Teremos de abdicar de tudo o que constitua uma
passagem irrefletida de responsabilidades para o futuro e devermos antecipar
uma supervisão multilateral mais dura e rigorosa
António Nogueira Leite
No início do passado Verão, os principais agentes
políticos e empresariais colocaram na agenda mediática a discussão aprofundada
do que iríamos (e vamos) coletivamente ter de enfrentar e realizar após a
“saída” da Troika em meados de 2014. O tempo passou e a reunião de economistas
e afins que Belém tanto publicitou passou ao esquecimento, obnubilada pelas
constantes declarações de vários membros do Governo sobre uma suposta
libertação do protetorado em que por ora vamos vivendo. Mesmo que o
enquadramento da União Monetária não tivesse sido alterado nos últimos anos,
qualquer cidadão medianamente informado imaginaria que quando os credores
oficiais terminassem as suas inspeções periódicas relativas ao grande
empréstimo acordado em maio de 2011, e o Governo de Portugal recuperasse alguma
(ainda que em muito reduzida parte) da sua anterior autonomia, os desafios a
enfrentar pelos portugueses seriam ainda extremamente relevantes e,
nomeadamente, a evolução das finanças públicas seria ainda objeto de escrutínio
apertado.
Mesmo que as próximas avaliações da Troika sejam
coroadas de êxito, os próximos semestres não serão radicalmente diferentes dos
que até hoje temos vivido. As novas regras da União no que toca à supervisão
multilateral dos orçamentos e demais políticas financeiras dos Estados e a
existência de um mais que provável escrutínio especial para países como
Portugal, beneficiário de um empréstimo dos demais estados-membros cujo
reembolso ainda está longe de se iniciar, implicarão aquilo que os conselheiros
do Presidente não querem admitir e alguns governantes teimam em não reconhecer,
e que passa pela inevitabilidade de fazer política e governar de um modo
totalmente diferente daquele em que vivemos a maior parte dos últimos 30 anos e
muito mais próximo do que temos tido desde 2011. No futuro, teremos de abdicar
de tudo o que constitua passagem irrefletida de responsabilidades para o futuro
e deveremos antecipar uma supervisão multilateral mais dura, rigorosa e com
consequências sempre que nos afastemos dos objetivos acordados. Como a Espanha,
a Itália e a França, ainda recentemente testaram, a supervisão multilateral na
zona euro passou de um certo “faz-de-conta” do passado para algo muito mais
sério e com implicações imediatas. A experiência atual já mostra que as regras
do tratado orçamental e as demais peças legislativas relevantes têm na
atualidade impacto significativo sobre todos os Estados-membros. Obviamente que
países como Portugal e a Irlanda ou a Grécia não lhes escaparão, mesmo no
caricatamente épico para consumo interno ‘período do pós-Troika’.
Não voltaremos ao pré 2011 por muito que os que
nos atiraram para o ajuste violento que experimentamos usem os vários palcos
que vão tendo para tentar, numa verdadeira quadratura do círculo, explicar que
o ajustamento é uma opção ideológica e não uma necessidade incontornável de
quem deve ao exterior mais de 200% da riqueza gerada em cada ano e exibe uma
dívida pública de mais de 125% do PIB. Independentemente do que os vários
pregadores de serviço vão fanaticamente (ou interessadamente, tanto faz)
debitando nos media, o facto é que ou
optamos por sair do euro, da Europa e do Mundo tal como ele hoje existe ou os
portugueses, isto é, os governantes, os empresários, os funcionários públicos e
demais cidadãos, terão de encarar o “pós-troika” como algo muito diferente das
décadas pré-troika. O futuro próximo, ou seja, o período a que alguns chamam “o
pós-troika” implicará novas atitudes, novas regras, novos modelos de atuação e,
provavelmente, novos protagonistas.
É claro que, se as próximas avaliações forem
positivas e o Orçamento para 2014, de uma forma ou de outra, puder ser aplicado
durante o próximo ano, Portugal vai provavelmente poder beneficiar de um apoio
significativo dos parceiros durante muito tempo. E esse apoio será a garantia
necessária para que os nossos credores não oficiais se disponibilizem para
investir em títulos de dívida da República exigindo yelds em linha com os juros
que podemos pagar. Porém, se por esta razão o apoio europeu é essencial, o
facto é que o esforço principal vai ter de ser levado a cabo por todos nós e
implicará os nossos principais agentes políticos e institucionais.
Mas para ter o direito de enfrentar estes desafios
do pós-2014 temos de chegar, com sucesso, a meados do ano que vamos iniciar com
objetivos orçamentais cumpridos e a economia a funcionar. E não é líquido que
lá cheguemos sem sobressaltos. Os obstáculos que temos pela frente no futuro
imediato são de uma magnitude tal que o desafio não é apenas do Governo, mas igualmente
da esquerda responsável, do sistema financeiro e respectivos supervisores e
ainda do Tribunal Constitucional. E, sobretudo, não é o final do ajustamento
nem a travessia para a prosperidade sem sobressaltos. É um primeiro passo para
um longo período que esperamos seja bem melhor conduzido que o que antecedeu a
primeira fase do ajustamento, fase essa que nos preparamos agora para tentar
terminar.
Título e Texto: António Nogueira Leite *, Exame, janeiro 2014
* Administrador da EDP Renováveis e professor catedrático da Universidade Nova de Lisboa desde 1995. Foi presidente da Bolsa de Lisboa, secretário de Estado do Tesouro e Finanças, vice-presidente da CGD e administrador do Grupo Mello.
* Administrador da EDP Renováveis e professor catedrático da Universidade Nova de Lisboa desde 1995. Foi presidente da Bolsa de Lisboa, secretário de Estado do Tesouro e Finanças, vice-presidente da CGD e administrador do Grupo Mello.
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