Lucy Pepper
O Quero-lá-Saber é a mistura
perfeita de falta de civismo e chico-espertismo. A única coisa que obtém é
fazer abrandar tudo, a começar pelo trânsito.
Noutro dia, no carro de uma
amiga, procurávamos um lugar num grande parque de estacionamento. O parque
estava impossivelmente cheio e nós tínhamos mesmo pressa de chegar a uma
reunião. Só havia um lugar vazio. Era daqueles que estão reservados para
mulheres grávidas e pais com bebés.
Estávamos mesmo com pressa.
Olhámos uma para a outra. Ela olhou para o lugar, abanou a cabeça e passou à
frente. Cinco minutos depois, lá descobrimos outro lugar e chegámos dez minutos
atrasadas à reunião (o que, para uma maníaca da pontualidade como eu, é
doloroso, mas voltarei ao tema mais à frente).
Não há nada que me descanse
mais do que saber que os meus amigos não são pessoas com tendência para quebrar
pequenas regras. Nada me embaraça tanto como quebrar uma pequena regra. É muito
mais provável que me encontrem a dançar na rua.
Mas a preocupação da minha
amiga surpreendeu-me. Muito. Porquê? Porque ela é portuguesa e, pelo menos
durante uns momentos, não praticou a arte marcial muito portuguesa do
Quero-lá-Saber. Segundo as regras do Quero-lá-Saber, ela deveria ter ocupado o
lugar reservado para as grávidas, com a desculpa de que estávamos com pressa e
era só um bocadinho.
O Quero-lá-Saber distingue-se
das outras artes marciais, que normalmente são reservadas para momentos de
grande perigo ou para filmes, porque é
utilizada todos os dias em Portugal, por toda a gente. O Quero-lá-Saber está na
falta horrível de pontualidade (“estamos a chegar, é só um minuto”…) ou na
tendência para estacionar o carro onde dá na gana. Inclui, quando estamos no
café, em frente do balcão, a tentativa de tentar passar à frente de quem tinha
chegado primeiro, porque o nosso café é sempre mais importante do que o dos
outros.
O Quero-lá-Saber é praticado
por quem não respeita o sistema de senhas nos CTT, porque não vai comprar nada,
é só para perguntar uma coisa. É uma arte aperfeiçoada pelo peão que vai a
correr com toda a pressa no passeio, mas chega à passadeira, e faz questão de
atravessar a rua, parando o trânsito, à velocidade de um caracol, só porque sim.
É o desplante da pessoa que espera na fila para comprar o bilhete de comboio,
rabugenta porque as pessoas à sua frente estão a ter grandes conversas com o
empregado, só para chegar a sua vez e ter uma conversa ainda maior.
Ilustração: Lucy Pepper |
O Quero-lá-Saber é a atitude
do condutor que numa fila de trânsito lento, não deixa nenhum outro carro
entrar na sua faixa. Para quê ajudar o trânsito a movimentar-se um bocado
melhor, quando, em vez disso, pode ganhar uma vantagem de 3 metros? Ou é ainda
a disposição desse outro condutor que na autoestrada se aproxima dos outros
carros na faixa da esquerda a 170 km à hora, a piscar os faróis para os obrigar
a voltar à faixa do meio, embora os outros estejam a ultrapassar todos os
carros que vão a 100 km à hora na faixa do meio. Ou do condutor que, na faixa
do meio, a fazer 100 km à hora, está determinado a ir sempre nessa faixa todo o
caminho até Lisboa. Isso é o Quero-lá-Saber.
Imagem: AFP/Getty Images |
Enfim, falemos então do tema
da pontualidade. Confesso: a pontualidade em mim é patológica. Se for convidada
para um almoço às 13h, tento sempre sair de casa de modo a estar perto do local
do almoço às 12h55, para chegar à porta mesmo às 13h. Quando por acaso me
atraso para qualquer coisa, fico literalmente agoniada. Já sei, é um exagero.
Vivo em Portugal há suficiente tempo para perceber que vou sempre ser a
primeira a chegar, e muitas vezes já me aconteceu ter de esperar 2, 3 ou 4
horas pelos outros convidados (ou médicos, dentistas, agentes imobiliários
etc., etc., etc.). Mas os que chegam atrasadíssimos? Pois, para eles é tudo uma
questão de Quero-lá-Saber.
A coisa mais estranha em tudo
isto é que quase toda a gente se queixa imenso de todos os outros que praticam
o Quero-lá-Saber, mas é capaz de passar a Querer-lá-Saber no momento seguinte.
O Quero-lá-Saber é a mistura perfeita de falta de civismo e chico-espertismo. A
única coisa que obtém é fazer abrandar tudo. Quebra sistemas, torna o trânsito
mais lento, torna menos simpáticas muitas das trocas que temos de fazer no
dia-a-dia, e irrita toda a gente. Toda a gente, e não só esta bifa rígida e
fria que não entende a razão por que a maioria dos seus amigos e colegas,
normalmente pessoas adoráveis, simpáticas e doces, são no entanto capazes de
levar mais de 15 coisas a uma caixa de supermercado só para “15 coisas ou
menos”, ou de estar sempre fabulosamente atrasados, ou de insistir em circular
na faixa do meio na autoestrada.
Quero-lá-Saber: a mais
estranha de todas as artes marciais.
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