Perigo de queda. António Costa espera que
Seguro caia; José Sócrates espera que António Costa se decida caso Seguro caia.
Rui Rio espera que Passos caia.
Marcelo Rebelo de Sousa espera que Passos caia para saber se Rio avança e se ele próprio avança também. Moral da História: quem vive à espera das quedas alheias pode, de tanto olhar para cima tornar-se um bom ornitólogo mas nunca conseguirá ver a oportunidade política que está à sua frente.
Os amigos. Em tempos que já lá
vão, existiu em Portugal um grupo vocal do mesmo nome cujas canções faziam
rimar mão com pão e explicavam às criancinhas a amizade que os operários lhes
votavam. O resultado foi alguma discografia péssima mas perfeitamente actual.
Basta substituirmos os operários e os lenhadores da canção pelos protagonistas
da presente situação e constataremos que os amigos estão aí para as ocasiões. É
apenas necessário saber aproveitá-las como soube Passos Coelho em 2013. O PM
contou em 2013 com a forte amizade de Paulo Portas, Arménio Carlos e do
Tribunal Constitucional. Portas proporcionou-lhe o pano de fundo de uma crise
para aparecer como um imperturbável homem de Estado.
Quanto a Arménio Carlos é
óbvio: de cada vez que o líder da CGTP aparece na televisão - e aparece muito -
Passos Coelho não ganha votos, mas passa a contar com o apoio tácito do
silêncio. Afinal face à violenta irrealidade que sobressai das palavras de
Arménio Carlos torna-se claro que nada deve ser pior que ficar nas mãos da
turba ululante que vive de ser sindicalista profissional.
Além do mais a turba não
parece saber negociar com os credores e o povo pode ser "povinho",
mas de contas sabe bem mais do que se pensa. Por fim o Tribunal Constitucional
deu a Passos o argumentário perfeito: se as coisas correm mal, correm mal por
causa do TC. E se correrem bem, correm bem apesar do TC. Mais cedo ou mais
tarde, o actual estatuto do TC será alterado, pois a transformação do TC numa
espécie de parlamento não eleito, mas com poderes de veto, levará a que os
futuros governos façam ao TC aquilo que noutros tempos os políticos fizeram aos
militares: garantiram-lhes a fanfarra e as medalhas e arrumaram-nos no seu
espaço.
O amigo secreto. Isolado entre
os jornalistas e ainda mais isolado entre os socialistas visíveis, o maior e
talvez único amigo de António José Seguro é Cavaco Silva. Cavaco é no plano social
genuinamente social-democrata e toda a sua vida foi funcionário público (ou,
numa designação mais próxima do seu imaginário, servidor do Estado). Não
andasse a actual liderança do PS obcecada com a gerontocracia que se reuniu na
Ala Magna - desde as reuniões do desaparecido Politburo da também desaparecida
URSS que não se via uma similar aglomeração de anciãos furiosos com o mundo e
com o povo - e Seguro teria feito do PR um seu aliado na luta contra o Governo.
Ainda vai a tempo.
A Fénix Renascida. Este livro
de conteúdo literário um pouco entediante ganhou uma animada vida política em
2013 quando o seu título se tornou uma profecia confirmada na figura de Paulo
Portas. Afinal, qual fénix renascida, este conseguiu transformar uma decisão
irrevogável não só numa decisão revogável como também numa reviravolta
aceitável. Se em vez de político Portas fosse personagem de um livro, mesmo que
ele se intitulasse Fénix Renascida, Obras Poéticas dos Melhores Engenhos
Portugueses, não se acreditava que tal fosse credível. E não é.
Derrota política
auto-inflingida: José Sócrates. O ex-primeiro-ministro ensaiou em 2013 um
regresso à cena política que lhe correu mal. E correu mal porque Sócrates não
só não tinha experiência de oposição - tornou-se secretário-geral do PS no fim
de Setembro de 2004 e em Fevereiro de 2005 já era primeiro-ministro - como não
tem perfil para tal. Na televisão tornou-se um comentador de si mesmo e nas
sucessivas declarações centra o seu discurso no ajustamento de contas com o
passado. Para o seu ego talvez chegue, mas para prosseguir na política é
manifestamente pouco. Além disso as suas palavras têm o sabor de alguém que
quer vingança e desforra, coisas que qualquer povo sensato sabe que saem caras.
Ao povo, claro.
"Ah, poder ser tu, sendo eu!
Ter a tua alegre inconsciência, E a consciência disso!" Os versos de
Pessoa, além do seu valor poético, retratam uma crescente idiossincrasia
nacional que na minha prosa rude resumo mais ou menos assim: o Eu adora fazer
de conta que é o Outro voltando logo ao majestático estatuto de Eu mal se sente
criticado. Assim, os professores portam-se pior que os seus piores alunos, mas
ao que parece fazem-no para defender o seu estatuto de professores. Os
empresários querem ter o Estado como sócio em comandita e o Estado sonha ser
empresário.
Naturalmente, os
contribuintes, a quem está proibido o desdobramento de personalidade, pagam os
resultados deste drama pessoano. Artistas vários, que alegadamente cantam ou
dançam, em vez de cantar, dançar e representar optam por umas performances de
‘strippers' e ‘show porno' (os jornalistas chamam a isso "ousadia" e
"arrojo"), enquanto os participantes profissionais nestas actividades
do despe e veste lutam com sucesso, pelo menos do ponto de vista fiscal, para
que as mesmas sejam consideradas actividades culturais.
Deus nos livre dos prosélitos:
rezemos para que o Papa, na linha da muito tradicional doutrina social da
Igreja, não venha mais uma vez condenar o capitalismo por este não acabar com o
fosso entre ricos e pobres pois, dado o entusiasmo que vai na pátria com as
teorias económicas de Sua Santidade, os lídimos descendentes de Afonso Costa,
da Formiga Branca e da Legião Vermelha, com a energia fraterna que os anima,
ainda nos obrigam a todos à missa e comunhão diárias. Na minha enormíssima
ignorância ideológica e teológica parece-me que sendo verdade que o capitalismo
não acaba com a pobreza, também não é mentira que as outras doutrinas ainda
resolvem menos esse problema.
Ou resolvem-no, mas de forma
bem pouco cristã, porque à excepção dos dirigentes que nesses regimes estão
para a riqueza como no catolicismo os anjos para o sexo - têm-no, mas não se
sabe qual, nem onde, nem como - as outras doutrinas só geram pobres. Assim
chegamos a 2014 entre dois Purgatórios no que ao Papa Francisco respeita: ou se
instala uma desilusão entre os recém-convertidos e aí redobra-se-lhes o velho
anti-clericalismo ou entram em transe místico, sendo nesse caso de recear que
os mais cépticos, com a infalibilidade papal, acabem passeados em auto de fé.
Apenas mediático, por enquanto.
Título e Texto: Helena
Matos – Ensaísta, Autora de várias
obras, entre as quais "Salazar", em dois volumes. Começou por ser
professora do ensino secundário. Foi jornalista, recentemente fez consultoria
histórica das séries "Conta-me Como Foi" e "Depois do
Adeus" na RTP. Jornal de Negócios, 30-12-2103
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