Peso desvalorizado elevou os
preços da funerária em que Fabian Guasti trabalha. Foto: Alejandro Kirchuk
para
o The Wall Street Journal
A desvalorização cambial
promovida pelo governo argentino no mês passado, que ajudou a desencadear uma
onda de vendas de moedas de mercados emergentes, também fez disparar os preços
no mercado interno. O que complica os cálculos de Bianchi é que ele precisa
usar uma moeda instável e enfraquecida, o peso, para comprar peças importadas
para os produtos que vende.
"Eu tenho que dizer aos
clientes que posso entregar um caixão hoje, que eles terão de pagar mais tarde
a um preço que só Deus sabe quanto", diz Bianchi. "Ninguém quer fazer
isso."
Tanto a Argentina quanto a
Venezuela estão diante de um surto de inflação e possíveis recessões que criam
novos obstáculos para uma região que já sofre com a desaceleração da China e o
pessimismo dos investidores com os mercados emergentes.
A Venezuela fechou 2013 com
uma inflação de 56,2% ao ano, uma das mais altas do mundo. Na Argentina,
segundo economistas independentes, a inflação ficou em aproximadamente 28% no
ano passado. Eles esperam que ela suba ainda mais este ano, depois da
desvalorização.
A Venezuela já parece se
encaminhar para uma recessão, à medida que rígidos controles de preços e a
escassez de produtos importados, resultante da falta de dólares no mercado,
praticamente paralisaram a atividade econômica. O banco central do país
cancelou um leilão de dólares na quarta-feira, alegando "anomalias",
sem dar mais detalhes, e restringindo ainda mais novas importações.
O Merrill Lynch prevê uma
contração econômica de 3% na Argentina este ano, resultado da falta de
investimentos e de uma retração no consumo devido a taxas de juros mais altas e
um enfraquecimento do poder de compra.
Alberto Príncipe, que tem 71
anos e é dono de uma concessionária da Hyundai num bairro elegante de Buenos
Aires, lamenta que a história dos ciclos de expansão e recessão esteja se
repetindo. "Nossos ciclos são quase bíblicos", diz ele. "Mas o
fato de que nos acostumamos à inflação não significa que é mais fácil lidar com
ela."
As vendas da concessionária se
mantiveram em alta nos últimos anos, diz Príncipe, mas novos impostos e a
desvalorização foram "letais", acrescenta. Uma SUV de luxo Santa Fe,
que era vendido por US$ 63.000 um ano atrás, agora custa mais de US$ 100.000,
explica. "O mercado está totalmente fechado."
Muitos economistas dizem que o
desempenho decepcionante da Argentina e Venezuela é um castigo à pesada
intervenção estatal, aos controles de preços e à nacionalização de empresas,
coisas que marcaram as políticas dos dois países por mais de uma década. Seus
governos agora correm o risco de reviver o tipo de inflação descontrolada que
caracterizou a América Latina durante a "década perdida" dos anos 80,
e que a maioria dos especialistas acreditava ter sido domada para sempre.
"Há um risco de
hiperinflação, de que os preços realmente comecem a acelerar brutalmente",
diz Claudio Loser, economista argentino que trabalhou no Fundo Monetário
Internacional. "Eu não estou dizendo que teremos hiperinflação, mas é um
cenário muito plausível. Na Venezuela, isso já está acontecendo."
Quando a inflação disparou na
América Latina nas últimas décadas — alcançando 5.000% na Argentina, em 1989 —
muitos dos parceiros comerciais da região, inclusive o Brasil, também conviviam
com aumentos acelerados de preços. Mas esse não é o caso hoje, o que torna a
Venezuela e a Argentina casos anômalos numa região que provavelmente sofrerá as
consequências dos problemas dos dois.
Um dos países com maior
possibilidade de ser afetado é o Brasil, que passaria a exportar menos carros,
autopeças, alimentos e bens manufaturados para a Argentina, um dos seus
principais parceiros comerciais. Isso poderia acentuar a desaceleração que já
está em curso na economia brasileira. O Uruguai, cuja economia é mais dependente
da Argentina, está preocupado com a possibilidade de uma corrida aos bancos
argentinos e uma queda no turismo, que é alimentado pelo país vizinho.
A Venezuela, dizem os
economistas, começou a atrasar o pagamento de algumas dívidas — deixando de
pagar, entre outros, companhias aéreas europeias, empresas de serviços de
petróleo americanas e exportadores de alimentos colombianos à medida que tenta
preservar suas divisas, que vêm minguando velozmente.
Na Argentina, muitas pessoas
agora acreditam que uma onda de inflação galopante está se aproximando, com o
varejo promovendo aumentos de preços para se proteger da desvalorização do
peso.
"Aumentamos os preços de
tudo em 15% depois da desvalorização", diz René Poirier, um varejista de
eletrodomésticos na região metropolitana de Buenos Aires. "Se não aumentar
os preços, você pode acabar [...] perdendo dinheiro", diz ele, rodeado de
geladeiras e máquinas de lavar.
Economistas dizem que é
possível lutar contra a inflação na Argentina e na Venezuela eliminando
subsídios e os controles de preços e câmbio.
No entanto, especialistas
indicam que tanto a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, como o
presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, têm interesse político em desafiar
estratégias econômicas mais ortodoxas praticadas pelos EUA, como o livre
comércio.
De fato, o chefe de gabinete
de Kirchner, Jorge Capitanich, reiterou as ameaças de multas a empresários que
aumentarem os preços. "Comerciantes e empresários sem escrúpulos querem
afetar o poder de compra das famílias", disse ele a jornalistas.
Na Venezuela, uma nova agência
criada por Maduro, a Superintendência Nacional de Defesa dos Direitos
Sócio-Econômicos, começou a enviar 480 inspetores esta semana para verificar
preços e aplicar sanções a varejistas que exagerarem nos aumentos.
A agência pretende impor uma
nova lei que pode levar a uma pena de prisão de 14 anos àqueles flagrados
segurando estoque de produtos ou promovendo o que chama de "guerra
econômica" contra o governo. "Se tivermos de expropriar, vamos
expropriar o que for necessário para defender a economia", alertou Maduro
num discurso para empresários esta semana.
Economistas dizem que tais
medidas têm saído pela culatra. A Venezuela pode ver sua inflação bater em 300%
ao ano até o fim de 2014, prevê Manuel Suarez-Mier, economista e ex-funcionário
do Banco Central do México. Embora a Venezuela seja rica em petróleo, a dívida
do governo quadruplicou nos 15 anos desde que o antecessor de Maduro, Hugo
Chávez, assumiu o poder. Enquanto isso, os gastos federais e a impressão de
dinheiro para financiá-los dispararam.
"Quando a inflação atinge
um nível crônico, digamos de que cerca de 50%, ela se torna instável e pode
seguir um caminho explosivo", diz Augusto de la Torre, economista-chefe
para a América Latina no Banco Mundial.
Texto: Wall Street Journal, 07-02-2014
E o Brasil, caso as coisas não
mudem em outubro, estará indo para o mesmo buraco...
Título, Tradução e Comentário:
Francisco Vianna
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