Evandro Delgado
No final do Portugal-Dinamarca, Roberto
Martinez disse que quem não gosta de sofrer, não devia ver futebol. E que
"a Seleção não é para a crítica do selecionador ou para o debate"
Cinco golos, muito sofrimento
(que Roberto Martinez parece gostar, mas que podia ser dispensável) e um lugar
na 'final-four' a Liga das Nações. Portugal redimiu-se da derrota no Parken
Stadium na passada quinta-feira e goleou a Dinamarca em Alvalade 5-2 no
domingo, garantindo assim um lugar na próxima fase onde vai defrontar a
Alemanha, em Munique.
Além de estar na 'final-four',
Portugal viu confirmado o seu grupo no apuramento para o Mundial 2026:
defrontará Hungria, República da Irlanda e Arménia, no Grupo F da qualificação
europeia.
Com Alvalade lotado, só a entrada de Francisco Trincão, um dos homens da casa, aos 81 minutos, desbloqueou o jogo que começava a ficar apertado. O extremo que atua no Sporting bisou, Gonçalo Ramos saiu também do banco para marcar. Cristiano Ronaldo falhou um penálti mas fez ainda o golo 136 pela Seleção, já depois de um autogolo Joachim Andersen ter empatado a partida.
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Foto: Miguel A. Lopes/Lusa |
O Jogo: Roberto Martinez
quer ensinar-nos a ver futebol
Roberto Martinez não quer
críticas à Seleção. Nem a si. Nem qualquer debate sobre as suas escolhas para o
onze, sobre as más exibições, sobre as más leituras que faz dos jogos na hora
de fazer substituições. Roberto Martinez quer que todos estejam orgulhosos da
Seleção de Futebol de Portugal.
Depois dos 5-2 à Dinamarca, após prolongamento, os portugueses estão satisfeitos, claro. O objetivo de estar na 'final-four' foi cumprido. Mas nem tudo se resume aos resultados.
Roberto Martinez não quer que
haja debates sobre as suas escolhas. O porquê de Cristiano Ronaldo, aos 40
anos, ser titular indiscutível. O porquê de não preparar o futuro da Seleção
com jogadores como Gonçalo Ramos. Estará Roberto Martinez a reservar o lugar de
titular na frente de ataque a Cristiano Ronaldo, no Mundial 2026, quando o
capitão tiver 41 anos?
Para Roberto Martinez, quem
"não gosta de sofrer, não deveria acompanhar o futebol". Mas o
futebol é para desfrutar ou para sofrer?
Os 47123 que estiveram em
Alvalade na noite fria de domingo, mais os milhões que viram pela televisão,
puderam desfrutar dos cinco golos, das muitas oportunidades criadas, mas todos,
sem exceção, dispensavam o sofrimento.
O sofrimento de ver o capitão falhar uma grande penalidade logo aos seis minutos (acontece aos melhores, faz parte). O sofrimento de ver a equipa passar por calafrios, criado pelos próprios jogadores lusos, com ver Kristensen cabecear sozinho no 1-1 dos nórdicos, ou a perda de bola de Rúben Dias que resultou no 2-2 no jogo aos 76 (3-2 para a Dinamarca na eliminatória nessa altura). O susto, o sofrimento de ver a Dinamarca quase marcar aos 90+4 do tempo regulamentar, num golo que eliminaria Portugal.
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Foto: Rodrigo Antunes/Lusa |
Roberto Martinez pode estar
deslumbrado com os cinco golos marcados à Dinamarca, mas os portugueses não
esquecem a exibição da última quinta-feira diante deste mesmo adversário (0-1).
Nem as do Euro 2024, do último verão, onde Portugal caiu nos 'quartos' diante
da França, numa prova onde perdeu com a Geórgia e só eliminou a Eslovénia nos
'oitavos' nas grandes penalidades.
Na noite de domingo, Roberto Martinez bem pode agradecer a Francisco Trincão e Gonçalo Ramos, os mesmos que somaram zero minutos no 1.º encontro (Gonçalo Ramos nem entrou ficha de jogo) e que agora salvaram Portugal de mais uma desilusão. Saindo do banco, construíram a reviravolta e passagem às meias-finais, com o extremo que joga no Sporting a ter grande impacto, ele que pede minutos há muito tempo na Seleção: fez o 3-2 que atirou o jogo para prolongamento, o 4-2 no tempo extra e iniciou a jogada que acabou no 5-2 de Gonçalo Ramos.
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Foto: Rodrigo Antunes/Lusa |
Em Copenhaga, tinha sido Diogo
Costa, com defesas fantásticas, inclusive a travar um penálti, a evitar que
Portugal fosse goleado.
Mas para Roberto Martinez está
tudo bem. O importante é sofrer e ganhar.
Agora venha de lá a Alemanha
(04 de junho), na 1.ª meia-final da 'final-four, em Munique. Os adeptos
portugueses preferiam vencer sem sofrimento, para tentar a segunda conquista na
prova diante de França ou Espanha. Mas se para ganhar o caneco é preciso sofrer,
que assim seja.
Mas a matéria prima disponível
pede mais espetáculo e menos sofrimento.
