terça-feira, 8 de outubro de 2013

"Esquerda" junta alguns milhares no Rio. Ou: Paes cometeu o erro de propor o plano de carreira para os professores. Tivesse largado a categoria na areia, não estaria enfrentando uma greve

Reinaldo Azevedo
O Rio é palco de mais uma manifestação. Mais uma… Segundo informa o Globo, haveria coisa de 20 mil pessoas nas ruas. Há de tudo lá, mas parece que o protesto do sindicato dos professores é que dá o tom do negócio. Escrevi hoje de manhã a respeito. Classifiquei de vergonhosa a atuação dos sindicalistas e de boa parte da imprensa, pautada pelos black blocs. É isto mesmo: algumas dezenas de mascarados desordeiros — que fossem milhares de dezenas… — põem de joelhos critérios de cobertura jornalística que se consideravam sólidos no Brasil, ancorados nos valores de uma sociedade livre, democrática e aberta. Nesse episódio todo, o prefeito Eduardo Paes cometeu um único erro, um só: propor o plano de carreira para os professores. É claro que estou sendo irônico. Mas restou alguma outra coisa para apelar aos fundamentos da razão? Tivesse ele se omitido; tivesse deixado a coisa como encontrou; tivesse mantido o status em que professores fingiam que trabalhavam, e Prefeitura fingia que eles tinham um futuro, não estaria agora tendo de enfrentar uma greve, tratada por idiotas e delinquentes morais como se fosse um ato de resistência a uma tirania.

E, no entanto, essa gente está se mobilizando contra o quê?
Respondo: contra um bom plano de carreira, entre os melhores do país, se não for o melhor. Ocorre que o cheiro de sangue, como disse o poeta, excita a fúria dos algozes. Sérgio Cabral, que foi abandonado ao relento pela mesma imprensa que o protegia de si mesmo, agora virou saco de pancada. Alguém me diga, por favor, em que seu governo piorou tanto. Quando eu, em quase solidão absoluta, o criticava, perguntava cá com os meus botões, para onde estavam voltados os olhos dos meus coleguinhas. Eu sei para onde! Para as imagens de cartão-postal, para as criancinhas que soltavam pipas depois da chegada das UPPs, não é isso? Agora se formou o eixo anti-Cabral, unindo PSOL (Freixo), PT (Lindbergh Farias), Anthony Garotinho e outros… O pega-Cabral-pra-capar chegou a Eduardo Paes. Com medo da militância, que grita slogans contra a imprensa livre, o jornalismo, com as exceções de praxe, vai atrás, como cachorro perseguindo caminhão de mudança.

NOTA ANTES QUE CONTINUE – Os meus amigos cariocas sabem que, mais de uma vez, mantive com eles discussões inflamadas sobre o governo Cabral, especialmente no que respeita à segurança pública. Um ou outro até chegaram a atribuir as minhas críticas a, como dizer?, “coisa de paulista”, esse povo sem cintura, que não sabe entrar no embalo dos requebros febris. É Nelson Rodrigues quem dizia não haver solidão maior do que a companhia de um paulista? Acho que sim. É meio por aí. Em regra (mas há muitas exceções), quando não tem nada de prático a tratar, paulista cala a boca. Nossa poesia, havendo alguma (não garanto que haja), sai da economia das coisas. É uma gente muito pouco sonhática… Eu perguntava: “Para onde vão os bandidos que o Rio não prende?”. Ninguém conseguia me responder. Logo me remetiam para a pipa contra o céu azul. Outros me instigavam: “Você precisa subir o morro para ver…”. Não preciso. Eu acertei sobre o Egito sem ir ao Egito. Eu acertei sobre a Síria sem ir à Síria. Eu acertei sobre as UPPs sem ir ao Rio. Eu vejo com a lógica e com os fatos, não vejo com os olhos. Estar no local pode ser uma terrível fonte de enganos porque certificada. Mas já me distanciei; a digressão ficou longa demais. O paraíso não vira o inferno em três meses. É que o paraíso não era paraíso. O inferno não é o inferno. O que está em crise, agora e antes, é a razão. ENCERRO A DIGRESSÃO. VOLTO AO LEITO.

