Francisco Vianna
Você daria o seu aval para
pessoas que estão habituadas a viver de dinheiro emprestado, e que chegam ao
ponto de pedir emprestado para pagar dívidas vencidas? Eu, pelo menos, não. Mas
é isso que o resto da Europa está pedindo para que a Alemanha faça.
A hipótese dos “eurobonds”
(títulos sobre a dívida da União Europeia, que não existe ainda como país, mas
apenas como bloco comercial e econômico) cada vez mais está sendo apontada como
a melhor solução no longo prazo para a crise financeira na Europa. Tais títulos
representariam a assunção conjunta das dívidas de todos os 17 países membros da
‘eurozona’, como se fossem da dívida de um só país, que ainda não existe. Tal
dívida seria também garantida por todas as nações da zona do euro, o que
permitiria que todos esses países desfrutassem o mesmo status creditício que
goza a Alemanha, e os custos de empréstimos para países como Grécia, Portugal,
Itália e Espanha despencassem. Mas os custos de empréstimos para a Alemanha
subiriam substancialmente. Como diria o carioca: “É ruim, hein?”
Isto, na verdade,
significaria, segundo recentes estimativas do Banco Central Alemão, que a
Alemanha teria que arcar com um custo extra de 50 bilhões de euros ao ano em
despesas com juros e ‘spreads’. Assim, numa década, tal custo totalizaria algo
em torno de 500 bilhões de euros. Não é preciso dizer que os alemães não estão
nem um pouco entusiasmados com tal ideia.
Mas o novo presidente francês,
o socialista François Hollande, está defendendo a velas desfraldadas os
‘eurobonds’, e ele tem o apoio da OECD, do FMI e de muitos dos principais
políticos italianos. No final das contas, isto pode ser a chave para o futuro
da União Europeia e da zona do euro. Caso os alemães concordarem e decidirem
que estão dispostos a subsidiar profundamente seus perdulários vizinhos
indefinidamente, então o euro poderá ser salvo. Caso contrário, tal assunto
poderá determinar o fim da União Europeia, do euro e fragmentar a Europa como
antes, não sem levar um grande número de seus componentes ao empobrecimento
demorado e de difícil recuperação.
É fácil pintar a Alemanha como
a vilã dessa estória, mas tente se colocar no lugar dela por um minuto. Se você
tivesse uns parentes, ou mesmo uns amigos, vivendo de forma perdulária e
gastando aos borbotões à custa de dinheiro de crédito e já estivessem devendo
ao cartão de crédito cem mil reais ou algo por aí, você lhes daria o seu aval
para conseguir novos cartões? Claro que não, pois ninguém é maluco de fazer
isso. Afinal, amigos, amigos, negócios à parte...
Mas as recentes eleições na
França e na Grécia deixaram perfeitamente claro que os povos desses dois países
rejeitam a austeridade econômica. Ao contrário, querem o retorno à falsa
prosperidade movida pelo crédito subsidiado do qual eles sempre tiraram
proveito no passado.
Infelizmente, esses países
precisam da ajuda alemã para isso. É por isso que o presidente francês,
François Hollande, defende tanto os ‘eurobonds’. Ele quer que o resto dos
países da eurozona seja capaz de ser “carregado nas costas” pela excelente
classificação de crédito da Alemanha de modo que cada um deles possa retornar
aos dias de empréstimos e gastos à vontade. Como bom socialista o novo
presidente da França pensa exatamente assim.
Mas os alemães têm muito medo
de que tal coparceria na dívida da zona do euro possa no final das contas
significar. Não apenas isso encareceria dramaticamente os custos creditícios da
Alemanha, mas há também a preocupação de que o resto da eurozona possa
eventualmente não apenas mudar o seu comportamento e prosseguir rumo ao abismo
e levar a Alemanha junta com eles. Áustria, Finlândia e Holanda também são,
claro, contra os tais ‘eurobonds’, mas o país chave é a Alemanha.
Por hora, a Alemanha não está
engolindo essa estória de ‘eurobonds’ de jeito nenhum. A Primeira-ministra
alemã Angela Merkel fez a seguinte declaração durante um discurso recente em Berlim:
“Trata-se exatamente de não se gastar mais do que se produz ou que se ganha.
É impressionante como um fato tão simples possa produzir tanta celeuma”... E
ela está absolutamente certa. Por que tanta controvérsia em insistir que os
povos não podem gastar mais do ganham?
Mas este é o problema que se
cria quando as pessoas se acostumam a um falso estilo de vida alimentado por
dívidas que são ‘roladas’ por décadas. As pessoas ficam acostumadas a tais
falsos padrões de vida e partem com tudo de punhos cerrados quando as contas
começam a chegar para serem eventualmente pagas.
