Jordan B. Peterson
Se você ler os psicólogos
analíticos – Freud e Jung, por exemplo, assim como seu precursor, Friedrich
Nietzsche –, aprenderá que há um lado sombrio em tudo. Freud investigou
profundamente o conteúdo latente e implícito dos sonhos, que geralmente
pretendiam, em sua opinião, exprimir algum desejo inadequado. Jung acreditava
que todo ato de adequação social era acompanhado por seu gêmeo mal, sua sombra
inconsciente. Nietzsche investigou o papel desempenhado pelo que ele chamou de ressentimento
na motivação de ações ostensivamente egoístas – e, frequentemente, exibidas
publicamente.
Seja
o homem salvo da vingança; é esta para mim a ponte da esperança superior, e um
arco-íris anuncia grandes tormentas. As tarântulas, todavia, compreendem de
outra forma. “Justamente quando as tempestades de nossa vingança enchem o
mundo, é quando nós dizemos que há justiça.” Assim falam elas entre si.
“Queremos executar nossa vingança e lançar nossos ultrajes sobre todos os que
não são semelhantes a nós outras.” Isso juram entre si as tarântulas. E acrescentam:
“Vontade de igualdade, isto será daqui por diante o nome da virtude, e queremos
o grito contra tudo que é poderoso!” Sacerdotes da igualdade: a tirânica
loucura da vossa impotência reclama em brados a “igualdade”, por detrás das
palavras de virtudes esconde-se a vossa mais secreta concupiscência de tiranos!
(N.T.: Trecho extraído do livro Assim
falava Zaratustra. Grandes obras de Nietzsche. Nietzsche, Friedrich.
Tradução de José Mendes de Souza – 2ª edição – Editora Nova Fronteira.)
O incomparável escritor inglês
George Orwell conhecia muito o tema. Em 1937, escreveu Caminho para Wigan Pier,
que em parte fazia um mordaz ataque aos socialistas de classe alta na
Inglaterra (apesar de ele mesmo ser inclinado ao socialismo). Na primeira
metade do livro, Orwell retrata as terríveis condições enfrentadas pelos
mineradores britânicos na década de 1930.
Vários
dentistas já me disseram que, nas regiões industriais, pessoas com mais de
trinta anos que ainda conservam seus dentes estão se tornando uma raridade. Em
Wigan várias pessoas me disseram que o melhor é “se livrar” dos dentes o mais
cedo possível. “Os dente é só sofrimento”, me disse uma mulher. (N. T.: Trecho extraído do livro O Caminho para Wigan
Pier. Orwell, George. Tradução de Isa Mara Lando. Editora Companhia das
Letras).
Um minerador de carvão de
Wigan Pier tinha que caminhar – rastejar seria a palavra mais adequada – até
quase 5km debaixo da terra, no escuro, batendo a cabeça e ralando as costas,
apenas para chegar ao seu local de trabalho para o turno de sete horas e meio
de trabalho extenuante. Depois disso, ele rastejava de volta. “Isso pode ser
comparado, talvez, a escalar uma pequena montanha antes e depois de sua jornada
de trabalho”, declarou Orwell. Esse tempo gasto rastejando não era remunerado.
Orwell escreveu O Caminho
para Wigan Pier para o Left Book Club, uma editora socialista que lançava
um volume escolhido por mês. Depois de ler a primeira metade do livro, que
trata diretamente das circunstâncias pessoais dos mineradores, é impossível não
sentir compaixão pelos pobres trabalhadores. Somente um monstro seria capaz de
não se apiedar depois dos relatos de vida descritos por Orwell:
Não faz muito tempo, as
condições das minas eram piores do que hoje. Ainda estão vivas algumas mulheres
muito velhas que na juventude trabalhavam nas galerias subterrâneas com um
arreio amarrado na cintura e uma corrente que passava entre as pernas,
avançando de joelhos, puxando vagonetes de carvão. E faziam isso até quando
estavam grávidas.
Na segunda metade do livro,
porém, Orwell muda seu foco para um problema distinto: a relativa
impopularidade do socialismo no Reino Unido na época, apesar da clara e
dolorosa desigualdade vista por toda parte. Ele concluiu que os tipos de
reformistas sociais em suas roupas de tweed, filosofando no sofá, identificando
vítimas e distribuindo pena e desprezo, frequentemente não gostavam dos pobres,
como alegavam.
Em vez disso, eles apenas
odiavam os ricos. Eles disfarçavam seu ressentimento e inveja com piedade,
hipocrisia e falso moralismo. As coisas no inconsciente – ou no âmbito
socialista da distribuição da justiça social – não mudaram muito hoje. Por
causa de Freud, Jung, Nietzsche – e Orwell – sempre penso: “Contra o que,
então, você se opõe?” sempre que ouço alguém dizendo bem alto: “Eu apoio isso!”
A pergunta parece especialmente relevante se a mesma pessoa está reclamando,
criticando ou tentando mudar o comportamento de outra.
Creio que foi Jung quem
elaborou a máxima psicanalítica mais cirurgicamente ferina: se você não é
capaz de entender por que alguém fez alguma coisa, observe as consequências – e
infira a motivação. Isso é um bisturi psicológico. Nem sempre é um
instrumento adequado. Ele pode cortar fundo demais, ou nos lugares errados.
Talvez seja uma opção de último recurso. No entanto, há ocasiões em que sua
aplicação se prova esclarecedora.
Se as consequências da
instalação de skatestoppers nos canteiros de plantas e nas bases das
esculturas, por exemplo, são rapazes adolescentes infelizes e uma estética
brutalista de desconsideração da beleza, então talvez esse tenha sido o objetivo.
Quando alguém alega estar agindo movido pelos princípios mais elevados, pelo
bem dos outros, não há razões para presumir que os motivos daquela pessoa sejam
genuínos. Pessoas motivadas a tornar as coisas melhores normalmente não estão
preocupadas em mudar outras pessoas – ou, se estão, assumem a responsabilidade
de fazer as mesmas mudanças em si (e primeiro). Por trás dessa elaboração de
regras para impedir que os skatistas pratiquem coisas de altíssima habilidade,
corajosas e perigosas, vejo a atuação de um espírito insidioso e profundamente
anti-humano.
Título e Texto: Jordan B.
Peterson, “12 regras para a vida”, páginas 298, 299 e 300. Alta Books
Editora.
Digitação: JP,
31-7-2019
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