Deltan Dallagnol
Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) ainda não entenderam o que está acontecendo neste exato momento entre o Brasil e os Estados Unidos, e eu vou te convencer disso até o fim deste artigo. Tão iludidos quanto eles, seus porta-vozes na imprensa repetem sem parar ladainhas sem sentido recebidas diretamente dos ministros pelo WhatsApp. Essas mensagens saem dali e vão direto para o ar sem o mínimo de apuração ou checagem, transformando-se em narrativa oficial.
Primeiro: ministros do Supremo
fizeram piada entre si no dia seguinte à esmagadora vitória eleitoral de Donald
Trump, em novembro do ano passado. Veículos de imprensa como Veja e Folha de S.
Paulo correram para noticiar que, entre os togados, a piada da vez era quem
teria o visto americano cancelado primeiro por Trump. Como vimos, não foi
questão de “quem teve o visto cancelado primeiro”, mas de quem não teve: apenas
Fux, Mendonça e Nunes Marques escaparam ilesos da primeira leva de punições do
governo americano.
Segundo: ministros do Supremo
desacreditaram o cancelamento de vistos e a proibição de entrada nos EUA,
soltando frases irônicas e debochadas como “Sempre teremos Paris” ou “O Mickey
precisará superar a minha ausência”. O senador Randolfe Rodrigues, líder do
governo Lula no Senado, ainda sugeriu aos ministros que trocassem a Disney
pelas belas praias do Nordeste. O erro de todos foi tratar a questão como se
fosse puramente turística, e não como uma mancha histórica indelével na Suprema
Corte do país, agora marcada pela presença de oito violadores internacionais de
direitos humanos.
Terceiro: ministros do Supremo minimizaram os efeitos da Lei Magnitsky, apressando-se em dizer à imprensa que seus colegas, como Moraes, não têm visto, bens ou patrimônio nos EUA — logo, as punições seriam inócuas. As bravatas negam a realidade por vários motivos: partem da concepção errada de que a Lei Magnitsky afeta apenas bens e valores nos EUA; ignoram que vários ministros têm, sim, negócios e interesses lá fora (como Barroso e sua família, donos de um imóvel de luxo de R$ 22 milhões em Miami); e subestimam o instinto de sobrevivência de bancos e do mercado financeiro.
Esse último erro ficou mais do
que evidente após a decisão política do ministro Flávio Dino, que tentou esvaziar os efeitos da Magnitsky no Brasil: o mercado
financeiro entrou em pânico, o que resultou no derretimento de mais de 2% do
Ibovespa e numa perda superior a R$ 42 bilhões em valor de mercado dos bancos
nesta terça-feira (19). O ministro mais debochado da corte ganhou um “Dino Day”
para chamar de seu. O que Dino fez, de forma ignorante e truculenta (bem ao seu
estilo), foi colocar a faca no pescoço dos bancos e dizer: vocês podem ser
punidos por Trump ou pelo STF, escolham.
Só que Dino não contava com
ela, a realidade, que é cruel e se impõe: os
bancos preferem mil vezes ser punidos pelo STF do que arriscar
desobedecer à Magnitsky e tomarem uma bomba atômica de Trump. “Não tem a menor
possibilidade de um banco brasileiro ignorar a Lei Magnitsky”, disse o diretor
de um grande banco nacional à coluna de Lauro Jardim, em O Globo. “Falta
compreensão do STF sobre a Lei Magnitsky”, afirmou o presidente de outro banco
ao portal UOL. Banqueiros estão descobrindo que os ministros entendem tão pouco
de economia como de Direito.
“Um banco que descumpre as
sanções da Ofac não tem como sobreviver”, disse o executivo de outra
instituição financeira a Malu Gaspar, também de O Globo. “Vamos supor que um
integrante do PCC queira abrir uma conta num banco nacional, mas esteja
proibido pela Lei Magnitsky. Teremos que perguntar ao ministro Dino?”, ironizou
outro banqueiro. Segundo a imprensa, banqueiros que procuraram diretamente
ministros do STF ouviram que os bancos têm de escolher entre obedecer Trump ou
o STF — o que só aumentou o desespero.
E como se não bastasse, veio a
cereja do bolo do negacionismo supremo: ministros passaram a dizer que, se
houver escalada da crise com os EUA, bloquearão contas de empresas americanas
que atuam no Brasil, o que apenas intensificou a choradeira na bolsa. Perguntas
óbvias: com base em qual lei? Em qual processo? Contra quais empresas? Quais
valores? Qual critério será usado para definir quem será atingido? Quantos
empregos serão perdidos? Quais cadeias de produção serão atingidas? E, muito
importante, como Dino ficará sem comer McDonalds?
São perguntas básicas, que não
têm resposta - fora a última pergunta, é claro: mais magro, isso se é que ele
come McDonalds, porque fica difícil rivalizar com a lagosta, camarão e caviar
do STF pagos com nosso dinheiro. Agora, só o fato de ministros do STF cogitarem
punir empresas americanas e vazarem isso para a imprensa já prova o que somos:
uma verdadeira várzea, onde juízes da mais alta corte anunciam abertamente que
irão cometer crimes e ilegalidades para proteger a si mesmos, sem qualquer medo
de responsabilização.
Se bem que, pensando bem, tudo
até faz sentido. Veja: se eles usam investigações e condenações ilegais para
perseguir e se vingar de políticos e manifestantes de certas correntes
políticas no Brasil, como esperar que não adotassem a mesma linha de represálias
políticas contra outro país? Afinal, por aqui funcionou. Como não esperar mais
do mesmo: que tentem resolver tudo na base da canetada e de decisões judiciais
ilegais?
Vai ser necessário o quê para
os ministros do STF finalmente entenderem o que está acontecendo, obedecerem à
Constituição e encerrarem este regime de exceção? Terra arrasada?
Título e Texto: Deltan
Dallagnol, Gazeta do Povo, 20-8-2025, 15h27
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