Os polícias querem ter as regalias inerentes à sua condição de agentes
de segurança. Regalias essas que passam por sete suplementos remuneratórios -
suplemento de Patrulha, de Turno e Piquete, de Comando e Residência a que se
juntam o intrigante suplemento Especial de Serviço e o ainda mais intrigante
suplemento por Serviço nas Forças de Segurança.
E escrevo intrigante pois não
se percebe, ou pelo menos eu não percebo, como pode um agente de segurança
receber um suplemento por estar de serviço e outro ainda por estar de serviço
nas forças de segurança. Terão os agentes de segurança ido ao engano quando se
candidataram ao lugar e agora têm de ser compensados por isso? E uma vez nas
forças de segurança não era suposto estarem ao serviço?
Mas a excepcionalidade termina
assim que se deixa de falar de estatuto e remunerações pois como quaisquer
outros trabalhadores os agentes de segurança usufruem do direito a
organizarem-se em sindicatos e e muito particularmente a manifestarem-se em
moldes que os aproximam mais das claques de futebol do que do mundo do
trabalho.
Na mesma linha a Associação
Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) exige que o Estatuto dos Magistrados
Judiciais seja revisto no sentido de o separar de qualquer remissão para o
regime da Função Pública. Segundo li neste mesmo jornal a ASJP quer abolir os
tectos máximos aos salários e a indexação ao vencimento do Presidente da
República. Em resumo propõe que a Constituição blinde o estatuto remuneratório
dos juízes.
Naturalmente essa
excepcionalidade não se aplica a outros direitos, como o direito à greve, dos
quais os juízes não prescindem. Já os militares fazem manifestações como
qualquer civil mas indignam-se de cada vez que a excepcionalidade do seu
estatuto é no seu entender beliscada.
Estes são alguns exemplos
daquilo que em Portugal tem sido o mais eficaz modo de vida para as diversas
corporações: conseguir que o Estado lhes garanta a excepcionalidade nas
regalias e o regime geral no momento das reivindicações. Quando esta
duplicidade chega às forças de segurança, aos magistrados ou aos militares
vê-se o perigoso paradoxo a que esta duplicidade nos conduziu. Os grupos que
pela natureza das suas funções deviam ter regimes excepcionais tornaram-se numa
casta pretoriana que o povo não respeita e que o poder político teme e que por
isso mesmo desautorizará assim que tiver oportunidade.(Ou será que já ninguém
se lembra da marinha reduzida ao zero naval e das razões que levaram a GNR a passar
de corpo de élite a vigilante de caminhos rurais?)
Mas os polícias de cara tapada
simulando uma tentativa de invasão do parlamento versus polícias a fazer de
conta que contêm os colegas são também um símbolo da nossa incapacidade para
resistir à retórica igualitarista. Há décadas que basta alguém pronunciar as
palavras igualdade e discriminação para que imediatamente aquilo que defende
por mais disparatado, injusto ou desadequado que seja se transforme numa
fatalidade cujas consequências depois se verão. E assim temos pessoas que não
se casam porque não querem mas que depois enquanto trabalhadores, inquilinos ou
pensionistas reivindicam direitos iguais àqueles que casaram. Funcionários
públicos que querem ser iguais aos trabalhadores do sector privado na hora de
negociar salários mas não no momento de se discutir a idade e o cálculo da
reforma, os dias de férias ou número de horas de trabalho... Exemplos não
faltam. Mas afinal como podiam eles faltar num país em que a cada Inverno com a
regularidade de quem cumpre um ritual vemos surgir o grupo dos indignados com o
mar?
Dos dez milhões de portugueses
que somos devem contar-se pelos dedos de uma mão aqueles que não gostariam de
ter uma casa junto ao mar. Alguns conseguem-na. E entre esses há os que frequentemente,
graças a interpretações assaz excepcionais dos PDM, POOC e demais legislação
conseguiram a casa, restaurante, espaço... dos seus sonhos não só ao pé do mar
mas mesmo em cima das dunas e das falésias. Nas maravilhosas noites de Verão em
que o mar lhes torna infinita a sala de jantar essas casas são naturalmente
deles e apenas deles. Mas quando chega o Inverno todos nós nos tornamos
proprietários das ditas casas e restaurantes pois somos chamados a pagar obras
que "impeçam o avanço do mar", expressão que é mais ou menos sinónima
de obras de milhões de euros que obviamente outras marés destruirão.
E contudo, por mais absurdo
que tudo isto possa parecer estou em crer que esta é a mais poderosa ideia
existente em Portugal: uma casa na duna durante o Verão mas isolada do mar no
Inverno. Ou por outras palavras um regime especial para os privilégios e outro,
geral, para os deveres.
Título e Texto: Helena Matos, Diário Económico, 11-03-2014
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