Péricles Capanema
Desde 9 de junho último a
população de Hong Kong reage energicamente, no fundo, contra a crescente
ingerência do Partido Comunista Chinês (PCC) na vida pública da antiga colônia
britânica, com repercussão óbvia na vida privada de seus habitantes.
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Manifestantes de Hong Kong
empunham guarda-chuvas e bandeiras dos EUA para pedir ajuda
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Alguns marcos úteis. Depois de
156 anos de governo colonial inglês, em 1º de julho de 1997 foi entregue à
China a soberania e a administração de Hong Kong, então com 6,5 milhões de
habitantes, que passou a ser parte integrante da República Popular da China.
Com algumas condições, sintetizadas na fórmula “dois sistemas, um Estado”, por
50 anos, portanto, até 2047, manter-se-ia autônoma a administração e intacto o
regime econômico então vigente. Já se foram 22 anos, faltam 28 para o processo
se completar. Contudo, a China vem desrespeitando o tratado, desidrata cada vez
mais a autonomia da “região administrativa especial”. O garrote sino sufoca
liberdades e outros direitos, alarmando a população da cidade e o mundo em
geral.
Já em 2014, na chamada revolta
dos guarda-chuvas, houve 79 dias de protestos contínuos nos arredores da sede
do governo. Os guarda-chuvas abertos evidenciavam a determinação da população
de permanecer sob a chuva, sem arredar pé, reclamando liberdade, eleições
livres, autonomia verdadeira.
Os líderes do movimento dos
guarda-chuvas enfrentam hoje processos, prisões e exílio. Não foi concedido o
voto universal direto nas eleições para o Executivo de 2017. Assim, o pleito
foi disputado só com candidatos previamente aprovados por Pequim, em que foi
eleita Carrie Lam, agora contestada. E, a partir de 2014, a China aumentou o
financiamento a candidatos pró-Pequim e fez com que líderes empresariais
favoráveis comprassem espaço de propaganda nos meios de divulgação. Outro
ponto, o Parlamento, também de momento contestado, tem mais da metade dos
membros sob controle de Pequim (do PCC, portanto), o que lhe dá poder para interferir
no regulamento e interpretar a “Lei Básica”, a constituição, de maneira que lhe
seja favorável.
Uma palavra sobre as presentes
manifestações. A Inglaterra tem laços históricos com a população e a imprensa
londrina segue de perto os acontecimentos. Explica artigo do “The
Economist”: “Muitas vezes de forma surpreendente, os manifestantes que
defendem as liberdades de estilo ocidental em Hong Kong fingem que não estão
procurando uma briga com o Partido Comunista. Pelo contrário, os ativistas
afirmam que seus objetivos e as metas dos chefes comunistas são harmônicos:
ambos buscam a continuação da prosperidade para Hong Kong. Os slogans contra Xi
Jinping têm sido raros”. Um dos líderes, Nathan Law pontua: “Todas
as nossas exigências estão dirigidas ao governo de Hong Kong”. E conclui
melancólico: “Na verdade, ainda não conquistamos nada”.
Embora as manifestações sejam
apresentadas como fruto espontâneo de convocações pelas redes, certamente têm
líderes e coordenação e eles estão procurando evitar o choque aberto com o PCC,
que permanece inamovível.
O povo comum é que percebe
pela evidência que os visados naturais pelos protestos são os chefes do Partido
Comunista e do governo chinês. E, nas bases, são vociferados ataques a Pequim e
até a reivindicação de Hong Kong voltar a ser colônia da Inglaterra,
certamente, situação mais cômoda e segura para a população. A invasão do
Parlamento foi um momento de desabafo, embora com claro controle de líderes.
No Exterior, o governo de
Pequim se manifesta energicamente contra Washington e Londres. São os dois
pontos mais sensíveis. Apenas como exemplo o embaixador chinês em Londres
acusou o Reino Unido de “gigantesca interferência”, “escolha do lado
errado” e “apoio a agitadores fora-da-lei violentos”. Nos
Estados Unidos, Donald Trump manifestou apoio às manifestações “estão
procurando democracia; infelizmente alguns governos não querem democracia”.
Não passou daí.
Concluo melancolicamente, quem
escreve tem obrigação especial de objetividade e verdade. A China não vai
ceder. Ela vai repetir em 2019 o que fez em 2014. As potências ocidentais
protestarão, em especial Estados Unidos e Reino Unido, mas ouviremos protestos
verbais, sem sanções econômicas ou medidas mais extremas.
O que pretende a China? Dobrar
as oposições e em parte, já conseguiu. Vimos, a oposição mede os passos, teme o
punho rijo dos governantes de Pequim. O PCC tem problema delicado. Habituar
paulatinamente os 7,4 milhões de habitantes à nova situação — sair de ar puro
e, em transição gradual, respirar em ambiente fuliginoso e tóxico. De outro
modo, estavam aclimatados a liberdades amplas de tipo inglês. Dentro de 28 anos
acabará o regime especial e serão empurrados para o ambiente social e político
da China.
O caminho para o qual será
empurrada a população da ilha, entremeado por explosões de inconformidade,
comportará decepção e desalento. Em teoria, passará por etapas: tolerância,
conformidade, por baixo a aceitação resignada. O Ocidente será submetido a
tratamento parecido: terá sua inconformidade, haverá recusa e protestos. O
objetivo é o mesmo, tolerância, depois conformidade, no fim pelo menos a
aceitação resignada.
A China atingirá o objetivo?
Não sei. Nas presentes circunstâncias, o bom desfecho do caso depende em
especial das reações da opinião pública nos Estados Unidos. Mais no ponto: da
vivacidade do inconformismo.
Diz a história, ou a lenda,
que o rei Mitrídates [busto ao lado] ingeriu veneno de forma crescente
para se tornar imune a doses maiores e assim escapar do envenenamento. Tal
processo de imunização recebeu o nome de mitridização; é utilizado na produção
do soro antiofídico. De forma análoga, a China tenta mitridatizar a opinião
pública, em Hong Kong e alhures para levá-la à resignação derrotista.
Título, Imagens e Texto: Péricles
Capanema, ABIM, 13-9-2019
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