Aparecido Raimundo de Souza
1
Reconstituímos na memória as
inocentes carícias, quase pueris, que as namoradinhas da adolescência se
permitiam conceder. Depois de cumprirmos dias e mais dias de cândidas trocas de
olhares, era um feito de sustar a respiração quando lográvamos tocar levemente
a face nas têmporas.
2
Ao retornarmos ao bar defronte
à igreja matriz, para o reencontro com os amigos, estávamos marcados por tal
acanhamento que só conseguíamos nos conter devido ao impulso de revelarmos o
ocorrido, porque, naquela época, as intimidades com as donzelas, até aqueles
inofensivos rudimentos de afagos e alentos, morriam sepultados na discrição dos
cavalheiros.
3
Só muito tarde da noite,
assistíamos pasmados, outros rapazes mais velhos desfiando o rol dos
acontecidos, às escondidas, com suas amadas, e, isso, com as meticulosidades
estatísticas de recenseadores do IBGE. Os jardins da cidadezinha e o coreto
onde nos finais de semana tocava a banda dos aposentados se assemelhavam a
cálidos buquês de flores.
4
O cenário de delicadas pétalas
e inebriantes aromas exalando pelo ar seria mais adequado para abrigar idílios
- não fosse à carência de espaços menos devassados - onde os varões
experimentavam dar “um trato” mais ousado do que o incomum em suas exuberantes
e inquietas apaixonadas.
5
Havia, no máximo, emaranhados
favoráveis de galhagens de roseiras e uma incidência bem generosa de pequenas
árvores, produzindo abrigos precários. Os mais afoitos não se livravam dos
sobressaltos com os sentidos totalmente voltados para a aproximação dos
transeuntes bisbilhoteiros, principalmente daquelas velhotas que dispunham de
olhos de lince, fôlegos acima de qualquer suspeita, línguas afiadas e por
demais venenosas.
6
Nesses momentos de angústia,
quando o sangue quase fervia nas veias, os corações palpitavam febrilmente, não
só pela explosão do amor juvenil sendo descoberto, mas, também, pelas
exigências de uma postura de rígida sentinela.
7
Na verdade, tudo tinha um
limite sem limite. As mãos bobas não podiam ir acima dos joelhos. Pegar
“naquilo”, credo em cruz, nem pensar! Se o padre Avarício tomasse conhecimento
de algum caso, certamente o desditoso ficaria na missa inteira de domingo
ajoelhado no milho com a cara para a galera.
8
Aconteceu com o Carlinhos que
foi flagrado com a mão por dentro da calcinha da Tiana, filha do dono da
padaria. De vexado, por mais de um mês, o pobre sumiu das vistas da comunidade.
9
Hoje, tantos janeiros
depois, contemplamos estarrecidos e
atônitos os incríveis contorcionismos dos casais desabados sobre os assentos
públicos instalados na área por onde caminhamos no lusco fusco destas tardes
quentes. Outro dia, capturamos, sem querer, uma mocinha praticando sexo oral em
seu parceiro, dentro do carro.
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Os vidros, embora estivessem
embaçados, não escondeu a pouca vergonhice dos desastrados. É comum vermos
cenas depravantes, coisas que no nosso tempo de menino nem imaginávamos
pudessem existir. Tentamos, em vão, descobrir – ou melhor – atinar com algum ponto
de afinidade entre a descontração extremada de hoje e a pudicícia que envolvia
os romances, ainda que furtivos, de nossos idos de outrora.
11
O que vislumbramos nos dias
atuais não são coisas de gente tida como civilizada. Mais parecem esses loucos
desvairados, duplas circenses empenhadas em desenvolverem composições corpóreas
que exigem músculos vigorosos e juntas muito bem lubrificadas. Ocorre mais uma
preocupação em desenharem fusões de corpos se ardendo na chama lúgubre da
safadeza a céu aberto e da sacanagem desenfreada, que a pura e singela
manifestação de sensualidade e afeto.
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Na verdade, o que assinala
descomedidamente a cara desses protagonistas é uma espécie de apatia beócia, um
alheamento maquinal de quem pedala uma bicicleta ergométrica ou masca um
chiclete tutti-frutti. Embora a beleza cristalina que norteia e marca para
sempre as coisas do amor e os milagres tantos que esse sentimento opera na alma
das criaturas, é cindiamente doloroso o sacrifício que determinadas mulheres
impõem ao depositarem as coisas pecaminosas no colo de seus pares; posição que,
se comparada com acuidade, parece a de um jacaré faminto imobilizando a presa.
13
Outras incautas enlaçam os
braços de jibóia e dão várias voltas em torno do pescoço ofegante da criatura,
impedindo até a respiração normal. Já uma corrente de garotas conhecidas como
“cocotinhas” permanece estática, examinando as curvaturas do nariz, os buracos
dos olhos, as bochechas, com a severidade percuciente e temerária de uma
cirurgiã novata que planeja cortes e pontos.
14
Semanas atrás, topamos com um
grandalhão igual aqueles bonecos inanimados do carnaval de Olinda, dormitando
placidamente seu cansaço redondo, boca aberta e babante, sobre o cangote de uma
esquálida guria sumariamente vestida. A desengonçada, magra de dar dó, nos fez
lembrar a Olívia Palito.
