André Azevedo Alves
25 anos depois da
queda do Muro de Berlim e da libertação
da Europa de Leste do totalitarismo comunista, o marxismo puro e duro subsiste
e prospera no sistema educacional e universitário.
Por ocasião da comemoração dos
25 anos da queda do Muro de Berlim, que marcou o início do fim do totalitarismo
comunista que oprimia boa parte da Europa, no jornal Avante!, do PCP, foi
publicado um editorial que merece ser lido e relido com atenção.
Aí, as celebrações relativas à queda do Muro de Berlim são descritas nos
seguintes termos:
“Mais do que a «queda do muro
de Berlim» o que as forças da reacção e da social-democracia celebram é o fim
da República Democrática Alemã (RDA), é a anexação (a que chamam de
«unificação») da RDA pela República Federal Alemã (RFA) com a formação de uma
«grande Alemanha» imperialista, é a derrota do socialismo no primeiro Estado
alemão antifascista e demais países do Leste da Europa e, posteriormente, a
derrota do socialismo na URSS.”
Coerentemente, na linha
comunista de defesa do bloco soviético, a República Democrática Alemã (RDA) e
as suas realizações são elogiadas de forma entusiástica e inequívoca, ao mesmo
tempo que se lamenta o triunfo do “imperialismo”:
“Hostilizada e caluniada pela
reacção internacional, a RDA, pelas suas notáveis realizações nos planos
económico, social e cultural e pela sua política antifascista e de paz,
impôs-se e fez-se respeitar no concerto das nações como Estado independente e soberano
e tornando-se depois de anos de duro combate membro de pleno direito da ONU
(1973) em simultâneo com a RFA. Mas o imperialismo nunca desistiu das suas
tentativas de liquidar a RDA socialista acabando em 1989 por alcançar a
vitória, conseguindo que manifestações, nomeadamente em Leipzig, que na sua
essência reclamavam o aperfeiçoamento do socialismo e não a sua destruição,
ganhassem a dinâmica contra-revolucionária que conduziu à precipitação dos
acontecimentos e à anexação forçada da RDA pelo governo de Helmut Kohl.”
Curiosamente (ou talvez não),
este notável editorial do jornal do PCP mereceu muito pouco destaque na
comunicação social portuguesa. Qual seria a reacção nessas mesmas redacções se
o órgão oficial de um qualquer partido português com representação parlamentar
achasse por bem lamentar o colapso do hediondo regime da Alemanha Nazi no final
da Segunda Guerra Mundial e louvar as “notáveis realizações nos planos
económico, social e cultural” do regime Nacional-Socialista de Hitler? Face à
enormidade de um tal disparate, não é difícil prever que as (perfeitamente
justificadas) ondas de choque e indignação seriam imediatas e avassaladoras, o
que só por si nos diz bastante sobre o padrão geral do jornalismo político em
Portugal.
Conforme muito bem salientou João Carlos Espada, o editorial do jornal do PCP “pode ser
útil para recordar que as ditaduras comunistas de Leste se reclamavam também
elas da democracia, a chamada democracia popular” e que durante o PREC “os
comunistas procuraram impedir a consolidação de uma democracia de tipo
ocidental — e que se opuseram a ela em nome de uma democracia socialista, ou
popular”.
Mas além dessas – pertinentes
– observações, creio que a ausência de uma vaga de indignação e condenação
generalizada evidencia um problema mais grave no país, cujas raízes são mais
profundas do que a forte influência da extrema-esquerda nas redacções dos orgãos
de comunicação social portugueses. Esse problema é bem resumido por Ramiro
Marques quando alerta: “Aqueles que vaticinaram que a queda do Muro de
Berlim marcou o fim da ideologia comunista ignoraram os escritos de António
Gramsci e falaram cedo de mais.”
De facto, não obstante a queda
do Muro de Berlim, as escolas e – ainda mais – as Universidades continuam em
Portugal a ser, não raras vezes, bastiões da extrema-esquerda. Creio
aliás que não é possível compreender o sucesso da “perversa aliança entre governantes
e grupos de interesse que, como no “neomercantilismo” de hoje, se revê no
centralismo e no excesso de regulamentação”, bem denunciada por José Manuel Moreira, sem acrescentar a sustentação
intelectual de que goza. De facto, não faltam no sistema universitário
português aspirantes a planeadores soviéticos que conjugam habilmente as velhas
crenças revolucionárias com uma pragmática capacidade para actividades rentistas
à custa do Orçamento de Estado e dos fundos europeus.
É aliás interessante constatar
que, 25 anos depois da queda do Muro de Berlim e da libertação da Europa de
Leste do totalitarismo comunista, o marxismo puro e duro subsiste e prospera no
sistema educacional e universitário, onde abundam os aspirantes a planeadores,
em especial na área das ciências sociais. É certo que não raras vezes se trata
de um marxismo mais duro do que puro – já que as graves lacunas teóricas em
alguns departamentos de ciências sociais e políticas por esse país fora não dão
para mais – mas ainda assim é uma realidade que deveria merecer maior reflexão,
dentro e (especialmente) fora das Universidades.
Título e Texto: André Azevedo
Alves, Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade
Católica Portuguesa, Observador,
22-11-2014
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