Há três regras fundamentais do
Estado de Direito, sem o qual este é uma pura ficção:
1º quem acusa, prova;
2º quem é acusado tem de ter
direito ao contraditório em, pelo menos, iguais circunstâncias de quem o acusa;
3º não pode haver crimes sem
prescrição, isto é, em condições normais, o direito a agir criminalmente contra
uma pessoa não pode ser eterno, sob pena de quem tem essa faculdade poder
transformar a vida de qualquer um num inferno.
O inverso disto foi o que
caracterizou o Ancien Régime, isto é, um estado sem garantias
mínimas de direitos individuais, em que quem detinha o poder o usava sem
restrições. A Inquisição acusava, usava meios de tortura para facilitar o
encontro do acusado com a «verdade», e era este quem tinha que provar a sua
inocência.
As «lettres de cachet»
podiam encarcerar qualquer indivíduo por todo o resto da sua vida, sem que
lhe fosse dado, sequer, conhecimento das acusações que sobre si impendiam. E as
leis de 22 Prairial, redigidas pelo sinistro Couthon, retiravam o direito de
defesa, no Tribunal Revolucionário, a qualquer cidadão francês que fosse visado
pelo acusador público, o também sinistro Fouquier-Tinville. A lei presumia
sempre justa e rigorosa a acusação revolucionária, pelo que ao acusado cumpria
apenas ouvir o que seria o seu destino: a guilhotina, obviamente.
O histerismo fundamentalista
leva a injustiças irreparáveis e a perseguições inqualificáveis. O mérito do
Estado de Direito foi pôr cobro a isto e garantir os direitos fundamentais dos
cidadãos face ao poder público que facilmente os poderá destruir na falta
dessas garantias.
Por conseguinte, as acusações
de crimes sexuais feitas a figuras mediáticas, a que temos vindo a assistir nos
últimos meses, com a sua imediata condenação pela opinião pública, inscreve-se
na mesma lógica dos massacres das Bruxas de Salém
ou do período do Grande Terror jacobino.
Não há, por enquanto,
condenações à morte física, mas à morte social e moral quase todos os grandes
visados foram já condenados. Em situações onde, por vezes, pela natureza das
próprias acusações, a defesa se torna impossível: como pode alguém defender-se
de algo de que é acusado de ter feito há 40 anos? A que provas recorrerá? Que
testemunhas estarão disponíveis? Com que memória?
Como se torna também
extraordinariamente difícil a defesa de atos por natureza íntimos, praticados
sem testemunhas e registos documentais. Se alguém lhe disser: «você
violou-me, há dez anos, num quarto de hotel!» como é que, e já
subvertendo o princípio do Estado de direito de quem acusa prova, o acusado se
poderá invalidar a acusação?
É a palavra de um contra a do
outro, dez anos passados. Sendo que, no ambiente de histerismo instalado,
próprio das Bruxas de Salém, a comunicação social imediatamente assume a defesa
das «vítimas», pobres moças estupradas por figuras públicas selvagens e sem
moral.
Por mim, assumi a seguinte
regra: sempre que uma figura pública – seja qual for – se vir confrontada com
acusações de atos sexuais impróprios supostamente perpetrados contra mulheres
«inocentes», rodeadas de equipas de advogados que juram pela sua infelicidade
causada pelo acusado, estarei sempre ao lado deste último. Se, ainda por cima,
anos tiverem passado sobre os supostos atos em questão, defenderei a condenação
criminal da acusadora, em sede de «denúncia caluniosa».
O Estado de direito tem regras
e a vida social também. Defendê-las é o que nos permite manter a fina fronteira
entre a civilização e a barbárie. E boa parte dos grandes crimes contra a
Humanidade foram feitos em nome da «justiça».
Título e Texto: Rui
A., Blasfémias,
4-10-2018
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