15
Adernada ao peso do monstro, a
guria parecia prestes a desmaiar. Pela posição dantesca, demonstrava que em
breve imploraria aos passantes algum tipo de socorro, antes que soçobrasse, de
vez, atada ao fardo da perniciosa ocupação.
16
Pois bem! Os tempos mudaram,
não resta a menor dúvida. Mas e o amor?
O que dizer dele? O amor ou a forma de se amar sofreu transformações?
Claro que sim... mas não importa.
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Somos velhos e superados, retrógados
do tempo em que a coisa era vivida de forma envolvente. Seguíamos por caminhos
indescritíveis e, a cada nova descoberta que fazíamos se constituía num triunfo
sem igual, numa conquista que guardávamos como um troféu valioso, a sete
chaves, bem dentro do peito.
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Não somos contra esse tal de
amor liberal, pelo contrário. Apenas entendemos (que ele reclama de algo
insólito para continuar sobrevivendo). O amor verdadeiro pugna pelo culto de
algumas sutilezas, como uma rima ao acaso, uma poesia de Mário Quintana, uma frase
simples de uma canção de Roberto Carlos. Um gesto curto de ternura, um mimo
memorável, quase imperceptível, que deixe marcas indeléveis dentro do coração.
19
O amor verdadeiro gosta mais.
Aprecia reverências; alimenta a chama das tentações escondidas e evidentemente
sobrevive de pequenas coisas bobas, como um olhar, um afago no rosto, um
minúsculo toque nos cabelos, um entrelaçar de mãos.
20
Essas pequenas coisas, quase
insignificantes, só são possíveis se rolar um certo e apurado ritual de magia,
sem o que a coisa descambará para o vandalismo e para o apagar da chama do
verdadeiro sentido de gostar e querer bem.
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RETIRADOS DO AR, APAGADOS OU CENSURADOS PELAS REDES SOCIAIS, O PRESENTE ARTIGO
(COMO OS DEMAIS QUE FOREM PRODUZIDOS), SERÁ PANFLETADO E DISTRIBUÍDO NAS
SINALEIRAS, ALÉM DE INCLUÍ-LO EM NOSSO PRÓXIMO LIVRO “LINHAS MALDITAS” VOLUME
3.
Título e texto: Aparecido Raimundo de Souza, jornalista. De
Jundiaí, interior de São Paulo. 30-3-2017
Colunas anteriores:
Saudades dos tempos de outrora, onde o amor era puro e sincero,o beijo era como magia, podia sentir, o palpitar dos corações adolescentes e apaixonados, o caminhar de mãos dadas, o encontro, na pracinha. Era tão inocente e perfeito, quantas lindas recordações me traz. não podemos voltar no tempo, mas podemos guardar pra sempre esse momento...muitos ainda sonham com um amor como nos tempos passados... lindo e apaixonante texto. Parabéns Aparecido.
ResponderExcluirCarla
Há de diferenciar-se juventude, adultice(neologismo meu) e velhice.
ResponderExcluirNa juventude tudo é descoberta, até o sabor da merda.
Quando adultos, tudo é feito por arrogância, só come merda que quer.
Quando velhos tudo é saudade com resquícios de arrogância.
A descoberta do sexo é maravilhosa, daí mistura-se com amor, vem as merdas.
Sempre visualizei o amor como brochante.
Sempre apaixonado por sexo.
Casei-me tarde.
Adorava cabarés.
A música, o queijo, as "stripers", o falso amor, a bebida, os motéis, as luzes negras, sem nenhum ciúme ou arrependimento, apenas sexo.
Faço 35 anos de casado no ano vindouro.
E apesar dos profanos, nunca traí.
Nunca senti ciúmes.
Me orgulho de ofertar a "cadeira vazia" de Lupicínio Rodrigues à minha companheira se um dia ela decidir ir embora com outro.
Os arrogantes da terceira idade, ou melhor das últimas idades, continuam eternos românticos.
Sem dinheiro no bolso viram tarados.
Com dinheiro no bolso viram otários.
Claro que lembro do pênis que endurecia só de passar a mão.
A saudade é a merda da velhice, ou a velhice é a própria merda.
Para sermos inteligentes temos de nos adaptar.
Continuo com minhas atitudes românticas com minha companheira, as mulheres são hiper sentimentais.
O amor de outrora continua o mesmo, onde a chave de um carro ainda faz diferença.
As mulheres é que mudaram.
Naquele tempo até fusca era condecorado.
O amor burro se incorpora aos vagabundos, o amor inteligente a marca do celular.
As noitadas de hoje são todas de boa noite Cinderela, amanhã nem lembram nosso nome.
E quando lembram nosso nome, querem saber quanto é nossa conta bancária.
Depois dos 60 temos duas preocupações:
-Se vamos morrer antes de ficar brocha, ou se vamos ficar brocha antes de morrer.
Eternos mentirosos, escolham suas opções, afinal hemorroidas e dinheiro todo mundo esconde que tem.
fui...