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Do topo, em sentido horário: Ópera de Sydney e centro
financeiro da cidade em Port Jackson; Praia Bondi; Ponte da Baía de Sydney;
Porto Darling; Ópera de Sydney; e Universidade de Sydney. Fonte: Wikipédia
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George Friedman
A Austrália é um dos países
mais ricos do mundo, e está situada entre os 10 maiores rendimentos per capita
do planeta. Ela é, entre os principais países do mundo, o que está mais
isolado, ocupando um continente inteiro que é difícil de ser invadido e
raramente é ameaçado. Normalmente, um país relativamente abastado e isolado
acaba se envolvendo em muitas guerras originadas da ambição de outros em
conquistá-lo. Este não é o caso da Austrália e, o mais interessante, o país não
tem persistentemente enfrentado tais conflitos contra inimigos externos
agressores, mesmo sob uma pluralidade de governos. A ideologia, no caso, não
explica tal fenômeno.
Desde 1900, a Austrália tem se
engajado em diversas guerras e outras intervenções militares (incluindo a
Guerra dos Boers, a 1ª Guerra Mundial, a 2ª Guerra Mundial e as guerras da
Coréia, do Vietnã, do Afeganistão e do Iraque) com uma total duração de cerca
de 40 anos. Veja de outra forma, a Austrália tem estado em guerra por mais de
um terço do tempo desde que ingressou na ‘British
Commonwealth’ em 1901. Em apenas uma de tais guerras, a 2ª Guerra Mundial,
teve a sua segurança nacional diretamente ameaçada, e mesmo então uma grande
parte de sua atuação militar se deu mais em locais como a Grécia e o norte da
África do que na defesa direta do seu território-continente. Isso nos faz
querer saber por que um país tão rico e aparentemente tão seguro quanto a
Austrália teria participado em tantos conflitos.
A importância das rotas
marítimas
Para entender a Austrália,
deve-se começar reparando que seu isolamento não a torna necessariamente
segura. As exportações, particularmente de mercadorias primárias, têm sido
essenciais à Austrália. Da lã exportada para a Inglaterra em 1901 ao minério de
ferro exportado à China hoje, a Austrália tem tido que exportar mercadorias
para financiar a importação de produtos industrializados e serviços em excesso
dos quais sua população poderia produzir por si mesma. Sem tal comércio, a
Austrália não poderia ter sustentado seu desenvolvimento econômico chegado ao
padrão de vida extraordinariamente alto que hoje desfruta.
Isso nos leva ao problema
estratégico da Austrália. A fim de sustentar sua economia, ela tem que comercializar,
e devido ao local em que se situa, seu comércio internacional é feito
forçosamente pelo ar e principalmente pelo mar. A Austrália ainda não está numa
posição de, por si mesma, garantir a segurança de suas rotas marítimas, devido
ao tamanho reduzido de sua população e sua localização geográfica. A Austrália,
portanto, enfrenta para isso dois obstáculos. O primeiro, é que ela tem que
permanecer competitiva nos mercados mundiais para as suas exportações. O
segundo, é que ela tem que garantir que suas mercadorias chegarão a tais
mercados. Caso suas linhas marítimas sejam cortadas ou interrompidas, os
fundamentos da economia australiana estarão em risco.
Imagine a Austrália como sendo
uma criatura cujo sistema circulatório principal se situa na parte externa do
seu corpo. Tal criatura seria extraordinariamente vulnerável e teria que
desenvolver mecanismos de defesa ímpares e únicos. Tal desafio parece ter
guiado a estratégia australiana.
Por um lado, a Austrália deve
estar alinhada com – ou pelo menos não hostil a – a potência marítima global
líder. Na primeira parte da história da Austrália, tal potência era a Grã
Bretanha. Mais recentemente, os Estados Unidos exercem o papel principal de
aliados dos australianos. A dependência
da Austrália do comércio marítimo significa que ela nunca poderá simplesmente
se opor aos países que controlam ou garantem o livre funcionamento das rotas
marítimas das quais ela depende; a Austrália não pode se dar ao luxo de dar à
principal potência marítima global qualquer motivo que interfira com seu acesso
às citadas rotas.
