, indo dos montes do Ural, através do gelo e da neve da Sibéria, até o
Pacífico – foram realizados basicamente com capital estrangeiro emprestado ao
governo russo. Como é fácil presumir, os
franceses nem sequer imaginavam que, de um momento para outro, se implantaria
um governo russo comunista que simplesmente declararia não pretender pagar os
débitos contraídos por seus predecessores do governo czarista.
A partir da Primeira Guerra
Mundial, teve início um período de guerra declarada aos investimentos
estrangeiros. Uma vez que não há
qualquer medida capaz de impedir um governo de expropriar capital investido,
praticamente inexiste proteção legal para os investimentos externos no mundo de
hoje. Os capitalistas dos países
exportadores de capital não previram isso: se o tivessem feito, teriam sustado
todos os investimentos externos há quarenta ou cinquenta anos atrás.
Na verdade, os capitalistas não acreditavam
que algum país pudesse ser antiético o bastante para descumprir uma dívida,
para expropriar e confiscar capital estrangeiro. Com este tipo de ação, inaugurou-se um novo
capítulo na história econômica do mundo.
Encerrado o glorioso período do século XIX, em que o capital estrangeiro
fomentou, em todas as partes do mundo, a implantação de modernos métodos de
transporte, de fabricação, de mineração e de tecnologia agrícola, inaugurou-se
uma nova era em que governos e partidos políticos passaram a ter o investidor
estrangeiro na conta de um explorador a ser escorraçado do país. Os russos não foram os únicos a incorrer
nessa atitude anticapitalista. Basta
lembrar, por exemplo, a expropriação dos campos de petróleo norte-americanos no
México, bem como tudo o que se passou aqui, neste país (Argentina).
A situação no mundo de hoje,
gerada pelo sistema de expropriação do capital estrangeiro, consiste ou na
expropriação direta ou naquela realizada indiretamente, por meio do controle do
câmbio exterior ou da discriminação de taxas.
Este é sobretudo um problema de nações em desenvolvimento.
Tomemos, por exemplo, a maior dessas nações:
a Índia. Sob o sistema britânico,
investiu-se, neste país, predominantemente capital britânico, embora também
tenha havido investimentos de capital originário de outros países da
Europa. Além disso, os britânicos
exportaram para a Índia algo extremamente importante, que precisa ser
mencionado neste contexto: exportaram métodos modernos de combate a doenças
contagiosas. O resultado foi um
extraordinário aumento da população do país que, por sua vez, gerou um terrível
agravamento dos seus problemas. Ante
essa situação cada vez mais grave, a Índia optou pela expropriação como meio de
enfrentar suas dificuldades. Mas esta
expropriação não foi sempre efetuada de maneira direta: a hostilização do
governo aos capitalistas estrangeiros se mostrava nos empecilhos criados para
seus investimentos. Como consequência,
só restava aos capitalistas liquidarem seus negócios.
A Índia podia, é óbvio, obter capital por um
outro método: o da acumulação interna.
Mas trata-se de um país tão hostil à acumulação interna de capital
quanto aos capitalistas estrangeiros. O
governo indiano declara pretender industrializar o país, mas o que de fato tem
em mente é instituir empresas socialistas.
Alguns anos atrás, o famoso estadista Jawaharlal Nehru publicou uma
coletânea de discursos. O livro foi
lançado no intuito de tornar os investimentos estrangeiros na Índia mais atraentes. O governo indiano não é contrário ao capital
estrangeiro antes que este seja investido.
A hostilidade só começa quando já está investido. Nesse livro – cito literalmente – o Sr. Nehru diz: “Desejamos, é claro,
socializar. Mas não somos contrários a
iniciativa privada. Desejamos encorajar
de todas as maneiras a iniciativa privada.
Queremos afiançar aos empresários que investem no país que não os
expropriaremos ou os socializaremos num prazo de dez anos, talvez até por mais
tempo.” E ele supunha estar fazendo um convite estimulante.
No entanto, o problema real – como sabem todos
aqui presentes – está na acumulação interna de capital. Em todos os países, são extremamente altos os
impostos que, hoje, pesam sobre as companhias.
Na verdade, elas sofrem uma dupla tributação. Além de haver uma severa taxação sobre seus
lucros, há, ainda, outra taxação sobre os dividendos que pagam aos
acionistas. E esta tributação é feita de
maneira progressiva. A tributação
progressiva da renda e dos lucros tem como resultado o fato de que precisamente
aquelas parcelas da renda que se tenderia a poupar e a investir são consumidas
no pagamento de tributos. Tomemos o
exemplo dos Estados Unidos.
