Inês Teotónio Pereira
Eu, tal como o PS, compro tudo aos meus filhos sem vergonha nenhuma e
prometo-lhes o céu e a terra só para poder ver o telejornal descansada
Estava eu a ler o programa
eleitoral socialista e pela primeira vez em toda a minha vida – que já vai mais
longa que o regime democrático – identifiquei-me pessoalmente com o PS. Até à
data eu tinha a convicção profunda de que em minha casa só os meus filhos eram
socialistas e apenas os pais continuavam a ser as mesmas duas pessoas lúcidas
que sempre foram. Estava enganada, o programa do PS levou-me a concluir que
afinal eu também sou uma mãe socialista. Cheguei a esta curiosa conclusão
porque percebi que o PS lida com os portugueses da mesma forma que eu lido com
os meus filhos.
O PS, segundo o seu programa
eleitoral, promete o que tem e o que não tem e com estas promessas tem
esperança de vir a ter a votos. As contas não batem certo, as previsões são baseadas
na esperança e até faz tábua rasa de tudo o que tem dito até aqui. Ora eu sou
igualzinha com os meus filhos: também lhes prometo tudo na esperança que eles
me obedeçam e cumpram as suas obrigações. Digo uma coisa num dia e outra coisa
noutro dia só para fazer chegar a água ao meu moinho e nem me preocupo com a
coerência das minhas promessas porque as batalhas diárias não dão espaço para
preocupações dessa ordem.
Nós, eu e o PS, fazemos tudo
para atingir os nossos resultados: o PS votos e eu que os miúdos vão para a
cama. Até hoje eu achava que esta não era a melhor forma de educar crianças,
que não devia prometer tanto e muitas vezes não conseguir cumprir. Achava
ingenuamente que os estava comprar e que isso era mau. Mas graças ao PS percebi
que não, que não é mau. É que segundo o economista do PS, João Galamba, comprar
votos é um mero exercício de democracia.
Obrigada, João Galamba, já
somos dois democratas.
Eu, tal como o PS, compro tudo
aos meus filhos sem vergonha nenhuma e prometo-lhes o céu e a terra só para
poder ver o telejornal descansada. Prometo-lhes chupas se eles tirarem boas
notas, rebuçados se se calarem, cinema se se portarem bem, a chucha ao bebé se
ele comer a sopa, etc. E a verdade é que muitas vezes não cumpro essas
promessas. Não é por mal, é que muitas vezes não tenho tempo para os levar ao
cinema, raramente tenho chupas em casa e na maioria dos casos nem me lembro do
que prometi. Enfim, vivo a subornar os meus filhos e a fazer-lhes promessas
falsas. Não por votos, como o PS, mas por causas muito menos nobres, como seja
o sucesso escolar deles, o meu sossego, eles comerem legumes, etc. A minha veia
democrata e socialista é de tal forma latejante que até lhes prometo que se
estudarem podem vir a ser economistas do PS, assinar manifestos e até chegar a
ministros.
Ora aquilo que eu achava que
era uma fragilidade maternal, um erro pedagógico, uma forma de compensar a
minha falta de autoridade e de verdade, afinal não é. Este é um dos casos em
que os fins justificam os meios, ensinou-me o PS. Eu compro os meus filhos para
eles fazerem o que eu quero, o PS faz o mesmo com os portugueses para ganhar
eleições.
São ambos bons fins e ao que
parece até são democráticos.
Mas eu ainda tenho muito a
aprender com o PS e gostava sinceramente que outro programa eleitoral ou outra
qualquer declaração do economista João Galamba me ensinassem. O meu grande
problema, que aproveito para partilhar com o PS, é que os meus filhos já me
toparam e eu sinto-me mal. Eu sei que o PS não tem esta preocupação e já ultrapassou
estes dilemas morais, mas ainda sou verde nestas coisas do socialismo e por
isso tenho uma dúvida: o PS nunca tem vergonha?
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