Rafael Marques de Morais
Por toda a Luanda veem-se
cartazes publicitários a apresentar João Lourenço como o candidato do MPLA a
presidente da República de Angola.
Todos os dias, a Televisão
Pública de Angola (TPA), que pertence a todos os angolanos,
mais parece a conta pessoal de YouTube de João Lourenço. É a televisão do
candidato do MPLA a anunciá-lo como a segunda reencarnação de José Eduardo dos
Santos. A Rádio Nacional de Angola (RNA), que também
pertence a todos os angolanos, está rouca de tanto gritar João Lourenço, para o
afirmar como o novo deus pagão do MPLA e, à força, estabelecer um culto de
personalidade à sua volta, num par de meses. O Jornal de Angola,
também membro da tríade da comunicação social do Estado, é irrelevante. Não é
lido.
Mas esquecem-se de um pequeno
detalhe. Não há eleições marcadas e não há candidatos a eleições. Como pode
haver um candidato àquilo que não existe?
As eleições gerais, que
definem o próximo presidente da República, são convocadas até 90 dias antes do
termo do mandato do presidente da República e dos deputados (artigo 112.º, nº 1
da Constituição da República de Angola – CRA), e devem realizar-se até 30 dias
antes do fim do mandato do presidente e dos deputados (artigo 112.º, nº 2 da
CRA). Ora, o mandato do atual presidente da República termina a 26 de setembro
de 2017, logo, as eleições têm de ocorrer até 26 de agosto de 2017 e têm de ser
convocadas até 26 de junho 2017. Têm de ser, mas ainda não foram.
Como nota o analista jurídico
Rui Verde, “neste momento, há uma expectativa jurídica, não há um facto
concretizado”.
Só depois de marcadas as
eleições é que os candidatos se apresentam. A Lei Orgânica sobre as Eleições
Gerais (LOEG) dispõe que as candidaturas a presidente e vice-presidente são
apresentadas 20 dias após a convocação das eleições gerais (artigo 37.º da
LOEG). A seguir a esta apresentação, a candidatura é apreciada pelo Tribunal
Constitucional (artigos 44.º e ss. da LOEG) que, verificando a sua conformidade
com a Lei, comunica a aceitação dos candidatos à Comissão Nacional Eleitoral
(artigo 50.º). Só no fim deste processo é que temos um candidato às eleições.
Portanto, em termos formais, a
propaganda combinada do MPLA, da TPA e da RNA está
a desrespeitar gravemente a legislação em vigor.
Neste momento, João Lourenço é
candidato a candidato a umas possíveis eleições. Para ser candidato a sério, as
eleições têm de ser marcadas e o Tribunal Constitucional tem de aceitar a sua
candidatura.
Mas, pelo que se vê, o
Tribunal Constitucional está a ser usado apenas como um reboque da campanha do
MPLA, para carregar uns fardos de aparência jurídica e criar obstáculos à
oposição. É o partido MPLA quem decide. Ou então já adivinha tudo, eleições,
decisões do Tribunal Constitucional. Aliás, já deve ter adivinhado o resultado
das eleições… ou ter decidido antecipadamente os resultados do escrutínio.
Os defensores do poder bem
podem argumentar que isto são apenas formalismos sem importância da
Constituição e da Lei. Toda a gente sabe que vai haver eleições e toda a gente
sabe que João Lourenço é o candidato do MPLA à presidência da República.
Mas é aqui que entra a
diferença entre barbárie e civilização. O respeito da forma é a melhor maneira
de se respeitar a liberdade. Sem formalismos, não há liberdade, nem Direito,
apenas o arbítrio de quem decide. É aqui que se nota que o carácter de
civilização do MPLA se confina à aparência ocidentalizada da sua elite. Em tudo
o resto, é a barbárie.
Os cartazes espalhados pelo
país, a anunciar João Lourenço como candidato presidencial do MPLA, simbolizam
o desrespeito pela igualdade e legalidade eleitoral. Provam que mais uma vez
estamos perante uma encenação eleitoral, e não perante um processo eleitoral
conduzido com escrupuloso respeito pela legalidade.
Se a forma constitucional e
legal existe, é para desempenhar uma função: evitar atropelos e garantir a
igualdade dos participantes. O que se verifica é que, ao desrespeitar os
preceitos legais, a candidatura de João Lourenço parte de um patamar eleitoral
superior e atropela a igualdade eleitoral. João Lourenço já sabe a data das
eleições? João Lourenço já sabe que o Tribunal Constitucional aceita a sua
candidatura? Se sabe, não devia saber.
Mais grave ainda, este
comportamento batoteiro denuncia João Lourenço como mais do mesmo. Tirando a
fotografia simpática com o seu cachorrinho, que faz circular nas redes sociais,
João Lourenço não revela qualquer simpatia pela ética, pelo respeito às leis, e
não articula qualquer visão para o país e para unir os angolanos na luta pelo
bem. Está perfeitamente enquadrado como o rosto da batota e do mal do MPLA. Um
homem assim é, na realidade, um candidato a ditador.
Título e Texto: Rafael Marques de Morais, Maka Angola,
13-4-2017
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