Manuel Villaverde Cabral
É ensurdecedor o ruído de
fundo produzido há uma dezena de dias por toda a imprensa escrita, sonora e
audiovisual acerca das contribuições de Pedro Passos Coelho (PPC) à segurança
social, bastante antes de o cidadão ser primeiro-ministro e entretanto
prescritas. A falta de pagamento atempado, além de se dever em boa parte à
confusão que então reinava na legislação e nos serviços da Segurança Social,
como muitos cidadãos puderam testemunhar eles próprios, tinha de resto a sanção
automática da perda de tempo para a reforma, pois tanto quanto se consegue
perceber, no meio do labirinto burocrático português, não se trata de um
imposto mas sim de uma contribuição com retribuição específica no futuro.
O primeiro-ministro
penitenciou-se imediatamente e pagou a factura que lhe foi apresentada a seu
pedido. Com ironia, até podia ter alegado, a par do seu pedido de desculpa, que
o peso da bancarrota e do memorando com a «troika» herdados do governo do PS,
então sob a chefia férrea e pouco transparente de quem sabemos, pode ter
contribuído para PPC não regularizar a situação logo que ascendeu a
primeiro-ministro e recebeu o encargo de tirar o país do atoleiro despesista
dos governos socialistas.
Seja como for, trata-se de
mais uma tentativa de «assassínio de carácter» contra o primeiro-ministro,
desencadeada pelas mesmas centrais de contra-informação do costume, vindas em
boa parte da anterior situação e agora acompanhadas pela cansativa falange de
ressentidos do PSD, sem mais atributos do que o acesso ilimitado à comunicação
social, especialmente a do Grupo Impresa, por razões fáceis de adivinhar, mas
não só. A opinião pública já está habituada à propaganda em vez da política
desde o tempo de Sócrates.
Destinada com toda a
probabilidade a falhar outra vez, esta nova campanha de intoxicação surge, como
por acaso, para compensar as sondagens desapontadoras do PS e, desde logo, a
«gaffe» cometida dias antes pelo líder da oposição, quando admitiu em discurso
público aquilo que o eleitorado já sabia pertinentemente, ou seja, que a
situação do país é bem menos má do que em 2011 e, por certo, bastante melhor,
felizmente, do que a oposição e a falange dos ressentidos têm apregoado desde o
primeiro ao último dia.
Este tipo de campanhas sem
real conteúdo político nem sequência de propostas concretas só pode, como é
evidente, prejudicar objectivamente a população portuguesa perante os credores
e a opinião pública internacionais. Se tal viesse apenas de grupos
politicamente inimputáveis como o PCP, o BE e os mini-Podemos que se preparam
para as próximas eleições, entendia-se e não tinha efeitos tão deletérios,
sobretudo se a comunicação social não promovesse os porta-vozes desses grupos
muito para além daquilo que representam no país.
Vindo, porém, a campanha de um
PS desgastado pelos anos de ruína económica e pelas lutas internas, este ruído
de fundo persistente só pode causar mais desgaste a todos os partidos.
Provavelmente, não acrescenta um voto que seja ao PS mas, ao mesmo tempo, a
campanha dá uma imagem deplorável do sistema político a um eleitorado cuja
tendência para a abstenção crítica é bem conhecida há décadas.
É difícil não pensar que é
isso que estas campanhas visam, não só a ala esquerda do parlamento, como
aparentemente também o próprio PS. É sabido, com efeito, que os partidos sem
responsabilidades de governo têm tudo a ganhar com elevadas taxas de abstenção
como aconteceu nas últimas eleições europeias, permitindo-lhes atingir
percentagens de voto que, obviamente, não possuem no conjunto da população e,
em especial, no eleitorado mais velho e porventura até no mais pobre.
Perante um clima partidário
agónico, como se as políticas consentidas à actual coligação e ao maior partido
da oposição pudessem ser muito diferentes, como se vê de resto na Grécia para
desespero dos eleitores levados ao engano pelo Syriza, é neste sentido muito
preciso que o PS se comporta como um partido politicamente irresponsável, sem
programa e sem querer sequer imaginar o que teria de fazer se, por azar das
abstenções, chegasse ao poder perante um parlamento sem maioria duradoura e uma
presidência da República sem poderes de dissolução durante um ano inteiro.
É uma situação dessas que
pretendem António Costa e as pessoas que parecem acompanhá-lo de mais perto?
Para o país? Para quem? Em pleno ruído, António Costa declara perentoriamente
que não fará governo com o PSD, como se isso não tivesse já acontecido em
Portugal e com vantagens. Quer então dizer que se aliará com os grupos à sua
esquerda no hemiciclo? Também não tem coragem de o afirmar, recusando assim ao
eleitorado o direito de conhecer as opções com que será confrontado depois das
eleições.
Espero que, ao fechar este
texto, o ruído tenha amainado e seja possível discutir, com um mínimo de
seriedade, as afirmações contidas na entrevista do primeiro-ministro que nem
António Costa nem qualquer comentador registaram até agora. Nos sete meses que
faltam para as legislativas, não sobra tempo para aquilo que interessa ao país,
desde a reforma constitucional e partidária até às reformas sociais e
económicas. É isso que os eleitores, para não desertarem em massa para a
abstenção, hão-de querer conhecer, sem tergiversações nem fraseado ideológico.
Título e Texto: Manuel
Villaverde Cabral, Observador,
9-3-2015
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