segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

O tempo voa. A Varig que o diga (I)

Juntas, têm 50 mil horas de voo. Nas asas da companhia, viram uma época de ouro. Agora já era.
Fred Melo Paiva
Maldito passageiro que foi pedir para a Lívia aquela manta. Maldita manta que estava justamente naquele maldito maleiro. A Lívia, coitada, era baixinha - ainda é, claro. Mas isso hoje passa despercebido, já que não tem mais tanto maleiro assim na vida da Lívia. Na ocasião, porém, a Lívia não se deixou apequenar - puxou a manta lá de cima. Veio a manta mas veio também um chapéu que estava sobre a manta. A Lívia, inerte e agarrada à desgraçada da manta, viu o chapéu despencar lá de cima. Na poltrona abaixo do maleiro tinha um senhor. Este senhor era o Juscelino Kubitschek, meio careca e tomando uma sopa. O chapéu veio caindo. A Lívia gostava muito do seu emprego. Tinha feito faculdade de História Natural, mas preferia ser aeromoça. Maldito Juscelino, justamente ali sentado, aquele prato de sopa. A Lívia tinha até trancado a matrícula para virar aeromoça. Seus pais acharam péssimo - com exceção do ponto de vista estritamente masculino, aeromoça não era lá uma coisa muito bem-vista à época. Mas a Lívia foi em frente, assim como foi em frente aquele chapéu, despencando lá de cima. A Lívia realmente gostava de trabalhar na Varig. O chapéu caindo. Sentia-se parte de um time. O chapéu passando em frente ao rosto do Juscelino. De alguma forma, a Lívia era uma pioneira da aviação. Agora estava tudo acabado: o chapéu mergulhou na sopa do Juscelino Kubitschek. 

De modo geral, chapéu se ajusta àquela deselegante máxima dos bordéis: "Lavô tá novo". O problema, ali, era a sopa. Não era uma sopa qualquer a sopa que Juscelino sorvia, uma pena desperdiçá-la. Era a receita russa de uma sopa de beterraba assinada por um nobre austríaco, o Barão Von Stuckart. Esse Barão aí, embora nem se ligue tanto mais o nome à pessoa, era tão importante no Rio de Janeiro dos anos 50 quanto Juscelino Kubitschek. Stuckart era dono da Boate Vogue, a mais distinta casa da noite carioca, com comida e música de primeiríssima. Dolores Duran, Aracy de Almeida, Ângela Maria, Sílvio Caldas, Inesita Barroso - todo mundo tinha contrato com o Barão. Sacha Rubin, o pianista, era seu residente. Perdeu o instrumento quando a Vogue pegou fogo, em agosto de 1955. O Barão ganhou um emprego na cozinha da Varig. Era como se contratassem o Juscelino para construir novos hangares.

Lisboa, Thea, Erika, Jeanine, Hanelore, Lilian, Ingrid e Tâmara, Rio de Janeiro, 1973; enviada por Sérgio Prates - para o álbum "Antigas: Comissárias e Comissários RG {1}: de 1965 a 1982"


O Barão chegou na Varig e no ano seguinte veio a dona Lisboa - dona Lisboa hoje, que ela tem 76 anos e já se aposentou há muito tempo, em 1986; antes era apenas Lisboa. Tereza Lisboa, aliás. Mas, numa companhia aérea, não se pode ter duas comissárias com o mesmo nome. Tinha lá uma Tereza. Então a Lisboa virou Lisboa. A chegada dela e do Barão coincidem com a época de ouro da empresa, que acabava de inaugurar a rota Porto Alegre- Nova Iorque. O vôo saía da capital gaúcha às 11h30, fazia escala no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, e no Galeão, no Rio de Janeiro. Partia de novo às 20 horas. Descia em Belém e, depois, em Santo Domingo, na República Dominicana. Só chegava a Nova York às 4 da tarde do dia seguinte. A aeronave, um Super G Constellation da Lockheed, não era a jato, mas a pistão - alcançava no máximo 480 quilômetros por hora. Essas marcas podem sugerir uma espécie de ônibus com asa. Só impressão - o Constellation, desprovido de classe econômica, não tinha nenhum pé na rodoviária.(...)
Fred Melo Paiva, O Estado de S. Paulo, 18-09-2005

Super Constellation Série G, da Varig, Aeroporto de Congonhas, São Paulo, 1959. Foto: Rodolfo Waltemath
Continuacão:

Um comentário:

  1. O SUPER-COSTELLATION ! IMBATIVÉL! O AVIÃO MAIS BONITO DE TODOS OS TEMPOS!

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