terça-feira, 6 de março de 2018

[Aparecido rasga o verbo] Côncavo e convexo

Aparecido Raimundo de Souza

EM NOSSO DIA A DIA, constantemente, às escondidas, procuramos dentro de nossos ocultos clandestinos algo que não sabemos o que é, ou onde se acha. Sentimos falta de uma parte bastante significativa que nos complete ou que nos preencha os espaços vazios. Muitas vezes, não conseguimos harmonizar esse encontro num mesmo patamar de vontades tidas como prementes. Nosso degrau na longa escada de subida para o topo é sempre o de cima e nunca aquele em que estamos. Objetivamos circundar, englobar e alcançar, seja a que custo for aquilo de que não dispomos, ou dito melhor, não temos. Esse “não dispomos ou não temos” parece agir em nosso organismo como uma vitamina, apurando, incendendo, estimulando o corpo a sair do marasmo, a lutar, a pelejar com obstinação desenfreada e afinco acima do normal por soluções melhores.

Por vezes, achamos ou entendemos que os propósitos que buscamos cotidianamente são inalcançáveis ou impossíveis, como as aspirações que alimentamos no fundo da alma. Gostaríamos (e quem não se sentiria como um rei nessa hora?!) de ser reconhecidos nas ruas, no trabalho, pelas pessoas que nos cercam. Invejaríamos, num relance único, ser ou nos tornarmos celebridades místicas. Queremos, a qualquer preço, parecer notáveis e inimitáveis às visões dos outros que nos rodeiam. Às vezes, nossos pensamentos galopam como se montados num pégaso mitológico, noutras, “correm para trás, no tempo”, como observa, com propriedade ímpar, Steve Shagan. Segundo ele, nos assemelhamos a “uma fita gravada girando ao contrário. Nossos desejos e aspirações são quase sempre impossíveis, todavia, palpáveis nos limites de conquistas”.

As insatisfações e os desfastios que nos invadem agem, pois, em nosso ser como aperfeiçoamentos necessários para a grandeza do espírito, desde que a forma de saciá-lo traga à tona o melhor do nosso brilho e realeza interiores. Somos pedras brutas, brilhantes falsos. Poderemos, entretanto, nos tornar objetos preciosos e de valor verdadeiro na medida em que buscamos o primor do íntimo, a eminência, a majestade, a dádiva e a excelência. Carecemos de transparência nessas horas, para que o sol brilhe intensamente e nos reflita, como a imagem no espelho, sem nódoas ou manchas.

Não devemos jamais, seja por quais motivos forem, criticar o próximo notadamente por suas faltas e defeitos, ausências ou privações. Em contraposto, devemos progredir para entendermos as pessoas que nos cercam e superarmos os contratempos negativos. Observem caros leitores amigos, que os entulhos se tornam adubos à germinação do solo. Isso quer dizer o seguinte: seremos um amontoado de lixo, de estrume, dejetos e escombros, pelo tempo que quisermos. De igual forma, corpo sólido, como rochas, enquanto pelejarmos com garra e perseverança cobiça e apetite por um bom talhamento...

A vida é uma eterna escola, e o tempo, o melhor ou o pior professor. Dependerá de como nos comportamos nas aulas. Se formos bons alunos, teremos a recompensa. Ela virá nobre e elevada. Se estudarmos mal, ganharemos um “zero enorme”, e evidentemente nos reprovarão na faculdade da vida. Vamos, pois, sempre que pudermos procurar fazer uma introspecção. Olharmos para dentro de nosso íntimo, corrigirmos os erros e desacertos e eliminarmos o que não presta o que não serve. É bom. Exercita a alma, o corpo relaxa, a mente se abre como um leque de infinitas saídas. A reflexão, ou balanço, antes de tudo, age em nós como uma análise física mental. Assemelha a uma oração direta ao Altíssimo. Perdemos alguns poucos minutos tentando corrigir erros ou aparar arestas e desacertos, e nesses momentos alguma coisa escondida dentro de nosso íntimo, como uma luz divina e brilhante, se acenderá diante de nossos horizontes.

