Jacinto Flecha
Em uma antiga propaganda de
relógios, uma pergunta aparecia abaixo da foto de um menino ouvindo com atenção
e curiosidade o tic-tac de um relógio: What makes it tick? (em tradução livre:
O que é que faz esse tic-tac dele?). Não vou tratar de relógios antigos nesta
época em que quase desapareceu o tic-tac, e competições acirradas são decididas
por milésimos de segundo. Revelarei apenas algumas elucubrações sobre uma
pergunta similar: O que é que faz o mundo girar?
Para tranquilidade da maioria
dos leitores, não são objeto desta crônica a engenharia espacial, a astrofísica
e outras ciências, que admiro mas procuro manter tão distantes quanto possível.
Quero apenas indicar, mais do que desenvolver, certas forças psicológicas que
influenciam a vida humana. O assunto é vasto, mas aqui eu o limito a um aspecto
pequeno, embora importante. O fato é que progressos reais da humanidade podem
resultar de alguns vícios ou comportamentos censuráveis. Direi algo sobre isso,
avaliando a influência da vaidade humana.
Minha atenção, ao tratar deste
assunto, não está voltada para os aspectos morais, mesmo sabendo-os muito
importantes. Os moralistas condenam vícios como a vaidade e elogiam as virtudes
opostas, como o refinamento e a elegância. O precário equilíbrio entre as
virtudes e os vícios opostos resulta em verdadeiro progresso. Estilistas da
moda, por exemplo, mesmo não tendo a intenção de incentivar a vaidade feminina,
conseguem resultados esplêndidos com a simples combinação de cores. Isso é bom,
é belo e gera progresso. Mas a moda atual leva à decadência até quando mistura
cores.
Na História há inúmeros
exemplos de vaidades que geraram progressos para a sociedade. Luís XIV gostava
de ser chamado Rei-sol, indicando não pequeno grau de vaidade. Mas isso
contribuiu para ele desenvolver distinção, elegância e bom gosto que ainda hoje
influenciam o comportamento humano. Maravilhas que hoje os turistas admiram no
palácio de Versalhes foram realizadas por jardineiros, arquitetos, pintores,
artistas e artífices diversos, mas a inspiração e orientação foram dele. Fez
isso por pura vaidade? Duvido que o mais canhestro crítico desse monarca chegue
até lá.
Uma pequena marca da sua
genialidade foram os sapatos de salto alto, tão úteis hoje para a elegância
feminina. Para realçar seu aspecto majestático, prejudicado por sua baixa
estatura (1,63m), surgiu a ideia de acrescentar a ela alguns centímetros, e o
conseguiram aumentando a altura do salto dos sapatos. Alguém poderia perguntar
se não seria melhor e mais barato encomendar um par de tamancos na Holanda; mas
você imagina o Rei-sol usando tamancos?! Quem se arriscaria a sugerir tal
decadência a um rei tão empenhado no progresso? As mulheres devem entoar loas
ao Rei-sol, de cuja inspiração resultou esse artifício que tanto lhes agrada.
A rainha Maria Antonieta
consumiu rios de dinheiro com roupas e joias. Foi caluniada de modo implacável
pelos revolucionários, embora fosse dela o direito de usar assim todo esse
dinheiro que lhe pertencia. Ao ser introduzida aos 15 anos na corte francesa,
uma preceptora despertou sua atenção para o grande papel que poderia exercer em
todo o reino por meio da moda. Realçou a perspectiva, comentando que cada novo
modelo de chapéu, cada novo tipo de renda, geraria meios de vida e condições de
trabalho para milhares de artesãos. Muitos que se dedicavam à tecelagem e à
costura progrediram, criando tecidos e trabalhos maravilhosos voltados para
essa “vaidade” da rainha e das inúmeras damas que a emulavam. Pode-se afirmar
com segurança que o bom gosto, a elegância e vários tipos de artesanato
regrediram ou pararam de progredir quando ela foi caluniada, perseguida e
guilhotinada.
Havia só vaidade culpável no
comportamento dela? Seria uma afirmação muito tacanha, não lhe parece?
O comportamento social de
outro personagem, que se impôs nos anos seguintes ao martírio de Luís XVI e
Maria Antonieta, deprimiu os bons modos antigos do casal real e dos nobres.
Obras de ficção histórica de Conan Doyle descrevem a vulgaridade e grosseria de
Napoleão em salões onde antes reinavam distinção e elegância. Tentava
comandá-los em ritmo autoritário de caserna e de desfile militar.
Historiadores adeptos da
Revolução Francesa elogiam o gesto dele quando seria coroado imperador na
catedral de Notre Dame. O cerimonial exigia, por tradição e por motivos
simbólicos, que a coroa lhe fosse colocada na cabeça pelo representante do
poder espiritual. No momento em que isso seria feito, ele tomou a coroa e “se
coroou”. Arrogância? Vaidade? Orgulho? Tudo isso e ainda outros vícios se podem
ver nesse e em incontáveis outros gestos desse déspota.
Com a ascensão dele ao comando
da França e de quase toda a Europa, subiu também toda a sua família, cujos
membros foram enfeitados com cargos e títulos em profusão. Durante um encontro
dos irmãos autopromovidos, um deles comentou: “Quem diria, hein! Ah, se papai
nos visse!”. Simples manifestação de vaidade? Não, esse comentário denota
muitas outras más tendências descontroladas.
Na grande feira mundial das
vaidades, ou vanity fair, líderes exponenciais como Luís XIV e Maria Antonieta
impulsionam o progresso verdadeiro, atraem para cima, para o que é bom e belo.
Para estimular decadências como a que o imperador corso praticou e inspirou,
não faltam hoje degenerados, artificialmente engrandecidos como reis do rock,
da arte moderna e de tantos outros desvarios. Também proliferam os seus
admiradores, e ambos se multiplicam num círculo literalmente vicioso. Enquanto
isso o mundo gira, numa competição desenfreada pelo maior grau de decadência.
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