Helena Matos
O PS rapidamente se juntou ao
coro da indignação contra Cavaco, logo transformado em sustentáculo do Governo
porque, como contra todas as previsões, a coligação se mantinha e o povo não se
revoltava.
Quando Cavaco entrou no
hemiciclo para presidir às cerimónias do 25 de Abril sabia que a sua vitória é
precisamente essa: estarem todos a 25 de Abril de 2015 no lugar que os
calendários eleitorais determinaram, sem antecipações nem quebras de rotina. É
óbvio que Cavaco Silva teria preferido assinalar esta data num parlamento em
que PSD e PS tivessem subscrito o acordo que lhes propôs em 2013. Mas nem
Seguro podia aceitar tal proposta (ou achava que não podia) nem Passos ganhava
alguma coisa com ela e por isso bastou-lhe deixar correr o tempo e as
impossibilidades crescerem. Obviamente o acordo não se fez e de 2013 em diante
o que restava a Cavaco era garantir que as “Eleições são na data prevista.
Ponto final.” E serão. Essa é a sua maior vitória. O reverso dessa determinação
foi tornar-se num intruso nessa República de que é Presidente. Podia não ter
sido assim?
Quando Cavaco declarou
“Eleições são na data prevista. Ponto final” estava-se em Novembro de 2014.
António Costa derrotara Seguro há menos de dois meses e Sócrates não só ainda
não fora preso como estava a ser paulatinamente tornado no próximo
presidenciável socialista. No período que mediou entre Outubro de 2014 (as
eleições no PS tiveram lugar a 28 de Setembro) e 22 de Novembro de 2014 (data
em que Sócrates foi preso) a pressão para que Cavaco antecipasse as eleições ia
em crescendo. (Depois da prisão de Sócrates essa pressão naturalmente abrandou
deixando o pedido de antecipação das eleições de ser uma reivindicação política
para se transformar numa espécie de oco recurso estilístico enfático.)
Subjacente à tensão mediática
desses dias de Outubro e Novembro de 2014 está o traço do regime português que
fez de Cavaco um intruso em Belém: o Presidente da República deve zelar pelo
regular funcionamento das instituições e, em Portugal, entende-se que tal só
acontece quando a esquerda possível, o PS, é governo. Em Outubro de 2014 o PS
sentia-se capaz de ganhar as eleições e portanto exigir a sua antecipação
parecia-lhe não só razoável como naturalmente legítimo. A Presidência da
República é para os socialistas a casa mãe de um regime do qual e no qual eles
são figuras maiores. Por isso ver Cavaco Silva em Belém foi uma imagem muito
mais difícil de aceitar pelos socialistas do que vê-lo em São Bento.
A este entendimento dos
socialistas junta-se o maniqueísmo da esquerda mais radical que tem nas
candidaturas presidenciais socialistas o momento em que finalmente se senta
entre os vencedores. Daqui decorre que para a esquerda o Presidente da
República apenas pode representar essa República tutelada pela esquerda e não
Portugal. A forma como Sampaio afastou Santana Lopes e o país reagiu a essa
manobra palaciana como se ela tivesse reposto a ordem natural dos factos é
sintomática da natureza aristocrática daquilo a que chamamos regime republicano
e da concepção instrumental que a esquerda tem da Presidência da República. O
próprio Presidente da República só é respeitado quando e na medida em que não
esqueça este princípio não escrito mas inscrito. Assim não é de modo algum
paradoxal que o desgaste da imagem de Cavaco Silva se tenha acentuado de forma
notória quando o PS deixou de ser Governo.
A derrota dos socialistas nas
eleições que tiveram lugar em Junho de 2011 não deixou certamente de ser vivida
com alívio por Cavaco que há muito perdera a confiança em Sócrates e a quem não
podia deixar de preocupar continuar a ver em São Bento alguém com a
personalidade, o estilo de vida e a maneira de fazer política de Sócrates. Mas
Cavaco não podia deixar de ignorar que para si o pior em termos de popularidade
ia começar a partir de momento em que o Governo deixasse de ser socialista.
Primeiro, porque a esquerda radical, que enquanto os socialistas estiveram no
poder foi mantendo um mínimo de decoro institucional, logo deixou cair a
máscara da civilidade. Depois porque o PS rapidamente se juntou ao coro da
indignação contra Cavaco (logo transformado em sustentáculo do Governo porque,
como contra todas as previsões, a coligação se mantinha e o povo não se
revoltava) pois só Cavaco podia antecipar as eleições que garantiam aquilo que
o PS tinha como certo: o regresso ao poder.
Não fazendo o que esperavam
dele, Cavaco tornou-se um corpo estranho à aristocracia da República. A partir
desse momento, comemorações do 25 de Abril como aquela que teve lugar em 2011,
em que no Palácio de Belém, ao lado de Cavaco estiveram Eanes, Soares e
Sampaio, tornaram-se irrepetíveis. Para a aristocracia da República partilhar o
espaço das comemorações do 25 de Abril com Cavaco Silva passou quase automaticamente
de concessão útil a acto contra-natura.
Mas se isto foi verdade até e
durante os mandatos presidenciais de Cavaco pode estar a deixar de sê-lo: o PS,
saído de cena Guterres, arrisca-se a ficar agarrado a candidaturas como a de
Nóvoa que não só o afastam do centro como levam o centro a sair de casa para
votar em quem quer que seja que não pareça saído de uma recriação de uma sessão
de dinamização cultural da 5ª Divisão. (Nesse sentido Nóvoa é o melhor aliado
de Marcelo Rebelo de Sousa que não por coincidência parece ter ganho asas nas
últimas semanas.)
Para o PS em particular e para
esquerda em geral a hipótese de perder as próximas presidenciais é real e, caso
se verifique, será não apenas mais uma derrota eleitoral mas sim a confirmação
da perda do estatuto de superioridade que até agora mantiveram. Goste-se ou não
estamos num fim de ciclo. Sinal disso mesmo é o facto de no fim do dia 25 de
Abril os comentadores já terem esquecido as comemorações, os discursos e os
recados do Presidente. A apresentação da coligação por Passos e Portas
preencheu os noticiários da noite.
Mas ganhe quem ganhar as
próximas eleições presidenciais convém que se registe que o início não augura
nada de muito animador: descemos de um patamar de possíveis candidatos pessoalmente
muito fortes como eram Guterres e Durão, que tinham uma legitimidade, uma
história e experiência próprias, para um nível de candidatos muito frágeis
politicamente falando. Na lista de candidatos já anunciados ou prováveis nenhum
deles tem experiência de governo, muito menos de instâncias internacionais
(sim, é importante sobretudo num país pequeno) e nenhum deles teve um partido
por trás como tiveram Cavaco, Sampaio ou Soares. (Marcelo Rebelo de Sousa não
entra nesta enumeração pois o que lhe falta em experiência executiva sobra-lhe
em habilidade política e impor-se-á ao PSD se assim o quiser. Resta contudo
saber se Marcelo candidato se impõe a Marcelo comentador e sobretudo se Marcelo
presidente, caso seja eleito, conseguirá impor-se a si mesmo!)
Pior: nenhum destes candidatos
e candidatos a candidatos ouve há muitos anos menos do que aplausos. Por isso e
para começar reverem as imagens dos momentos em que Cavaco Silva tem sido
vaiado é um bom exercício de preparação e de Introdução à Política Portuguesa,
esse espaço em que somos todos iguais mas uns têm sido mais iguais que os
outros.
Título e Texto: Helena Matos, Observador, 26-4-2015
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