Maria João Marques
Hoje é, sem dúvida, um grande
dia: percebi finalmente a razão – e que avassaladora esta é – de tanto se dizer
que temos um governo liberal que segue uma política também ela impenitentemente
liberal ou até mesmo ultra-liberal. Como porventura haja mais quem me tenha
acompanhado nesta perplexidade de teimar em não ver liberalismo num governo
apelidado de liberal, eu vou partilhar convosco o meu processo de raciocínio
que me guiou até à iluminação.
Ora já havia eu reparado há
uns anos que a gente de esquerda não precisava de seguir qualquer política que
melhorasse o nível de vida da população (em especial da população mais pobre)
para ser considerada de esquerda. De facto, inúmeras vezes (ou, melhor, todas
as vezes) decidiram-se por políticas que provocavam a curto, médio ou longo
prazo mais pobreza (a situação actual de bancarrota é um exemplo de entre
muitos). A gente de esquerda não necessita de resultados eficazes na melhoria
do nível de vida ou na diminuição da pobreza para ser gente inegavelmente de
esquerda. Na realidade, a gente de esquerda só precisa de dizer que se preocupa
com os pobres (essa categoria abstracta com a qual nunca se cruzaram se não nos
livros de Manuel da Fonseca ou de Dickens), com a redistribuição de riqueza,
com as prestações sociais, praticar uma diatribe ou duas contra os ricos ou os
bancos para ser apelidada de esquerda. De seguida pode aumentar a carga fiscal,
o que leva a contracções que levam à falência empresas e fazem explodir o
desemprego e a pobreza, que não faz mal: a profissão de fé já havia sido feita. Carlos Magno – o senhor que agora vai decidir
sobre o caso Relvas – Público – resumiu muito bem isto num comentário
televisivo ao debate entre Sócrates e Pedro Santana Lopes (cito de memória):
comentou o senhor que durante a apresentação de ideias dos dois candidatos não
se percebia quem era o candidato da esquerda (i.e., o bom candidato), até que
Sócrates disse algo como ‘alguém de esquerda nunca deixa de olhar para a
pobreza’ e aí Magno decidiu-se a entregar o prémio ‘ser de esquerda’ a
Sócrates; em suma, pelas políticas propostas, Magno não percebia o esquerdismo,
mas não fazia mal, o que interessam as políticas?, o importante fora a profissão
de fé das palavras de Sócrates. O que contam não são os actos, mas as intenções
(declaradas).
Com a ajuda deste post do André, percebi que, afinal, para a direita liberal se passa algo
simétrico. Um governo pode aumentar a apropriação pelo estado de recursos das
empresas e de particulares (vulgo, aumento de impostos), pode patrocinar
regimes fiscais totalitários (um exemplo, e nem é necessário relembrar as pretensões de
Teixeira da Cruz com o enriquecimento ilícito), pode aumentar a despesa
pública, pode criar leis higienistas que condicionem os comportamentos dos
fumadores dentro dos seus carros, pode reduzir a liberdade contratual dos
agentes económicos, pode tudo, que, novamente, as políticas efectivas não
interessam. Desde que o governo diga que quer diminuir os impostos, que quer
privatizar isto e mais aquilo, pode à vontade aumentar impostos e não
privatizar nada, que será sempre um governo liberal. O que conta não são os
actos, mas as intenções (declaradas).
Título e Texto: Maria João Marques, no blogue “O Insurgente”
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