Há alguns
anos, havia um imposto sobre “excesso de lucros”: de cada dólar ganho, a
companhia retinha apenas dezoito centavos de dólar. Quando esses 18 centavos eram pagos aos
acionistas, aqueles que possuíam um grande número de ações tinham de pagar,
sobre essa cota, como imposto, um percentual de 16, 18 ou até mais. Assim, de um dólar de lucro, os acionistas
retinham cerca de sete centavos de dólar, ficando o governo com os 93
restantes. A maior parte desses 93% que,
nas mãos do acionista, teria sido economizada e investida, é utilizada pelo
governo nas despesas comuns. É esta a
política dos Estados Unidos.
Espero ter deixado claro que a
política dos Estados Unidos não é um exemplo a ser imitado por outros
países. Quero apenas ressalvar que um
país rico tem mais condições de suportar más políticas que um país pobre. Nos Estados Unidos, a despeito desses métodos
de tributação, ainda se verifica, todos os anos, alguma acumulação adicional de
capital que reverte em investimentos.
Permanece ainda, consequentemente, uma tendência à elevação do padrão de
vida.
Mas em muitos outros países o
problema é extremamente mais crítico.
Além de não haver – ou de não haver em volume suficiente – poupança
interna, o investimento de capital oriundo do estrangeiro é severamente
reduzido em decorrência da franca hostilidade existente em relação ao
investimento externo. Como podem estes
países falar de industrialização, da necessidade de criar novas fábricas, de
atingir melhores condições econômicas, de elevação do padrão de vida, de
obtenção de padrões salariais mais elevados, de implantar melhores meios de
transporte, se adotam uma prática que terá exatamente o efeito oposto? O que suas políticas fazem efetivamente,
quando criam obstáculos ao ingresso do capital estrangeiro, é impedir ou retardar
a acumulação interna de capital.
O resultado final é,
certamente, extremamente negativo. Como
não podia deixar de ser, decorre de tudo isto uma acentuada perda de confiança:
existe hoje, no mundo todo, um crescente descrédito na viabilidade de se investir
no exterior. Ainda que os países
interessados em conseguir novos capitais se empenhassem em mudar imediatamente
suas políticas e fizessem toda a sorte de promessas, é muito duvidoso que
pudessem, mais uma vez, estimular os capitalistas estrangeiros a neles
investirem.
É evidente que existem métodos
para evitar que as coisas cheguem a este ponto.
Uma medida possível seria o estabelecimento de alguns estatutos
internacionais – e não somente de acordos – que retirassem os investimentos
externos da jurisdição nacional. Isto
poderia ser feito por intermédio das Nações Unidas. Mas a ONU não passa de um lugar de encontro para discussões
inócuas. Tendo em vista a enorme
importância do investimento externo, percebendo com clareza que só ele pode
trazer melhorias para as condições políticas e econômicas do mundo, precisamos
tentar fazer algo em termos de legislação internacional.
Esta é uma questão legal, de
cunho técnico, que estou levantando apenas para mostrar que a situação não é
desesperadora. Se o mundo quiser
efetivamente tornar possível que os países em desenvolvimento elevem seu padrão
de vida, chegando ao “estilo de vida americano”, isso poderá ser feito. É necessário apenas compreender como.
Uma única coisa falta para
tornar os países em desenvolvimento tão prósperos quanto os Estados Unidos:
capital. No entanto, é imprescindível
que haja liberdade para empregá-lo sob a disciplina do mercado, não sob a do
governo. É preciso que estas nações
acumulem capital interno e viabilizem o ingresso do capital estrangeiro. No entanto, faz-se necessário frisar, mais
uma vez, que o desenvolvimento da poupança interna só tem lugar quando as
camadas populares se sentem respaldadas por um sistema econômico que propicie a
existência de uma unidade monetária estável.
Em outras palavras, não se pode admitir nenhuma modalidade de inflação.
Grande parte do capital
empregado nas empresas norte-americanas é de propriedade dos próprios
trabalhadores e de outras pessoas de recursos modestos. Bilhões e bilhões de depósitos de poupança,
títulos e apólices de seguro operam nessas empresas. Hoje, no mercado monetário dos Estados
Unidos, os maiores emprestadores de dinheiro já não são os bancos, mas as
companhias seguradoras.
