Aparecido Raimundo de Souza
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EU NÃO ME CHAMO TOB. Foi, todavia, esse
nome que me dei, por conta própria, de mentirinha. Sou um gato. Um gato de
verdade. Um pequeno felino com pelos bonitos, bem cuidados e bem tratados.
Apesar disso, não gosto desse meu nome. Nem um pouco. Acho que Tob não pega bem
para um doméstico da minha envergadura.
2
Se eu pudesse mudar, escolheria um
patronímico mais simpático, mais atraente, mais chamativo, mais condizente com
a minha raça. Embora viva dentro de casa, e tenha uma vida maravilhosa, de rei,
não sou desses bichanos gorduchos e preguiçosos. Nem durmo no saco. Não caço
ratos. Minha comida é de primeira e meus donos (principalmente a Luaninha, no
albor dos quinze anos, com aquele adorno na cabeça, em forma de barrete,
cobrindo os longos cabelos em cachos, única filha de dona Rita e seu Moisés) me
tratam como se eu pertencesse à família.
3
Outro dia comentei com meu amigo que
mora na praça aqui perto. Ele é um gato sujo, sarnento, cheio de pulgas,
carroceria corrida, anda todo torto e descadeirado. Não tem nome de batismo, eu
o chamo de Chico. Chico, coitado, um dia
come, outro passa fome. Um dia bebe outro não. Anda miando de deu em deu, o
infeliz, jogado à sorte, ao deus dará.
4
Quando falei em trocar de nome, ele se
virou para mim e argumentou com a sapiência dos animais que, embora sem um
pingo de sorte nos costados, tem uma larga experiência de vida, pelos maus
momentos que traz grudado pelos escaldados horríveis da vida.
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- Que nome gostaria de ter?
- Pensei em Salem...
- Isso lá é nome de gato? O que me diz
de Tom?
- Já existe um montão, Chico. Sem
contar que temos um simpático muito famoso. Lembra-se do Jerry da televisão. O
que me diz de Tim?
- Tim? Kikiki... você acabaria virando
alvo de piadinhas de mau gosto...
- Como assim?
- Seus amigos, menos eu, claro, lhe
alcunhariam de fim, mim, sim, quim, vim... Imagine, “e ai, amigo Pim! Tudo
bem?”.
- Restaria, então, Bob!
- Bob, meu chapa, é nome de gato
preguiçoso. E você não me parece um gato molenga. Pelo menos na aparência. Você
é gato de “madame”, de família abastada. De boa família, por sinal. E o mais
importante: tem pedigree.
6
- Mesmo assim eu queria mudar de nome.
O que eu mesmo me dei, por conta, Tob, está me deixando incomodado...
- Deixa de bobeira, Tob. Tira isso da
cabeça. Procure se espelhar em mim, como exemplo.
- Como exemplo? Estou voando. Desenha!
- Filtra de novo!
- Como disse?
- Esquece Tob. Veja minha situação. Nem
nome tenho. Você que me arranjou esse tal de Chico. Pois bem, sem falar, mas já
falando, não tenho um lar. Vivo ao relento, jogado, em busca de restos de
comida e camundongos. Na moral, colega. Preferiria mil vezes ser chamado de Tob
e desfrutar de um cantinho só meu, que ser esse Chico aqui que você tão bem
conhece e vive assim, como eu vivo, aliás, como vegeto. Pobre, maltratado,
precisando, como se diz aí no mundo dos humanos, “matar um leão a cada dia para
sobreviver”. Desculpe o que vou dizer Tob. Você chora de barriga cheia. Deus,
meu prezado, não dá asas a cobra.
7
- Tudo bem. Estou de acordo com o que
disse. Mas quero mudar de nome.
- Tob!...
- Falo sério, Chico. Nunca falei tão
sério em minha vida. Me ajuda aí, vai!...
- Calma.
- Estou calmo.
- Relaxa.
- Estou relaxado.
- Um... ah... sim... claro...
- Desembucha, Chico.
- O que me diz de Stuart Little?
- Stuart Little?
- Sim, meu amigo. Era aquele pequeno
gato... ou era rato...?... não me recordo...! no filme “O pequeno Stuart”,
dublado pelo grande Rodrigo Santoro.
- Stuart Little? Acho meio
americanizado.
- Como disse?
- Filtra de novo!
- Aprendeu, hein malandro? Estou
gostando de ver.
8
- Não tem outro, Chico?
- Sim, me veio à mente agora. Como não
pensei nisso antes? Burro, como sou burro!
- Deixa de se mimosear, cara. Fala. No
que pensou?
- No gato Snowbell!
- Sei... sei... e... quem dublou esse
gato? Rodrigo Santoro?
- Não, Snowbell quem dublou foi o
Miguel Falabella. Como ele tem cinco gatos, ou pelo menos, na época possuía
cinco persas, Flora, Nicoleta, Scarlet, Zípora e Farac...
- Chico, como sabe de tudo isso?
- Velha história meu chapa. Nem gosto
de lembrar...
- Fala aí, mano velho. Se abre comigo.
- Tá legal. Namorei Scarlet. Meu Pai
amado, que gata!...
- E por que não ficou com ela?
- Caco Antibes foi mais esperto.
- Quem, Gato Antibes?
9
- Caco, seu besta. Caco. Caco Antibes.
Era um personagem do Falabella em “Sai de baixo”. Mas deixa pra lá. Vamos focar no nome. Stuart
Little ou Snowbell?
- Stuart Little cai melhor...
- Não simpatizou com Snowbell?
- Stuart Little foi dublado como você
disse aí, por Rodrigo Santoro, o grande.
- Certo, meu camarada. Só não recordo
se Stuart era um gato ou um rato...
- Pois é... bem... acho que vou ficar
com esse Stuart mesmo. Mesmo sendo bastante americanizado.
- Papagaios, mano. Não gostou do
Snowbell?
10
- Não é isso, Chico. É que estou me
recordando agora. Snowbell era meio... meio abichado. Não iria pegar bem. De
mais a mais, na minha idade, entrar no armário, sair do armário... dar uma
desmunhecada... fora de cogitação. Como Luaninha me veria? Decidido! Ficarei
com o Rodrigo Santoro, o grande.
- Você quer dizer, adotará o Stuart
Little?
- Com certeza!
- Mas Little é um rato. Sinceramente
não me recordo com precisão. Rato, gato, gato, rato? Faz tempo! Ainda estava
nos braços de Scarlet. Ah... bons tempos, aquele... não fosse o Miguel
Falabella... Alto lá... quem é Luaninha?
- Uma gata, Chico. E que gata!
- Você nunca me falou dela...
- Chico, esquece. A partir de hoje,
deixo de ser o Tob para ser o grande Stuart Little.
- Grande foi o Rodrigo Santoro que
dublou o bicho, mano. Não confunda.
- Foi mal. Não confundirei. Pode estar
certo. Snowbell, Luaninha, nem morta, nem morta...
- Como disse, Tob... digo, como foi que
disse Stuart?
- Filtra de novo. Filtra de novo!
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PANFLETADO E DISTRIBUÍDO NAS SINALEIRAS, ALÉM DE INCLUÍ-LO EM MEU PRÓXIMO LIVRO
“LINHAS MALDITAS” VOLUME 3.
Título e
texto: Aparecido Raimundo de Souza, jornalista. Do
Sítio ”Shangri-La” – Um lugar perdido no meio do nada. 13-3-2017
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