As eleições presidenciais no Brasil exigiram um segundo turno para que produzissem, afinal, uma vencedora. Dilma Rousseff, a candidata do Presidente Lula, cumpriu com tranquilidade mais essa exigência e será a primeira mulher a governar o Brasil. Há quem atribua esse título à princesa Isabel, que, como regente, governou o país durante as viagens de seu pai, o imperador D. Pedro II, mas o país, no final do século XIX, era uma monarquia parlamentar e tinha um primeiro--ministro. Mesmo falha, a comparação ajuda, entretanto, a compreender correctamente a eleição de Dilma Rousseff: mais uma continuidade disfarçada de mudança tão ao gosto da política brasileira.
A mera realização de um segundo turno, por exemplo, foi decisiva para corrigir certas dissonâncias geradas pelo optimismo das primeiras semanas de propaganda eleitoral na televisão. O comando de campanha de Dilma, antes concentrado em algumas poucas lideranças do PT, foi levado naturalmente a restabelecer contacto com os partidos e lideranças aliadas. A sombra da derrota recompôs relações diluídas no primeiro turno, e o candidato a vice-presidente, deputado Michel Temer (PMDB-SP), fiador da aliança do Governo com o centro político, voltou a aparecer em eventos públicos e nas manifestações da candidata presidencial.
Os votos obtidos pela terceira candidata, Marina Silva, do Partido Verde, também ajudaram a reposicionar a campanha governista. Unindo sectores de classe média preocupados com os escândalos de corrupção que atingiram o Governo Lula e sectores populares mais sensíveis a temas como aborto e casamento de homossexuais, Marina chegou ao patamar dos 20 milhões de votos.
Por fim, o resultado das eleições para o governo dos estados mostrou que a oposição, liderada pelo PSDB, segue bem viva. Ela governará os estados mais populosos e mais ricos do Brasil, numa faixa geográfica que se estende de Goiás até Santa Catarina, unindo o núcleo industrial do país e as regiões do agro-negócio.
Dessa forma, sob a eleição da primeira mulher Presidente da República, para um inédito terceiro mandato de um mesmo partido, podem ser facil- mente contemplados os elementos fundamentais da política brasileira. Desde que D. Pedro I tornou a Portugal para reinar como Pedro IV, forçando as elites brasileiras a governarem-se, essas regras são conhecidas.
Ninguém ganha sozinho, e o acordo fundamental passa pelo Congresso. Com a ajuda da popularidade de Lula, o Governo imaginou eleger Dilma Rousseff sem a ajuda dos aliados, mas foi forçado a recuar e confirmar a sua aliança com o PMDB e com o conjunto de aliados, da esquerda à direita.
Ninguém ganha com uma agenda ideológica radical. A mera suspeita de que o Partido dos Trabalhadores poderia usar uma vitória contundente de Dilma para fazer avançar planos de uma legislação liberal sobre família e religião bastou para mover vastos contingentes eleitorais.
Ninguém ganha tudo no Brasil. As divisões regionais do voto, exaltadas pela legislação proporcional, impedem as forças políticas de transformarem uma vitória nacional em hegemonia sobre o sistema político. Na verdade, a vitória nacional requer, como requisito, a partilha do poder estadual.
Essas são as razões para o optimismo com relação ao Governo Dilma Rousseff. Tal como no Governo Lula, foram criadas condições para combinar uma política económica responsável com as regras básicas da estabilidade política no Brasil.
Luciano Dias, Diário de Notícias, 03-11-2010
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-