Os alemães são sóbrios e
comedidos e aprenderam com sangue, suor e lágrimas a não acreditar mais em
socialismos e não desejam mais fazer grandes sacrifícios porque gregos,
franceses e italianos estão desejosos de voltar a se endividar e a gastar de
forma perdulária o dinheiro que não é deles. Arranjem meio motivo para os
alemães quererem isso! Não há.
Os políticos alemães, como
citou um recente artigo da CNN, acreditam que os ‘eurobonds’ estão, de qualquer
forma, explicitamente banidos dos existentes tratados da União Europeia: “É
inadmissível a introdução de ‘eurobonds’ sob os atuais tratados (da UE). Na
verdade, existe uma proibição explícita para isso”, disse um veterano
funcionário alemão, acrescentando que Berlim não deixará de se opor a isso num
futuro previsível. “Esta é uma convicção firme que não será mudada em junho
próximo”.
Mas, políticos como Hollande
se queixam de que a austeridade poderia seriamente causar danos nos padrões de
vida pela Europa afora. E Hollande está certo com relação a isso. Quando se
infla o padrão de vida não em decorrência de um enriquecimento real, mas
pedindo dinheiro emprestado e rolando-se as dívidas indefinidamente, chega a
hora em que, eventualmente, as contas terão que ser pagas e a um preço muito
maior. Qualquer um que já esteve no vermelho em seu cartão de crédito sabe o
quão doído isso pode ser. É vergonhoso, para o resto da Europa, estar a
implorar que a Alemanha o ajude. Devia cuidar melhor de si mesmo.
Como já disse em outros
escritos, a Grécia ficaria muito melhor, no longo prazo, se saísse da zona do
euro, lambesse suas feridas, e tratasse de reorganizar sua economia com base em
princípios econômico-financeiros saudáveis. Todavia, o que se lê na maioria da
mídia financeira mundial são apelos para que haja algum ‘plano’ de ‘salvamento’
da Europa.
Como exemplo, segue um trecho
de uma recente publicação do Jornal americano The Wall Street Jounal: “Tem havido duas respostas principais à
crise: austeridade e ‘botar para quebrar’. A austeridade, caso não se tenha
notado, parece estar sendo repelida. Isto significa que a menos que algo seja
feito, algum outro plano abrangente, a outra principal resposta, ‘botar para
quebrar’, vai acabar derrapando para fora da estrada”. Exatamente porque a
maioria apoia a ideia dos ‘eurobonds’, exceto os alemães, e desde que eles são
os únicos que estão com quase todo o dinheiro, então são eles os únicos que
detêm o único voto válido. Assim, é hora de apelar para um plano B. Só existe
um plano B, e não há mais tempo, tampouco.
Caso os alemães não concordem
em subsidiar o resto da eurozona, isto, no frigir dos ovos, significa que a
eurozona será forçada a se romper? Provavelmente. E isso causará muita dor no
curto prazo, mas o euro nunca foi mesmo uma boa ideia, a não ser que houvesse,
de fato, um forte desejo de transformar a Europa numa espécie de Estados Unidos
da Europa, coisa que ficou provada não ser aceito pelo exacerbado nacionalismo
de seus países membros. Foi uma suma besteira esperar que uma união monetária
funcionasse afinadamente na ausência de uma união econômica, fiscal, e
política. Como bloco econômico, a União Europeia pode trazer alguns benefícios
aos seus membros, desde que todos ajam de modo razoável e pratiquem os
saudáveis princípios do capitalismo privado e abandonem as funestas práticas do
capitalismo estatal. Como nação, a União Europeia é um aborto.
Para ser honesto, o mundo
inteiro estaria melhor com menos integração europeia, que se transformou num
pesadelo burocrático horroroso e seria maravilhoso se ela explodisse por
inteiro. Mas, por hora, a única coisa que corre perigo é o euro. Pouco a pouco,
parece que a Grécia será o primeiro país a sair da zona do euro. O futuro dos
remanescentes será determinado pelo modo como a nação helênica vai se recuperar
ou não e a que dose de sacrifícios terá que impor a si própria para conseguir
tal objetivo.
Título e Texto: Francisco
Vianna, 24-05-2012
Grifos: JP
Sou luso-brasileiro, vivo em Portugal há dois anos. Me dói (e me dá nos nervos) ver (e ler) os meus concidadãos não quererem perceber essa realidade – que não precisa ser gênio em economia para percebê-la – pelo contrário, embarcam alegremente nas canoas furadas dos Hollandes e Tsirpas, lá, e nos botes meio inflados de Seguros, Louçãs, Jerónimos... cá.
Ah, e ainda gritam que não foram eles que se endividaram, portanto, não querem pagar! Coitados, preferem que sejam os seus próprios filhos a pagar... Triste! Fazer o quê?
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