Por outro lado, e mais
difícil, a Austrália necessita induzir as principais potências marítimas a
proteger os interesses australianos de forma a mais ativa possível. Por
exemplo, assumir que as rotas das quais, em particular, a Austrália depende
para despachar suas mercadorias a seus clientes tenha pontos de estrangulamento
muito além da zona de capacidade e influência do país. Assumir mais adiante que
a principal potência marítima não tem interesse direto nesses pontos de
estrangulamento. A Austrália tem que estar apta a convencer a principal
potência do mar sobre a necessidade de manter tais rotas abertas. Ter apenas
meras relações amigáveis não será o bastante para conseguir isso. A Austrália
tem que tornar a principal potência marítima e aérea dependente delas de modo
que a Austrália tenha algo a oferecer ou a retirar com a finalidade de moldar o
comportamento da principal potência.
Criando dependência
Diferentemente da Austrália,
as potências marítimas estão continuamente se envolvendo em conflitos –
frequentemente regionais e por vezes globais. Os interesses globais aumentam a
probabilidade de atrito, e as potências globais causam medo. Há sempre um país
em algum lugar com o interesse em remoldar o equilibro de poder regional, seja
para se proteger ou para estabelecer concessões da potência global.
Outra característica das
potências globais é a de que elas sempre buscam alianças. Isto se dá em parte
por razões políticas, a fim de criarem uma estrutura de gerenciamento de seus
interesses de forma pacífica. Também isso ocorre por razões militares. Pela
propensão de uma principal potência entrar em guerra, existe sempre a
necessidade de forces adicionais aliadas, bases militares e recursos de todos
os tipos. Uma nação que esteja em posição de contribuir com sua participação
aliada na guerra de uma potência global estará em posição de assegurar
concessões e garantias de seus próprios interesses. Para um país como a Austrália
que é dependente das rotas marítimas para a sua sobrevivência, a capacidade de
estabelecer compromissos e alianças com uma principal potência mundial aérea e
marítima é vital para proteger seus interesses comerciais e sua própria
segurança.
O engajamento na Guerra dos
Boers em parte se deu pela ideologia australiana de ser uma colônia britânica,
mas, na realidade, a Austrália tinha pouco interesse direto no resultado dessa
guerra. Era também baseada no reconhecimento da Austrália de que ela necessitava
apoio britânico como um freguês e garantidor de sua segurança. O mesmo pode ser
dito com relação às guerras da Coréia, do Vietnã, do Iraque e do Afeganistão. A
Austrália pode ter tido algum interesse ideológico em tais guerras, mas sua
segurança nacional diretas esteve apenas marginalmente em questão com elas.
Entretanto, a participação australiana nessas guerras ajudou a fazer com que os
EUA se tornassem até certo ponto dependentes da ajuda australiana, que, por sua
vez, induziu a potência global estadunidense a garantir os interesses
australianos.
Houve também guerras que
podiam ter sido concluídas com uma transformação do sistema global. A 1ª e a 2ª
Guerras Mundiais foram tentativas de algumas potências de derrubar a ordem
global existente e substituí-la por outra diferente. A Austrália emergiu da
antiga ordem política e enxergou a perspectiva de uma nova ordem tanto
imprevisível como potencialmente perigosa. A participação da Austrália em tais
guerras se deu ainda em parte por causa da vontade de fazer com que outras
potências se tornassem dependente de sua ajuda e aliança, mas isso também teve
a ver com a preservação do sistema internacional que servia bem aos interesses
da Austrália (na 2ª Guerra Mundial houve também um elemento de autodefesa: a Austrália
necessitava se proteger do Japão e certamente de um Oceano Pacífico sob o
controle imperial nipônico e talvez até de um Oceano Índico nas mesmas
condições).
Estratégia alternativa
A Austrália frequentemente tem
sido tentada pela ideia de se afastar da potência global e aumentar a
proximidade com seus fregueses. Este tem sido especialmente o caso desde que os
EUA substituíram a Inglaterra como a principal potência marítima. No período
pós 2ª Guerra Mundial, na medida em que a atividade econômica asiática se
expandia, a demanda asiática aumentava para as matérias primas australianas,
desde alimentos a minerais industriais, primeiro o Japão e depois a China se
tornaram os principais fregueses da Austrália.
