André Abrantes Amaral
Perante o desastre, a
irracionalidade dos homens levará à desagregação da Europa ou há sua unificação
numa entidade ainda mais artificial e explosiva
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François Hollande, foto: Lusa |
Se a eleição de François
Hollande para o Eliseu teve algum efeito, foi a convicção de que a crise se
resolve com um pouco de boa vontade. Que se não formos tão austeros, tão
exigentes, se facilitarmos um bocadinho, o problema desaparece. Os adeptos
desta teoria partem do pressuposto que a crise se acentuou com a quebra da
despesa dos estados, como se ela não fosse fruto da dívida pública que
estrangula as economias. Vêem a Europa como um projecto que prometia uma
sociedade justa, sem diferenças para atenuar, sem necessidades por satisfazer,
a cair que nem um baralho de cartas, devido aos efeitos nefastos da
globalização que os actuais dirigentes europeus, por não serem do calibre de
Mitterrand, Delors e de Monnet, não conseguem controlar. A vontade de que tudo
volte ao que era, está na génese da irracionalidade com que se analisa as
causas da crise e se procuram soluções. Ou talvez seja pior ainda. Talvez a
irracionalidade não seja de agora, mas de quando se acreditou piamente numa
instituição supranacional, não eleita, com o fito de criar, de cima para baixo,
uma união política que fizesse frente aos EUA.
O projecto europeu, que se
iniciou para evitar que a Alemanha controlasse o carvão e o aço e mais tarde se
estendeu à liberalização dos mercados, acabou por dar lugar a uma entidade
política acima dos estados. A par disso, a crença na capacidade dos estados
criarem e distribuírem riqueza, explica a existência de autênticos monstros que
consomem os esforços dos cidadãos. Actualmente, não há parte da nossa vida em
que o Estado não esteja presente como receptor de receitas. A irracionalidade
também deu nisto: os governos, porque se considera que criam riqueza, precisam
das receitas dos privados para produzir riqueza. Daí o aumento contínuo da
carga fiscal, mesmo quando a economia crescia; daí os défices públicos que já
existiam muito antes da crise de hoje. A mesma irracionalidade que permitiu que
o dinheiro fosse mais barato que o valor de mercado, que levou os políticos a
condicionar os bancos a emprestar dinheiro aos cidadãos, não para produzirem
mas para gastarem e os convenceu a comprarem casa em vez de a arrendar, é a
mesma que se prepara para agir nos meses mais próximos e hipotecar o que resta
das nossas vidas.
Nos últimos meses os europeus
tentaram ser racionais e assustaram-se. Intimidaram-se com a dimensão do
desastre, decidiram fechar novamente os olhos e estão prontos a saltar de
cabeça. A França tem a sua economia estagnada e uma dívida fortíssima, pelo que
um braço-de-ferro com a Alemanha de Merkel será complicado. Sucede que, para
muita boa gente o dinheiro vale o que os governos quiserem que ele valha. Não é
difícil que os estados se continuem a endividar se o dinheiro valer menos e,
dessa forma, também a dívida. A acontecer, não será a primeira vez que a um
estado deixa de pagar o que deve. A pouca força negocial de Hollande pode
fazê-lo procurar o apoio na instabilidade social que faz os mercados ameaçar o
euro. É a mesma estratégia utilizada pela extrema-esquerda grega: se não for
como queremos será o caos. Algo que pode forçar Merkel a ceder em troca de um
reforço das instituições europeias, de uma união fiscal e política que abafe de
vez a soberania dos países. A loucura a gerar loucura. Sem que demos conta,
ficamos pobres e vemos a liberalização do mercado europeu a acabar num super
estado centralista, acima da nossa capacidade de compreensão.
A partir daqui tudo é
possível: um federalismo asfixiante ou uma desagregação da Europa que leve ao
proteccionismo dos Estados. São meras suposições, dir-me-ão. Mas a
irracionalidade não me deixa alternativa. É ela que explica o porquê das
guerras que liquidaram a velha Europa. A que convence alguns que seja com mais
dívida que saímos da crise da dívida. A que nos permite antever o que pode
acontecer. Porque quando todos os cuidados são poucos, a irracionalidade dos
homens é a primeira coisa a temer.
Título e Texto: André Abrantes Amaral, jornal “i”,
19-05-2012
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