Aparecido Raimundo
de Souza
MEU LADO BOM queria ir. Meu LADO MAU não. Meu coração batia descompassado sinalizando:
“vai, vai, vai, não perca essa oportunidade. Lute, esbraveje. Não se entregue.
Pode ser a sua única chance de ser feliz”.
Meu Lado Mal, como que parafusado ao chão, não saia do lugar, me detinha
e me aprisionava. Havia uma guerra dentro de mim onde pelejavam dois exércitos
distintos. Um comandado pelo Meu Lado Bom tentava me dar forças, me ver alegre
e para cima, me fazer sentir inteiro e sem me privar da vontade de viver.
O outro, frenteado pelo meu Lado Mau, objetivava a minha decadência, a
minha derrota, o meu fracasso. Por isso me agaturrava. O ar que eu respirava
incomodava os soldados dessa tropa. Por essa razão, ele fazia de tudo para que
eu não continuasse respirando. Tampouco enxergasse a tenuidade da luz no final
do túnel. Meu Lado Bom queria ir, desatar as amarras, soltar as correntes que
me engalfinhavam os passos, que me jungiam ao desespero. O Lado Mal,
intransigente e voraz, dava o contra.
Terminantemente se propunha a não me deixar desvencilhar do cativeiro
que me servia de clausura. Colado a esse percalço, alguma coisa mais forte que
eu desconhecia completamente me preava, me continha os ímpetos, me domesticava,
impedindo que eu alcançasse o futuro. E ele, o futuro portentoso, por sinal,
estava logo ali à minha frente. Passos apenas. Nossa mente é como um computador
de última geração. Às vezes, dá um tilte. Piripaqueia se indispondo com algum
componente que deixou de funcionar por razões desconhecidas. Do nada o
equipamento entra em parafuso, apesar de toda essa modernização que os
especialistas chamam de tecnologia de ponta.
Comigo aconteceu assim. Meu Lado Bom apesar de se arrostar, derreou
acabado e vencido. Meu Lado Mal regurgitou de alegria. Deu pulos e saltos.
Cambalhoteou diante das anormalidades que me martirizavam. De repente, tomei um
choque. Acordei para a realidade. Resolvi me divorciar de todas as aberrações e
monstruosidades que me apoquentavam a alma profanada. Meu coração, quase
afônico, dava forças, não desistia da empreitada: “vai, vai, vai, não perca
essa oportunidade. Lute, esbraveje. Não se entregue. Pode ser a sua única
chance de ser feliz”.
Ensandecido pelo baque, arregalei os olhos. Criei uma espécie de coragem
atlética de ocasião derradeira. Nessa energia de espírito positivamente
“duzentosevinteada” e afoita, eu, arrojado, senhor de mim, rei da cocada preta,
não pensei duas vezes. Meti os pés. Fui. Viajei sem sequer me preocupar com
meus anseios mais prementes. Evoluí.
Trespassei meus medos, alanceei meus receios. Rompi, de cabo a rabo, “meu todo
não querer”. Atropelei meu Lado Mal com força e coragem. Pervaguei com ânimo e
esperança e segui desvairado como barco navegando por águas novas de um mar
desconhecido.
Pior fiz. Parti para o tête-à-tête como um trator de rolo compressor à
sanha de Sansão destruindo os obstáculos como barricadas de filisteus postas à
minha frente. Apesar de me sentir poderoso e invencível como o lendário
nazireu, igualmente indomável e indestrutível como o temido “caveirão da
polícia civil” usado nas favelas do Rio de Janeiro, todos os esforços
redundaram malogrados e improfícuos. Descobri final de tudo, ter agido como um
estouvado leviano, apesar de me esforçado tentado e pelejado com unhas e
dentes, mandíbulas e queixadas.
De verde e amarelo me ferrei. Resultaram inúteis meus trocentos
“predicados hostilizadores”. Quando voltei a me “embigodear” com os nus e os
crus que se projetaram logo em seguida diante de meu espanto, dei conta de que,
apesar do choque, realmente eu fui. Fui, porém não indo. Como assim, não indo?!
Simples! Alguém cortou a minha corrente elétrica diretamente na caixa de
barramento. O choque veio abrupto e se “pirulitou” repentinamente como entrou
em cena. Em verdade, o que pretendo dizer ainda que em sentido figuradamente
metafórico, está muito transparente.
Fui ficando. E ficando, logicamente não fui. Diante disso, de novo a
desolação frustrante de voltar cabisbaixado ao ridículo indigesto da estaca
zero. Fundo do poço. Rua sem saída. Nesse soco violento em meio à fuça,
restituí minha sede de contender ao ostracismo. Igualmente ao recuo dos meus
objetivos, me alienei me sujeitei fraquejado ao degredo dos meus próprios
sonhos. À ataraxia me inerciei de não rinhar, de não tentar de novo, e de novo
e de novo... E uma vez mais. De não me encrespar afincadamente nos objetivos a
que me propunha.
Nesse roldão da plenitude a meu favor, modorrei. Enfim, desanimei e me
couracei da felicidade etérea. A partir dai definitivamente adveio o FIM. Com
certeza, engraçadinhos de plantão farão piadas sem graça, do tipo essa, como
exemplo: “quem mandou não pagar a conta no vencimento?”. Em conclusão,
brincadeiras à parte, a lição que pretendo deixar de tudo o que aqui foi dito é
a seguinte: jamais permita que o seu Lado Mal predomine, sobressaia e esmague o
seu Lado Bom.
Mova todas as tentativas de transtornos, aborrecimentos, discórdias e
angústias de seu caminho. Alimente dentro de você a visão constante e
apropriada, indefectível e ininterrupta daquela luz-chama divina que não se
apaga por nada desse mundo. Fique atento: não durma no ponto. Vigie, espreite,
policie, bisbilhote e pastoreie. A vida é muito curta, atarefada, ligeira e
resumida. Demasiadamente breve e azafamada. Impulsiva e passageira, sobretudo
passageira para que o escudo da desventura faça parte assídua do seu dia a
dia.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, do Rio de Janeiro.
26-7-2019
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Uma vez também aconteceu comigo. Fui e desfui. Fiquei entre a cruz e a espada, entre o Capeta e o Tinhoso, sem saber que direção tomar. Todavia, apesar de estar entre a cruz e a caldeirinha, parei, pensei, tornei a parar e a meditar. Concluí, nessa peregrinação meio que unfusdiosa, e enquanto quebrava a cabeça diante da enorme torre de Babel a minha frente, que o melhor caminho entre duas vias de navegação às escuras, o melhor que se tem a fazer é procurar uma terceira e meter as caras. Foi exatamente o que fiz. Cheguei aonde queria.
ResponderExcluirCarina Bratt
de SAlvador, na Bahia BA.