Luís Naves
Alguns textos de opinião que
tenho lido sobre a crise ucraniana mostram como a nossa imprensa se tornou
provinciana, após anos de dedicação a pequenos escândalos triviais. Fazendo
elaborados paralelos históricos, um autor definia como "nacionalista
jugoslavo" o homem que matou em Sarajevo o arquiduque Francisco
Fernando da Áustria-Hungria (parei a leitura naquele ponto). Outros
autores, numa estranha lógica, culpam a Alemanha ou a Europa pela crise. Nos
blogues, há sobretudo quem descreva os ucranianos como “escumalha fascista”,
terminando a prosa com hinos ao glorioso exército vermelho. Há ainda o culpado
Barack Obama, por inacção (devia enviar porta-aviões para o Mar Negro).
O contexto histórico é
importante nos conflitos, mas facilmente se cede à tentação de ver nos
protagonistas autómatos que obedecem de forma cega aos fantasmas do passado. A
Rússia está a ter um comportamento anacrónico, talvez tenha cometido um erro,
mas as coincidências deste caso com a crise de 1914 resumem-se a dois
algarismos. O único império com tiques do século XIX é mesmo a Rússia e não
existem alianças que permitam um conflito ou o entusiasmo popular por uma luta.
As analogias com a Grande Guerra são exercícios intelectuais que apenas ajudam
a ver as diferenças.
(…)
Com o divórcio litigioso, os
ucranianos poderão completar a revolução pós-comunista e juntar-se às
democracias parlamentares do ocidente. Têm esse direito. Quem associa os
manifestantes de Kiev a um bando de fascistas esquece que a União Europeia tem
critérios exigentes na adesão de novos membros, critérios que não dispensam um
lento processo de aproximação. Se os fascistas estivessem no poder, ou sequer
perto, a esperança de adesão seria nula e o país ficaria isolado. Como
aconteceu na Polónia ou na Hungria, que eram mais desenvolvidas, a transição na
Ucrânia levará pelo menos 20 anos e a simples adesão dez anos.
Quanto às culpas da Alemanha, é curioso que um país com democracia exemplar, estado social modelo e comportamento pacífico, a tender para a neutralidade, seja sistematicamente diabolizado.
Quanto às culpas da Alemanha, é curioso que um país com democracia exemplar, estado social modelo e comportamento pacífico, a tender para a neutralidade, seja sistematicamente diabolizado.
O que parece escapar aos comentadores é o facto de vivermos num tempo invulgarmente pacífico e nenhuma das potências ter qualquer interesse em provocar um conflito de grandes dimensões. A afirmação é ainda mais válida para os europeus, cujas acções de polícia não contam para este campeonato. Sendo uma organização pós-imperial com funcionamento inovador, a UE tornou-se numa referência para povos que vivem sob regimes autoritários. Isto, claro, nunca será discutido nas eleições europeias que se avizinham, pois os nossos debates são sempre sobre a minúcia saloia.
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