Essa luz como um sol mavioso, nos guiará como um farol em mar aberto. Nada nos atingirá. Coisa alguma nos acarretará problemas. Teremos, em contrapartida, um cardápio de soluções se abrindo, se multiplicando e se diversificando... ad aeternum. Devemos ter em mente que a vida que nos cerca é um constante bate e volta. O que adianta reclamarmos disso ou daquilo se jamais elogiamos? Por que acusarmos, se antes nunca defendemos? O importante, amadas e amados, é aprendermos com sabedoria e depois ensinarmos com benevolência. Se sorrirmos para o mundo, ele nos corresponderá. Sorrirá de volta. Entretanto, se o agredirmos, ou se o apunhalarmos, a resposta, o retorno, será imediatamente bárbaro e empedernido. Na realidade, não existe inferno, ou melhor: se estivermos em paz, viveremos na bem-aventurança. Ao oposto, se praticarmos o mal, se arrotearmos os achaques e as mazelas, o castigo certamente virá com uma rapidez fulminante. Em dias atuais, não mais a cavalo, mas via internet, numa dessas muitas redes sociais existentes.

Somos, por assim dizer, como o esférico cavado e o redondo obtuso, a carne e a unha, o dia e a noite, o sapato e o pé. Poderemos no mesmo brindar da taça cheia, nos tornar aquilo que quisermos ou, por outra via, o que desejarmos. A opção ou o livre-arbítrio pelo trilhar errado nos transformará em escravos do ego, ou do medo que carregamos dentro do coração. A perfeição e a imperfeição são desafios constantes. Andam de mãos dadas. São inseparáveis, amigas desde muito. Do mesmo modo poderão se fundir num só corpo e se transformarem numa conquista única e benfazeja, lembrando sempre uma soberania, uma captura formada por muitas e muitas partes, como um quebra-cabeça de mil pecinhas, cujos elos temos que unir, um por um, paulatinamente, pacientemente, incansavelmente. Às vezes passamos horas inteiras tentando unir essas partículas no enorme mosaico do destino, ou montando o jogo em outras pessoas que nos são caras. Um enigma indecifrável, misterioso, obscuro, uma luta desvairada, extremosa e monstruosamente procelosa...

O fato é que quando acordamos, quando saímos da letargia, quando a ficha cai, o cartão acaba e os créditos terminam... Quando, em realidade nua e crua, mais crua que nua, damos com a coisa em si, a vida passou. A vida inteira se foi. O tempo se esvaiu, as horas criaram asas, os minutos se entrelaçaram por sendas sem regresso. Nossos sonhos consumiram a fumaça intermitente do nunca mais. Nada do que ficou para trás tem o dom de voltar às nossas mãos. Por derradeiro, quedamos estarrecidos e perplexos, aparvalhados e inertes, sem sabermos como agir para reunirmos senão o todo, ao menos um terço do nosso complicado jogo de paciência. Paciência sem a santa.

Nessa balbúrdia toda descobrimos, esgazeados e acovardados, que não há mais volta. Outras portas se fecharam, bateram janelas em nossas caras, e as lâmpadas da plateia se tornaram num breu tremendo. No mesmo contrafluxo, as luzes do imenso palco se apagaram. Do que sobrou, restou um inconsequente pretume sólido e intransponível, resistente e rígido, concentrado nos braços do indômito e do soberbo. Dizia um velho pensador que o “acordar é melhor que o dormir”. Como seres humanos imperfeitos, sabemos de antemão, necessitamos, temos privação e carência de algumas horas de sono. E para quê? Evidentemente para que possamos repor os momentos de cansaço e fadiga, agastamento e amofinação em seus devidos lugares. O que nos causa um desafio sem tréguas ou interrupções é o errarmos hoje, e pior, desacertarmos feio, para aprendermos depois. Santo Deus! Seria, a bem da verdade, viável e exequível, nunca termos, então, nascido.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, do sítio “Shangri-la”, um lugar perdido no meio do nada. 6-3-2018



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