A alternativa australiana
(isolamento à parte, que seria economicamente insustentável) era a de quebrar
ou de limitar seus laços com os americanos e de forma crescente basear sua
segurança nacional no Japão ou, mais tarde, na China. A teoria era a de que a
China, por exemplo, era a potência emergente e era essencial aos interesses
australianos em razão de suas importações maciças de minério e alimentos,
recursos esses que poderiam manter o país seguro com relação aos demais. O
preço do relacionamento com os EUA – envolvimento nos conflitos americanos –
era alto. Portanto, tal estratégia alternativa teria limitado a exposição da
Austrália às exigências americanas enquanto cimentava seu relacionamento com
seu principal freguês, a China.
Tal estratégia faz sentido
para quem analisa o problema superficialmente, mas há duas razões pelas quais a
Austrália, embora tenha considerado essa estratégia, tenha desistido de
segui-la. A primeira é o exemple do Japão. O Japão parecia ter se tornado uma
potência econômica dinâmica e permanente. Mas, na década de 1990, os nipônicos
mudaram seu comportamento, e seu apetite pelas mercadorias australianas
estagnou. As relações econômicas dependem da capacidade do freguês comprar, e
isso depende do ciclo de negócios, da estabilidade política, da moeda, e assim
por diante. Uma estratégia que criasse um único relacionamento entre a
Austrália e o Japão rapidamente se tornaria insatisfatória. Caso, como se
acredita, a China se visse no meio de uma recessão ou mesmo de uma
desaceleração econômica, entrar num relacionamento estratégico com o gigante
asiático seria também um erro, ou pelo muito menos, um jogo de azar.
A segunda razão pela qual a
Austrália não mudou sua estratégia é a de que, não importa qual o
relacionamento o país viesse a ter com a China ou com o Japão, as rotas
marítimas estavam sob o controle dos Estados Unidos. Np evento de um atrito com
a China, os EUA, ao invés de garantirem o funcionamento de tais rotas para a
Austrália, poderia escolher bloqueá-las. No frigir dos ovos, a Austrália pode
vende a tantas nações, mas ela tem que usar sempre as mesmas rotas marítimas.
Destarte, ela tem consistentemente optado em manter suas relações com a
Inglaterra e com os EUA ao invés de se comprometer com qualquer freguês
regional isoladamente.
A Austrália está numa situação
de alto risco, estando ao que parece apenas superficialmente segura. Suas
opções são se alinhar com os EUA e aceitar a sobrecarga militar que isso
representa, ou se comprometer com a Ásia em geral e a China em particular. Até
que chegue a era em que uma potência asiática venha tomar dos americanos o
poder de garantir as rotas marítimas -- uma era que parece ainda distante no
futuro – trilhar o segundo caminho envolveria riscos piramidais. Acrescente-se
a isso o fato de que o relacionamento dependeria de um future inceto das
economias asiáticas – e todos os futuros econômicos parecem agora incertos – e
a Austrália acertadamente parece ter escolhido a abordagem de menor risco.
Tal abordagem tem três
componentes. O primeiro consiste em aprofundar as relações econômicas com os
Estados Unidos para equilibrar suas dependências econômicas com a Ásia. O
segundo em participar como aliado nas guerras engendradas pelos americanos com
o fim de obter garantias dos EUA para as suas rotas marítimas. O componente
final consiste em criar forces regionais capazes de com eventos fora, porém
próximos, da Austrália, desde as Ilhas Salomão até pelo arquipélago indonésio
afora. Mas, mesmo aqui, as forces australianas dependem da cooperação americana
para gerenciar as ameaças.
A estratégia australiana,
pois, envolve o alinhamento com a principal potência marítima, como foi antes
com a Inglaterra e como é agora com os Estados Unidos da América, e isso
implica na participação australiana em suas guerras. Começamos por perguntar
por que um país tão rico e seguro como a Austrália se envolveria em tantas
guerras. A resposta é que sua riqueza não está tão segura quanto parece.
Título e Texto: George Friedman, 22-05-2012
Tradução: Francisco Vianna
Artigo original, em inglês, aqui.
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