Jacinto Flecha
No discurso de posse do
presidente Kennedy, a grande sensação foi esta frase lapidar: Não
pergunte o que o seu país pode fazer por você, pergunte o que você pode fazer
pelo seu país. A imprensa mundial repetiu-a em prosa e verso, com
todas as cores e molduras. Muitos anos depois de cessadas a euforia e as
lamentações, achei a mesmíssima frase enunciada por outro chefe de Estado, mas
da França. Clemenceau morreu em 1929, quando Kennedy tinha 12 anos. Tentei
vários malabarismos mentais, mas não consegui um meio de culpar o francês como
plagiador. Portanto…
O autor da frase não vem tanto
ao caso, só me interessa o conteúdo dela. Nas aulas de algum professor de
psicologia ou sociologia, ela se misturaria com círculos, quadrados,
retângulos, triângulos, setas pra cá e pra lá, traços e sinais gráficos, cores
e destaques. E omitiria pelo menos um agente necessário. Vou apresentá-lo, mas
antes veremos em que essa frase se liga a correntes ideológicas.
O autor da frase coloca frente
a frente dois agentes: 1) o país (no caso, os Estados Unidos, mas poderia ser
qualquer outro); 2) o cidadão (o americano, ou qualquer outro). O objetivo de
ambos é o progresso. Como está fora de cogitação o progresso sem o trabalho,
apontam-se duas opções: ou o cidadão trabalha para o país progredir, ou o país
trabalha para o cidadão progredir. Sempre um dos agentes trabalhando para o bem
do outro. Ninguém precisa ser muito versado em assuntos ideológicos, para
perceber nesse quadro simplista o socialismo e o capitalismo.
Por que não incluir outros
agentes? Por exemplo, o cidadão que trabalha para ele mesmo progredir. E a
frase Kennedy-Clemenceau seria completada com outra assim: Trabalhe
para o seu progresso, e o progresso do país virá atrás.
(Ora, que sujeito egoísta! Não
é politicamente correto progredir desse jeito, ignorando o bem-estar dos
outros. Os marginalizados e excluídos precisam participar, afinal todos têm o
direito de progredir, o país é de todos. Esses acumuladores de riquezas são
usurpadores da propriedade e dos direitos…).
Cantilenas como essas
repetem-se ad nauseam em assembleias sindicais, encontros de
movimentos sociais, discursos de candidatos em eleições, etc. Nada se perde em
ignorá-las, pois falta-lhes o vínculo com a realidade. Além disso, todos
conhecemos exemplos onde o progresso de um empreendedor beneficia toda a
coletividade. Quando alguém instala uma indústria, mesmo pequena, geralmente
seu objetivo é produzir, vender e lucrar com isso. Não há nenhum mal em erguer
um negócio lícito com o objetivo de lucro. Progride com ele o empreendedor, e
já basta isso para ser boa iniciativa. Mas o fato concreto é que muitos
progridem com a criação de empregos ou transitam pelos caminhos criados, outros
se beneficiam comprando e usando os produtos da fábrica. Se esse empreendedor
desistir, pode progredir em outras coisas, mas deixarão de surgir esses
progressos simultâneos na comunidade.
Dizem que uma boa imagem vale
por mil palavras, portanto vou economizar muitas palavras apresentando-lhe uma
boa imagem. Quando você nasceu, não era dono de nada, não tinha nem roupa para
cobrir a nudez. Logo sentiu a falta de algo. Não sabia o que era, e começou a
chorar. Direito seu, afinal ninguém é proibido de chorar. Havia por perto
pessoas que sabiam das coisas, possuíam bens, e resolveram interromper seu
choro e suas caretas, aliviando-lhe o frio. Você deve ter ficado até
engraçadinho, pois todos se alegraram e começaram a sorrir. Depois, quando você
chorava, alguém lhe enfiava na boca uma mamadeira natural ou artificial.
O espetáculo prosseguiu assim
por muito tempo, até as pessoas se cansarem da sua malandragem. Puseram você a
andar com as próprias pernas, alimentar-se e vestir-se sozinho, falar em vez de
chorar, e assim por diante. Você aprendeu tudo isso e muito mais, tornou-se
apto para trabalhar e ganhar seu próprio sustento, e até pensou em economizar
para ajudar outros que nasceriam depois. Não lhe parece que valeu a pena o
esforço deles, e que o seu esforço será também recompensado? Isto aconteceu com
você, e o normal é repetir-se com todos os que nascem. Mas com alguns a coisa
segue outro rumo. Qual rumo? Vou apresentá-lo agora.
Aquele início da vida é mais
ou menos o mesmo para todos. No entanto, a partir do ponto em que se aprendeu o
básico para a sobrevivência, parece que alguns sentem saudade do tempo em que
bastava chorar para ter os desejos atendidos. Começa aí a choradeira de
marginalizados, excluídos, explorados, despossuídos, abandonados, espoliados,
escravizados, subjugados, humilhados, oprimidos…
Você acha correto ou justo dar
seus bens aos chorões, para aplacar a choradeira? Não lhe parece melhor
convencê-los a trabalhar, e até ensinar-lhes o caminho?
Eu também tenho certeza disso,
e os chorões o sabem melhor que todos nós. Mas muitos assumiram a inexplicável
tarefa de encher a barriga e o bolso dos chorões. Agruparam-se em comunidades
de base, movimentos sociais, pastorais de excluídos, PeTelândia, partidos
socialistas de várias roupagens, e querem forçar a distribuição de mamadeiras
contra a choradeira. Quem paga a conta? Os que trabalham, é claro.
Plantando dá / Não plantando
dão / Pra que plantar? / Não planto não.
Título, Imagem e Texto: Jacinto Flecha,
ABIM,
25-4-2015
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