domingo, 7 de julho de 2019

A ostraca

Helena Matos

Todos, a começar pelo diretor do Público, teremos a qualquer momento o nosso nome inscrito na lista dos que devem ser banidos. A ditadura das causas exige-o

Guardem o editorial do diretor do jornal Público sobre texto da historiadora Maria de Fátima Bonifácio. Por quê? A História precisa de datas e à falta de outra esta serve para assinalar o momento em que, em Portugal, se assumiu que vigora a ostraca.

Os muçulmanos têm a fatwa, nós temos a ostraca, essa prática da antiga Grécia para afastar determinados cidadãos, sendo que agora o nome daquele que se quer ver banido não se grava em pedaços de cerâmica mas sim nas redes sociais. Desta vez a ostraca caiu sobre Fátima Bonifácio. E chegou via editorial do Manuel Carvalho, diretor do PÚBLICO: “Um jornal como o PÚBLICO é um espaço de convivência baseado em valores. A Direção Editorial tem o dever de proteger esse espaço, evitando que esses valores sejam postos em causa. Lamentavelmente, não foi isso que aconteceu.” – escreveu, arrependendo-se da publicação do texto de Maria de Fátima Bonifácio.

Óstraco de Címon, estadista ateniense, onde se lê o seu nome (Κίμων ο Μιλτιάδου)
Não interessa se concordo ou discordo do texto de Maria de Fátima Bonifácio sobre as quotas para negros e ciganos. Mas desde já acrescento que escusam as redes sociais de se enervar e o diretor do Público de se armar em extraterrestre: Maria de Fátima Bonifácio escreveu o que se diz não apenas nas periferias de Lisboa ou Setúbal mas muito particularmente nesse interior do país que tanto dizem querer proteger mas onde se multiplicam “as ocorrências”.

Maria de Fátima Bonifácio apontou o que tartamudeiam os paizinhos progressistas para explicar por que não colocam os filhos nas escolas públicas. Detalhou o que se vê e ouve quando se sai na estação de comboio da Damaia…

Não admira que o texto de Maria de Fátima Bonifácio tenha gerado reações e a própria sabe explicar as suas razões melhores que ninguém.

O que interessa, o que é grave, o que ensina o editorial do Público é que a técnica da ostraca venceu e todos, mas mesmos todos, a começar por Manuel Carvalho, teremos a qualquer momento o nosso nome inscrito na lista dos que devem ser banidos.

Sejamos claros: a ditadura das causas triunfou. Neste momento não se debatem ideias, impõem-se causas. Estas são invariavelmente apresentadas como libertadoras e positivas. Logo quem diverge dos fins e dos meios adotados pelos ativistas-funcionários de tão altos desígnios não é uma pessoa que pensa de forma diferente, mas sim um defensor dos horrores que essas causas se propõem combater.

Não se concorda com a criação de quotas para ciganos na universidade? Automaticamente é-se apresentado como sendo favorável à discriminação dos ciganos. Perante esta condenação ao banimento quem tem coragem para perguntar o óbvio: que cursos são esses em que se entra porque se nasceu mais ou menos moreno? Os cursos das chamadas ciências sociais e humanas porque a matemática e a física ainda não se aprendem por decreto (creio que depois de serem apresentadas como disciplinas dos ricos acabarão a ser tidas como reacionárias). Como é mais que óbvio os selecionados para essa progressão por razões da cor da sua pele irão alimentar esses berçários da esquerda radical que são os departamentos de antropologia, sociologia e estudos disto e daquilo.

Não se concorda com a escolha de pessoas para cargos políticos em função da cor da sua pele e de imediato se é a favor da discriminação dos negros.

Denuncia-se o racismo existente entre negros ou entre negros e ciganos e em segundos é-se apresentado como tendo uma visão estereotipada daquilo que no nosso caminho para a realização é designado como comunidades.

A ditadura das causas, como todas as ditaduras, conta com os seus defensores que naturalmente se acham investidos de uma superioridade moral. Conta com os seus ativistas logo transformados em funcionários porque, materialmente falando, o sector das causas é uma fonte inesgotável de empregos e financiamentos.

Quando a ditadura das causas acabar o jornal Público e seus clones encher-se-ão de artigos sobre as perseguições realizadas nestas décadas iniciais do século XXI e de como a esquerda (noutros tempos foi a direita) se serviram dessas causas para ganhar votos numa época em que  já não tinham outro programa político que não fosse manter-se no poder. Como é óbvio eles, os ativistas, os jornais ativistas e toda essa milícia do pensamento que por aí anda, nunca tiveram nada a ver com tal assunto. Felizmente que a morte nos liberta a dado momento desses espetáculos porque vê-lo várias vezes ao longo da vida torna-nos mais cínicos.
Título e Texto: Helena Matos, Observador, 7-7-2019

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