João Távora
Como monárquico objector de
consciência no que a este circo das presidenciais diz respeito, era minha
intenção não meter a colher no caldo que se entorna por estes dias a cada dia.
Mas acontece que aquilo a que assisti ontem acidentalmente na SIC notícias, a
prestação de Marcelo Rebelo de Sousa no frente a frente com Marisa Matias,
pareceu-me mau demais para ser verdade - e não consigo evitar umas palavras.
Ora veja-se como o professor, com o fito de evitar o conflito, conseguiu
ultrapassar a adversária pela esquerda: começou por descartar-se higienicamente
das suas ideias e do combate por si protagonizado em tempos contra o aborto
livre, anuiu à reposição da isenção de taxa moderadora do governo PSD-CDS de
que quase pediu desculpa por ter-se afirmado favorável há uns meses, e foi
incapaz de se distanciar da lei Isabel Moreira sobre adopção de crianças por
casais do mesmo sexo. Finalmente, não deixou de se lamentar, como se de um
troféu se tratasse, da falta de apoio dos partidos "da direita" que
ele mesmo faz questão de se afastar como da peste.
Ora acontece que a eleição de
um presidente da república se procede não só através da avaliação do caracter
do candidato, mas por força da adesão às suas convicções e ideias, que Marcelo
faz por desvanecer e anular, numa tentativa desesperada de agradar a toda a
gente. Acontece que o aspecto distintivo dum presidente da república enquanto
instituição é a de ser sufragada pelo voto em função de um conjunto de ideias e
não de outras suas opostas, aspecto tanto mais decisivo quanto o facto nosso
sistema semi-presidencialista impor um determinado conjunto de poderes ao Chefe
de Estado.
Marcelo equivoca-se
redondamente pretendendo pairar acima da política em que sempre participou como
protagonista ou comentador, e quanto a mim seria sábio que assumisse as suas
posições e a sua história. Porque se assim não for, não faz qualquer diferença
ter Marcelo em Belém. Os portugueses podem perdoar tudo a um político mas tenho
dúvidas que desculpem a cobardia.
Título, Imagem e Texto: João Távora, Corta-fitas,
5-1-2016
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