E, do ponto de
vista econômico – e não do legal –, o dinheiro das seguradoras é propriedade do
segurado. E praticamente todos os
cidadãos norte-americanos são, de uma forma ou de outra, segurados. O requisito fundamental para que haja, no
mundo, uma maior igualdade econômica é a industrialização. E esta só se torna possível quando há maior
acumulação e investimento de capital.
Talvez eu os tenha surpreendido por não mencionar uma medida reputada
primordial na industrialização de um país: o protecionismo.
Mas as tarifas e controles do
câmbio exterior são exatamente meios de impedir a importação de capital e a
industrialização do país. A única
maneira de fomentar a industrialização é dispor de mais capital. O protecionismo não faz mais que desviar
investimentos de um ramo de negócios para outro.
Por si mesmo, o protecionismo
não acrescenta coisa alguma ao capital de um país. Para implantar uma nova fábrica, precisa-se
de capital. Para modernizar uma já
existente, precisa-se de capital, não de tarifas. Não se trata, aqui, de discutir toda a
questão do livre-câmbio ou do protecionismo.
Espero que a maior parte dos manuais de economia que se encontram no
mercado, ao alcance de todos, já a apresentem adequadamente. A proteção não introduz alterações positivas
na situação econômica de um país.
Também o sindicalismo
certamente não vem a promover qualquer melhoria nessa situação. Se as condições de vida são insatisfatórias e
os salários são baixos, o assalariado que tenha sua atenção voltada para os
Estados Unidos e que leia sobre o que ali se passa, ao ver em filmes, como a
casa de um americano médio é equipada de todos os confortos modernos, pode
sentir uma ponta de inveja. E tem toda
razão ao dizer: “Deveríamos ter a mesma coisa”.
Mas só se pode obter esta melhoria através do aumento do capital. Os sindicatos recorrem à violência contra os
empresários e contra os que chamam de “fura-greves”. Mas, a despeito de sua força e de sua
violência, não conseguem elevar de maneira contínua os salários de todos os
assalariados.
Igualmente ineficazes são os
decretos governamentais que estipulam pisos salariais. O que os sindicatos conseguem de fato
produzir (quando são bem-sucedidos na luta pela elevação dos salários) é um
desemprego duradouro, permanente. Os
sindicatos não têm como industrializar o país, não têm como elevar o padrão de
vida dos trabalhadores. E este é o ponto
crítico. É preciso compreender que todas
as políticas de um país desejoso de elevar seu padrão de vida devem estar
voltadas para o aumento do capital investido per capita. Aliás, este investimento de capital per
capita continua a crescer nos Estados Unidos, apesar de todas as más políticas aí
adotadas. E o mesmo ocorre no Canadá e
em alguns países da Europa Ocidental.
Mas, lamentavelmente, vem-se reduzindo em países como a Índia.
Lemos todos os dias nos jornais que a
população mundial apresenta um crescimento de cerca de 45 milhões de pessoas –
ou até mais – por ano. Aonde isso nos
vai levar? Quais serão os resultados e as consequências? Lembrem do que falei
sobre a Grã-Bretanha. Em 1750, os
britânicos supunham que seis milhões de pessoas constituíam uma população
excessiva para as Ilhas Britânicas: todos estariam fadados à fome e à peste. No entanto, nas vésperas da última Guerra Mundial,
em 1939, cinquenta milhões de pessoas viviam nas Ilhas Britânicas com um padrão
de vida incomparavelmente superior ao padrão com que se vivia em 1750. Isto era um efeito da chamada
industrialização – termo, por sinal, bastante inadequado. O progresso da Grã-Bretanha foi gerado pelo
aumento do investimento de capital per capita.
Como eu já disse antes, as nações só têm uma maneira de alcançar a
prosperidade: através do aumento do capital, com o decorrente aumento da
produtividade marginal e o crescimento dos salários reais. Num mundo sem barreiras migratórias, haveria
uma tendência à equiparação dos padrões salariais de todos os países. Atualmente, se não existissem barreiras à
migração, é provável que vinte milhões de pessoas procurassem ingressar nos
Estados Unidos a cada ano, atraídas pelos melhores salários aí oferecidos. Tal afluência provocaria a redução dos
salários nesse país e uma correspondente elevação em outros.