(…)
Título e Texto: Evandro Delgado, SAPO Desporto, 24-3-2025, 9h30
Roberto Martínez quer deixar o país careca
ResponderExcluirOferece-se uma recompensa a quem conseguir encontrar “uma seleção com brilho, qualidade e uns valores incríveis”. Roberto Martínez deu-nos uma pista ao dizer que a viu em Alvalade, no Portugal-Dinamarca. No entanto, terá sido um vislumbre só ao treinador entregue. Não nos fiemos no que parece um momento desprovido de sensatez.
A bajulação citada é de alguém consolado pelo apuramento para a Final Four da Liga das Nações. De facto, Portugal vai estar em junho na Alemanha a discutir a conquista de uma competição que já venceu. Enfrentará nessa fase equipas da sua gama, seleções com possibilidade bisbilhotarem as fases adiantadas de Europeus e Mundiais. Será uma preciosa ajuda para perceber se ultrapassar a Dinamarca não foi apenas escamotear o desnorte.
Francisco Trincão entrou aos 81 minutos. Foi a segunda substituição de Roberto Martínez no encontro. A escassa utilização do jogador na seleção, assim como o timing em que foi lançado, supriam firmeza à aposta. Valha-nos que o extremo do Sporting tinha mesmo algo dentro de si, uma substância que começou a ser agitada nas primeiras correrias dentro do campo e quebrou as paredes da sua alma para se colocar à vista de todos. Serviu-se de pouco tempo para forçar o prolongamento e depois decidir a eliminatória.
Com Roberto Martínez, Trincão tem agora 72 minutos distribuídos por três encontros. Cristiano Ronaldo, com arqueológicos 40 anos, realizou mais do dobro só nas duas mãos dos quartos de final da Liga das Nações. É a diferença no aproveitamento que cada um faz do tempo de jogo que deveria levar o selecionar a abdicar da insuportável subserviência a figuras do passado. O saudosismo é peso dispensável na intenção de seguir em frente e ocupa o espaço de quem verdadeiramente pode ajudar ao progresso.
Na mente do espanhol estarão também as explicações para outros fenómenos. Esperemos que Francisco Conceição tenha levado proteção adequada para o estágio, pois passar da bancada para o onze inicial é um salto muito grande entre a 1.ª mão e a 2.ª mão. Esperemos que não se tenha magoado. Pedro Neto fez o percurso inverso. É verdade que os jogadores precisam de ser geridos para que possam ter desempenhos condizentes com as expectativas. Não menos importante é que Roberto Martínez escolha um grupo capacitado para, em esporádicas janelas internacionais, estar na plenitude. Deixar a ideia que, enquanto orienta a seleção nacional, está preocupado em manter os jogadores frescos para as partidas que vão realizar no Chelsea ou no Manchester City, assumindo funções técnicas que aos clubes dizem respeito, é desgradável.
Talvez por haver sempre um motivo para Portugal estar a meio gás é que a seleção parece reunir cada vez menos adeptos fervorosos, o que torna os ambientes nos estádios uma coisa um pouco amorfa. Por um lado, ainda bem. Seria difícil, se existisse uma claque a sério, que Alvalade não se tivesse revoltado em assobios contra a forma como as coisas estavam, até certo ponto, a correr à equipa. Diga-se que, muitas vezes, os jogadores também não cultivam tal fervor. Numa altura em que nos esforçamos para elevar o debate futebolístico para conversas como a distância entre os elementos da defesa, a coordenação entre setores ou a associação no espaço entre linhas, Portugal faz-nos recuar a análises superficiais como a mera predisposição para calcorrear um pedaço de relva.
Pode nem sempre ser motivador fazer a mala para realizar encontros de vencedor previamente anunciado. É frequentemente a realidade de Portugal, país de vasta produção de talento que torna natural a vitória da maioria dos jogos que disputa. É nesse estatuto que Roberto Martínez se apoia. “Durante dois anos, perdemos dois jogos oficias [Geórgia e Dinamarca]”, regozijou-se. Porém, nessas 23 partidas a sério, apenas uma foi contra um morador do top-10 do ranking da FIFA. No caso, trata-se da congénere França, que eliminou Portugal do Euro 2024. Alargando o levantamento a adversários do top-20, a seleção também mediu forças com a Croácia, empatando um dos jogos e vencendo outro pela margem mínima. Como não parece que Roberto Martínez acredite que vá jogar a final de um Europeu ou de um Mundial frente ao Liechtenstein, socorrer-se destes números não é o melhor ponto de partida para fazer um diagnóstico do momento da equipa e da capacidade que esta pode vir a ter para ganhar torneios do futuro.
ExcluirRoberto Martínez fez menção à calvície que o assolou ao tornar-se treinador e deu destaque à trabalheira que o ofício lhe dá. Neste momento, parece querer colocar todo o país careca com as decisões que desfazem o manto de elegância que se imaginava que Portugal pudesse vestir. Ver “brilhantismo” no que tem acontecido é ser guiado por padrões de pouca exigência.
Francisco Martins, Tribuna Expresso, 24-3-2025