Luciano Henriques
O “empresário tucano” Ricardo
Semler se tornou um ícone dos petistas nos últimos dias após ter escrito o
texto Nunca se roubou tão pouco, publicado na Folha. Um dia
depois este blog publicou a refutação Nunca se mentiu tanto para esconder a corrupção petista,
onde todas as alegações dele foram reduzidas a pó.
Por que foi tão fácil esmagar
o texto de Semler? Por que é como eu digo: guias de falácias são para serem
estudados, não apenas folheados.
Uma das dicas para o ceticismo
político é começar pelo domínio dos guias de falácias disponíveis por aí.
Na Internet existem vários, como o guia do Stephen
Downes. Para além da Internet, Critical Thinking, de Walter
Carnielli, é uma ótima aquisição, tanto como How to win every argument,
de Madsen Pirie.
Lembre-se, é claro, de que
vencer a argumentação não é suficiente na guerra política, mas te ajuda a achar
os embustes com maior facilidade.
Seja lá como for, dava para
notar algo de muito suspeito na atitude de Semler.
O texto 500 anos de corrupção, de Demétrio Magnoli, inclui um
trecho muitíssimo interessante:
“Dilma agora lidera a todos
nós”, anuncia o empresário dos dedos sujos de lama –que, casualmente, tem como
maior cliente a estatal Correios. A narrativa do Ano Zero descortina
possibilidades ilimitadas. Dilma “não sabia de nada”? Esqueça. Nos 12 anos em
que dirigiu a Petrobras diretamente (como presidente do Conselho de
Administração) ou indiretamente (como ministra e presidente da República), os
partidos da “base aliada” privatizaram a estatal, desviando dezenas de bilhões
de reais. Não é que a Líder dos Imundos “não sabia”. Sabia – mas, sábia, deixou
a operação se alastrar para, no Ano Zero, pegar todos os bandidos juntos. Ah,
bom!
Para, para, para… como diria
João Kleber.
Relembremos o que Semler
disse:
“Há dezenas de outras
estatais com esqueletos parecidos no armário. É raro ganhar uma
concessão ou construir uma estrada sem os tentáculos sórdidos
das empresas bandidas.” (grifos meus)
Fui checar a informação de
Magnoli e ela é completamente válida. Sim, o maior cliente de Semler são os
Correios. Foi ele mesmo que falou ser raro “ganhar uma concessão ou
construir uma estrada sem os tentáculos sórdidos das empresas bandidas”.
Como eu disse no texto
anterior, já é o suficiente para levar o empresário a uma CPI, pois ele
tem muitas alegações a serem comprovadas.
Mas a coisa fica ainda pior,
pois o site Implicante trouxe uma outra informação complicando Semler ainda
mais.
Para começar, o articulista
Gravataí Merengue lembra um trecho do artigo da figura:
“Nossa empresa deixou de
vender equipamentos para a Petrobras nos anos 70.Era impossível vender
diretamente sem propina. Tentamos de novo nos anos 80, 90 e até recentemente.
Em 40 anos de persistentes tentativas, nada feito. Não há no mundo dos negócios
quem não saiba disso. Nem qualquer um dos 86 mil honrados funcionários que
nada ganham com a bandalheira da cúpula.” (grifos do blog
Implicante)
Voltando ao texto do blog
Implicante, veja uma informação digna de derrubar muitos da cadeira:
Se agora – segundo o
articulista – rouba-se MENOS, como era na época em que seu sócio na Semco
Partners, Philippe Reischstul, foi presidente da empresa (notem que ele acusa a
CÚPULA)? Como foram aqueles dois anos? Pois é… Considerando ainda a ideia
defendida pelo texto (agora roubariam menos), o que afinal de contas levou
Semler a associar-se a um ex-presidente da Petrobras justamente na época em
que, segundo ele próprio, as coisas não eram tão “boas” quanto agora?
São perguntas que podem
parecer irônicas, mas na verdade são muito sérias. E devem ser feitas pela CPI.
Nada mais justo, honesto e correto que chamar o próprio Semler, que diz saber
desses casos. Além dele, claro, seu sócio que presidiu a empresa por dois anos,
naquele período que (novamente, segundo o articulista) as coisas eram piores.
Cabe à oposição o DEVER de
convocar Ricardo Semler e seu sócio. Não é admissível passar panos quentes
sobre essas declarações. São verdadeiras? Não são? Pois DEVEM ser investigadas,
pois são acima de tudo muito graves. E se a oposição NÃO convocá-los nem citar
os fatos narrados no artigo, acaba caindo naquele comportamento da base
governista que tanto condenamos.
Alguém discorda?
Como eu não sou petista, que
adora esconder os crimes de seus políticos, entendo também que é hora de Semler
começar a ter que provar tudo que afirmou.
Pessoal, vocês já têm base
para pressionar o PSDB para exigir que Semler (assim como seu sócio) tenham que
se explicar no Congresso. E mais: investiguem o contrato da empresa dele com os
Correios.
***
Em tempo, vou falar de um
assunto relacionado.
Muita gente que fala de
falácia não sabe efetivamente o que isso significa.
Você nota a ignorância no
assunto quando alguém ouve um xingamento a uma outra parte e diz: “Isso é ad hominem”. Chega a dar pena. Isso no
caso de falarmos de pessoas bem-intencionadas.
A falácia ad hominem só existe caso o xingamento seja parte do ARGUMENTO e
se, e somente se, é utilizada como forma de invalidar o que a outra parte disse
ou fez.
Um exemplo: “O relatório de X
é inválido por que ele lê Nietzsche”.
Aliás, até em alguns casos o ad hominem pode ser válido. Exemplo:
“Auditores devem ser independentes. X não é independente neste projeto. Logo, X
não pode executar a função de auditoria neste projeto”.
Chamamos de ad hominem circunstancial.
Exemplo do que não é um ad hominem: “[identificação válida de
fraude em um argumento 1]+[identificação válida de fraude em um argumento
2]+[identificação válida de fraude em um argumento 3]+[realmente, estamos
diante de um embusteiro]“.
Note que eu posso ter
identificado de forma argumentativamente legítima três embustes no argumento do
outro, deixado a premissa implícita (quem comete tantas fraudes é embusteiro),
e depois concluir “ele é um embusteiro”.
Isso não é um ad hominem, pois não está sendo usado para
refutar os argumentos. Na verdade, eu posso até suspeitar que alguém é um
embusteiro, enquanto faço minhas investigações argumentativas (ou seja, o que
defino ceticismo político, pelo foco em achar as fraudes que beneficiam alguém
política, ao invés de qualquer tipo de erro lógico).
Pois bem. Um sujeitinho disse
que meu texto anterior sobre o Ricardo Semler continha a falácia ad hominem. Das duas uma: (1) ou é um
ignorante sobre falácias, (2) ou é safado. E esta não é uma conclusão
falaciosa.
Haja saco, viu…
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