Embora não haja tempo
suficiente nesta exposição para tratarmos das barreiras migratórias, é
importante deixar claro que há outro caminho capaz de levar à equiparação
salarial no mundo inteiro. E este outro
caminho, que passa a valer quando não existe a liberdade para migrar, é a
migração de capital. Os capitalistas
tendem a se deslocar para aqueles países onde a mão-de-obra é abundante e
barata. E, pelo próprio fato de
introduzirem capital nesses países, provocam uma tendência à elevação dos
padrões salariais. Isso funcionou no
passado e funcionará no futuro do mesmo modo.
Quando houve, pela primeira
vez, investimento de capital britânico na Áustria ou na Bolívia, por exemplo,
os padrões salariais ali estabelecidos eram muito inferiores aos que
prevaleciam na Grã-Bretanha. Este
investimento adicional originou, então, uma tendência à alta dos padrões
salariais nesses países, tendência está que se refletiu no mundo inteiro. É um fato bastante conhecido que,
imediatamente após a introdução, por exemplo, da United Fruit Company na Guatemala,
o resultado foi uma tendência geral a maiores padrões salariais. A partir dos salários pagos pela United Fruit
Company criou-se, para os demais empregadores, a necessidade de pagar, também,
salários mais elevados. Portanto, não há
absolutamente razão para qualquer pessimismo em relação ao futuro dos países
“subdesenvolvidos”.
Concordo plenamente com os
comunistas e com os sindicalistas quando proclamam que o necessário é elevar o
padrão de vida. Pouco tempo atrás, num
livro publicado nos Estados Unidos, dizia um professor: “Temos agora o bastante
de todas as coisas; por que deveria a população do mundo continuar trabalhando
tanto? Já temos tudo.” Não tenho a menor dúvida de que esse professor tenha
tudo. Mas há outros povos, em outros
países – e também muitas pessoas nos Estados Unidos – que desejam e deveriam
ter um melhor padrão de vida.
Fora dos Estados Unidos – na
América Latina e, mais ainda, na Ásia e na África – todos desejam a melhoria
das condições do seu país. Um padrão de
vida mais alto acarreta, também, padrões superiores de cultura e de
civilização. Assim, concordo plenamente
com a meta final de elevar o padrão de vida em toda parte. Mas discordo no tocante às medidas a serem
adotadas para a consecução deste objetivo.
Que medidas levarão a atingir esta meta? Certamente não é a proteção,
nem a interferência governamental, nem o socialismo, ou a violência dos
sindicatos (eufemisticamente chamada de barganha coletiva, mas que se
constitui, de fato, numa barganha sob a mira do revólver).
Alcançar esta meta final de
elevação do padrão de vida em toda parte é um processo bastante lento. Para alguns, talvez demasiadamente
lento. Mas não há atalhos para o paraíso
terrestre. Leva tempo, é necessário
trabalhar. No entanto, não será preciso
tanto tempo quanto muitos imaginam. A equiparação
virá finalmente.
Por volta de 1840, na região
ocidental da Alemanha – na Suábia e em Wurtemberg, que eram na época áreas das
mais industrializadas do mundo –, dizia-se: “Jamais conseguiremos atingir o
nível dos britânicos. Os ingleses têm
uma cabeça de vantagem e estarão sempre à nossa frente”. Trinta anos mais tarde, diziam por sua vez os
britânicos: “Essa concorrência alemã é intolerável, temos de dar um jeito
nisso”. Por essa época, é claro, o
padrão alemão experimentava uma rápida elevação, muito embora apenas se
aproximasse do padrão britânico. Hoje, a
renda per capita alemã nada fica a dever à britânica.
No centro da Europa, existe um
pequeno país, a Suíça, muito pouco aquinhoado pela natureza. Não tem minas de carvão, não tem minérios,
não tem recursos naturais. Mas, ao longo
de séculos, seu povo praticou uma política capitalista e erigiu o mais elevado
padrão de vida da Europa continental.
Esse país situa-se, agora, entre os mais destacados centros de
civilização do mundo. Não vejo por que
um país como a Argentina – muito maior que a Suíça, tanto em população quanto
em extensão territorial – não poderia alcançar o mesmo elevado padrão de vida
ao cabo de alguns anos de boas políticas.
Mas – como já o frisei – é imprescindível que as políticas sejam
boas.
Texto: Ludwig Von Mises, 1958
Marcação: JP
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-