sexta-feira, 21 de novembro de 2014

O demônio à espreita pelas demandas irrealizáveis


Luciano Henrique
O Sr. Marcello Reis, um dos principais responsáveis pela comunidade de Facebook Revoltados On-line, e organizador de uma das três frentes de manifestações que resultaram em movimentos nos dias 1 e 15 de novembro, frente ao MASP, é bastante claro em suas demandas. Elas são duas:

·         Impeachment de Dilma
·         Anulação das Eleições

A lógica é clara. Se as demandas são duas não são três. Se são apenas duas, outras demandas estão excluídas. Essa é uma conclusão óbvia. Sendo apenas duas demandas, significa que tanto esforços como as expectativas deste “exército” então direcionados a dois focos.
Até aqui tudo bem, certo? Nem tanto, pois o diabo mora nos detalhes. Ambas as demandas de Marcello são irrealizáveis a curto prazo.

Para existir um impeachment são necessárias provas contundentes de corrupção, por exemplo. Não apenas interpretações forçadas para levar a uma conclusão pré-estabelecida. É preciso realmente de provas. Um exemplo seriam transações em contas correntes no exterior atrelando recebimento de propinas diretamente a Dilma. Caso surja uma evidência deste tipo, o tema do impeachment volta à tona. Outra questão pode ser a comprovação definitiva de que o dinheiro da corrupção foi usado na campanha de Dilma. Ainda falta algo para chegarmos a esse momento.

Para ocorrer anulação das eleições, seriam necessárias evidências incontestáveis de fraude. Por exemplo, o caso da tal urna eletrônica que deu 400 votos para Dilma tem total cara de“hoax”. E que eleições seriam anuladas? Todas elas? Incluindo aquelas para governos de estados onde o PT sofreu várias derrotas acachapantes? Ou as eleições para deputados, onde o PT simplesmente perdeu 18 cadeiras e ainda viu crescer amplamente uma base de oposição? Portanto, devagar com o andor que o santo é de barro.

Já demandas interessantes poderiam incluir um pedido por maior agilidade nas investigações do Petrolão, pois as delações não podem durar uma eternidade. Queremos prioridade nessas investigações! Também poderíamos exigir um processo mais transparente de votação, com a impressão de recibos a serem depositados em uma urna, para os próximos pleitos. Isso ajudaria a retirar as dúvidas remanescentes e seria a requisição de um direito do eleitor. Isso já poderia ser encampado no início de 2015, com vistas à eleição de 2016 já. A luta, neste caso, seria pelo direito do eleitor ter um recibo de seu voto, a ser depositado em urna.

Mas temos outras demandas importantes, por exemplo:

· Embargo à Venezuela, depois dos crimes de violação de nossa soberania, e encerramento de qualquer acordo comercial com eles
· Retorno imediato de Rachel Sheherazade ao SBT (e o mesmo vale para Paulo Roberto Martins, mais uma vez impedido de falar)

· Desmascaramento público das intenções por trás do Plebiscito Constituinte
· Agilidade nas investigações do Petrolão

· Estabelecimento de um limite para indicações de juízes no STF para o partido no poder, de forma a evitar aparelhamento
· Transparência no uso de verbas públicas para anúncios, em especial para blogs políticos de apoio ao governo

·  Derrubada definitiva do decreto de conselhos não-eleitos
· E daí por diante.

Todas essas demandas tem vantagens poderosas em relação às demandas de impeachment e anulação de eleições, pois:
1.  São facilmente defensáveis
2.  Não podem ser facilmente atacadas pelos governistas
3. Podem se transformar em “caso” político com o Congresso atual (e ainda mais com o Congresso futuro)
4.  Se ocorrer esforço suficiente, podem ser realizáveis
5.  Prejudicariam seriamente o governo petista caso fossem aceitas

Daí alguém diria: “Ah, mas impeachment prejudicaria mais o governo do que todas essas demandas”. Sim, mas não é facilmente defensável e, ao menos atualmente, dificilmente realizável.

Qualquer organizador de movimentos deve saber de uma coisa importantíssima: aos poucos, as demandas irrealizáveis desanimam o movimento, pois o ser humano investe esforços naquilo que gera resultados.

E então o diabo, que mora nos detalhes, pode se exibir com toda sua majestade: ao pedir demandas irrealizáveis (e vulneráveis aos ataques governistas), pode ser criada uma legião de pessoas cada vez mais desesperadas. Essas pessoas não irão questionar as demandas escolhidas, para dizer que suas demandas não foram atendidas por causa de um “estado falido”.

E aí vem o questionamento mais incômodo de todos: não seria a priorização por demandas irrealizáveis uma forma de se buscar validação moral para pedidos por intervenção militar? Pode até ser que Marcello não tenha tido esta intenção, mas muitas outras pessoas podem querer exatamente isso.

Vamos imaginar que o Sr. Marcello Reis seja dotado de boas intenções. Mesmo assim é possível que exista uma influência radical nesses grupos. De mais a mais, dos grupos de manifestantes qual é aquele que se recusa a afirmar “sou contra a intervenção militar” e, ao invés disso, diz apenas “não apoio intervenção militar”. Ora, se alguém decide estuprar sua esposa você seria contra este ato ou apenas alguém que “não é a favor” deste estupro? É claro que a expressão “não sou a favor” é inconvincente para este momento. Me parece no mínimo uma concessão aos radicais.

O que proponho aqui é que devemos apoiar as manifestações, mas que passemos a questionar se as demandas são realizáveis ou não, em curto prazo, e até os motivos para priorização de demandas. Pessoas organizando manifestações devem estar abertas a este tipo de questionamento, assim como à cobrança por resultados.

Preste atenção especial aos grupos priorizando demandas irrealizáveis. É daí que pode surgir uma radicalização que cairia como uma luva para os petistas. Seja essa uma intenção dos organizadores ou não. 
Título, Imagem e Texto: Luciano Henrique, Ceticismo Político, 21-11-2014

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