Marcha da irracionalidade
A marcha que está nas ruas do Rio é a marcha da irracionalidade. Os que estão dando apoio ao movimento estão lutando contra um bom plano de carreira e contra um item em particular desse plano: a premiação por mérito. Trata-se de uma passeata de reacionários, de gente que está lutando objetivamente — e pouco importam suas intenções — contra os interesses do povo. Quem quer que milite contra mecanismos de promoção e de premiação por mérito está militando em favor do atraso, de tudo o que há de pior no país.
Leio este trecho edificante em reportagem do Globo Online (em vermelho):

À frente da passeata, na Avenida Rio Branco, há um grupo de dez jovens com uma criança, o que chama a atenção. Todos seguram cartazes pretos com as palavras “Tropa de profs”, em referência ao filme Tropa de Elite. Eles cantam uma paródia da música tema do longa de José Padilha, enquanto jogam estalinhos no chão. Um deles segura um tambor e o grupo simula, inclusive, um confronto em tom teatral. Logo atrás do bando bem humorado, um grupo de cerca de 50 Black Blocs, todos mascarados e com escudos pretos, segue na passeata.
(…)

Não é bonito? O protesto virou desfile de escola de samba, com comissão de frente e tudo, o que parece até ter comovido um tantinho a reportagem. É a Escola de Samba Unidos do Reacionarismo de Esquerda. Se entendi o simbolismo — E EU QUASE NUNCA ENTENDO ENREDO DE ESCOLA DE SAMBA; ESTÁ ACIMA DA MINHA CAPACIDADE —, a comissão de frente das crianças está, à sua maneira, a pedir paz. Mas os “manifestantes” seguem a máxima latina “Si vis pacem, para bellum” — “Se queres a paz, prepara a guerra”. Logo depois dos jovens e do infante vêm os … black blocs, que passaram a ser admitidos como parte da paisagem política. É espetacular! Gente que tem o propósito declarado de ir para a rua para depredar prédios públicos e privados como forma, dizem eles, de “atacar o capitalismo” passou a ser vista como aceitável, como personagem do jogo. Ou, como disse Caetano Veloso, agora “eles fazem parte”.

A OAB do Rio, para não variar, dá a sua contribuição ao equívoco. O presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem, Wadih Damous, participa do ato. E afirma: “Espero que as forças de segurança tenham entendido que se trata de uma manifestação democrática e pacífica. Professores querem melhores condições de trabalho e não receber pancada da polícia.” Entendi. Sobre os black blocs, que têm iniciado os confrontos e espalhado o terror pelo centro da cidade, ele não disse uma palavra. Se um deles for preso por depredação, os rapazes de Damous aparecem lá para libertá-lo.

O que vemos já é parte da campanha eleitoral. No Rio, mais do que em São Paulo, assuntos da Prefeitura e do governo do Estado se imbricam. Só um tema está interditado: os interesses das crianças e dos adolescentes que estão sem aula. É isto: eu continuo a pensar sobre esses “movimentos de rua” o que sempre pensei. Alguns tontos quiseram brincar de “Primavera Árabe” no Brasil, esquecendo-se de que o regime, por aqui, é democrático. Deu nisso aí. Se aquela outra “Primavera” já era uma falsidade e uma tolice, a nossa é só uma impostura cretina. No Rio, os protestos logo se contaminaram pela questão eleitoral, mais do que em qualquer outro lugar do país. E se assiste, então, a esse espetáculo grotesco.
O sindicato dos professores arrebanhou gente contra um plano de carreira inédito nos benefícios que oferece à categoria e à população pobre do Rio. Trata-se de uma marcha de reacionários, que luta contra os interesses do povo.
Título e Texto: Reinaldo Azevedo, 08-10-2013

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