Alexandre Homem Cristo
A participação do PS num bloco
central simbolizaria a aceitação de que os socialistas não constituem uma
alternativa política viável. E isso destruiria o PS. Costa nunca será o
carrasco do seu partido
Em entrevista ao Expresso, o
primeiro-ministro abriu a porta a um entendimento pós-eleitoral entre PSD e PS.
Mas, no mesmo dia, António Costa fechou-a: “ou nós ou eles”. Do seu lado, Cavaco Silva apela a que se evitem crispações que prejudiquem soluções
governativas pós-eleitorais.
Tal como o Cavaco Silva, quase
ninguém levou a recusa de António Costa a sério. Afinal, em ambiente de
pré-campanha eleitoral, é natural que o líder socialista repudie a ideia de um
bloco central – porque ambiciona uma maioria absoluta e porque aceitar essa
hipótese levaria a uma fuga de votos para os partidos à sua esquerda. E caso os
resultados eleitorais encaminhem nesse sentido, acredita-se que António Costa
será forçado a aceitar o tal bloco central. Nem que seja face à situação do
país, que pede responsabilidade e um governo estável. Nesse contexto, optar por
uma solução minoritária (algo que o Presidente da República já criticou) teria
inevitáveis custos políticos.
Mas consideremos a
possibilidade que ninguém considerou: e se António Costa estiver a falar a
sério e não existir qualquer fantasma de bloco central? Ou, visto de outra
forma, se a única hipótese para o PS formar um governo maioritário for um bloco
central com o PSD, há alguma razão para levar António Costa a preferir um
governo minoritário? A resposta é simples: sim, há. Pesados os prós e os
contras, um bloco central poderá ser mais prejudicial para o PS do que governar
sem maioria.
Há pequenas razões para ser
assim. As pessoas tendem a não gostar de blocos centrais – em Portugal, fala-se
depreciativamente de “centrão” – na medida em que diminui a escolha dos
eleitores e a alternância política. De resto, os blocos centrais só são
tolerados (e desejados) em tempos de crise, algo que, sem troika e com a
economia em recuperação, já não é tão evidente para os portugueses que seja
esse o nosso caso.
Mas há sobretudo uma razão
principal: a participação do PS num bloco central, governando com um partido
que defendeu as políticas de austeridade, simbolizaria a aceitação de que os
socialistas não constituem uma alternativa política viável. E isso destruiria o
PS. Num momento em que se exigem alternativas e se assiste a uma fragmentação
partidária à esquerda (Livre, Agir, PDR), um bloco central representaria o
fracasso do PS, logo quando as expectativas estão mais elevadas. António Costa
pode ser muita coisa, mas nunca será o carrasco do seu próprio partido.
Para quem pensar que este é um
mero cenário teórico, basta olhar para o que aconteceu na Grécia. Num contexto
da crise financeira e austeridade, a participação do PASOK (o PS grego) numa
coligação governamental com a Nova Democracia (o PSD grego) abriu caminho ao
Syriza e destruiu o partido – o PASOK passou de 44% dos votos (2009) para 13%
(2012) e, finalmente, para apenas 5% (2015).
Quem ainda achar que é só
teoria, veja o que está a suceder ao SPD (o PS alemão), que obteve em 2009
(23%) e 2013 (26%) os seus dois piores resultados eleitorais desde 1949. E que,
governando em coligação com o partido de Merkel, não se consegue afirmar e tem
caído ligeiramente nas sondagens (actualmente, para os 24%). Tudo enquanto a
CDU de Merkel está firme nos 41%.
Portugal não é a Grécia e
ainda menos é a Alemanha. Mas se a Eunice Goes tiver razão – e os blocos centrais forem
uma sentença de morte para os partidos – António Costa poderá confrontar-se com
um grande dilema: fazer parte de uma solução governativa maioritária pode pôr
em risco o seu partido. Ora, não se sabe se o líder socialista está a falar a
sério quando afirma “ou nós ou eles”. Mas, vistas as coisas deste ângulo, o
mais certo é que esteja.
Título e Texto: Alexandre Homem Cristo, Observador,
9-3-2015
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