Uma cidade americana modelo de
recuperação econômica e financeira
Como a cidade de Vallejo, na
Califórnia, após ter ido à falência, passou a ser agora um modelo de
recuperação econômica e financeira para as cidades em dificuldade numa era de
austeridade.
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Após ter se tornado a maior cidade americana a declarar falência em 2008, Vallejo, na Califórnia, começou a reinventar a si própria. Foto: David Paul Morris/Bloomberg |
Ariana Eunjung Cha
VALLEJO, CALIFÓRNIA — Os
primeiros anos foram difíceis e feios. Após essa cidade portuária, de uma
vibrante classe trabalhadora, ter se tornado a maior cidade da América a declarar falência em 2008, o crime e a prostituição tomaram conta como consequência
da redução forçada da força policial da ordem de 40 por cento. O Corpo de
Bombeiros foi fechado, e financiamento para bibliotecas e centros para idosos
praticamente foram extintos. Desapropriações e cobranças judiciais de hipotecas
se multiplicaram e os preços imobiliários despencaram.
Foi quando, então, esta cidade
de 116.000 habitantes começou a reinventar a si própria. Começou a usar a
tecnologia para preencher as lacunas de mão de obra, convocando os residentes
para o trabalho voluntário de prover os serviços públicos interrompidos e
oferecendo aos eleitores locais a chance de decidir como o dinheiro público
deveria ser gasto — como retorno por um aumento de impostos sobre as vendas.
Pela primeira vez em cinco anos, a cidade espera ter dinheiro suficiente para
fazer coisas tais como tapar buracos nas ruas, carpir o mato, podar árvores e
consertar as quadras de tênis.
As cidades do país são os elos
fracos da cadeia econômica americana e, caso elas colapsem em grande número,
poderá haver um fracasso da recuperação econômica nacional como um todo. Cortes
de recursos em nível federal estão se estendendo aos estados, que, por sua vez,
dão menos assistência às suas cidades.
Os efeitos são especialmente sentidos
em grande escala na Califórnia, que foi o epicentro da crise do crédito imobiliário, conhecida como a explosão da “bolha do subprime”, e que acarretou uma profunda
recessão a seguir. Mesmo antes de a arrecadação cair, o estado já enfrentava
contenções únicas nas finanças públicas graças à dificuldade interposta por
suas leis em se aumentar impostos. Tais condições ousadas, no entanto, têm
feito da Califórnia um laboratório de pesquisa sobre como administrar cidades
numa era de austeridade econômica. Os californianos estão dando sinais de que
são capazes de viver num regime de aperto financeiro severo com a mesma
competência que viveram numa época de gastos alucinantes.
Declarar sua falência e pedir
concordata é uma providência de última instância para qualquer cidade
americana, não apenas porque isto lhe compromete a capacidade de tomar
empréstimos por anos adiante, mas por causa do golpe desferido à sua reputação.
Mas tal atitude fez com que as coisas começassem a mudar na medida em que mais
cidades tiveram que enfrentar catástrofes fiscais semelhantes; a falência
oferece uma oportunidade de começar tudo de novo a partir do zero.
Pelo menos três cidades
californianas — Stockton, Mammoth Lakes e Montebello — declararam que estavam
considerando essa opção. E pelo menos 100 das 482 cidades do estado estão a
caminho de enfrentar um destino similar até o fim desse ano, conforme Barbara
O’Connor, uma professora da Universidade Estadual da Califórnia em Sacramento,
a capital do estado.
Chris McKenzie, diretora
executiva da Liga das Cidades da Califórnia, disse que “ninguém espera que a
crise dure tanto tempo”, e acrescentou: “Após anos de luta para manter as coisas
nos seus devidos lugares da melhor maneira possível, as cidades estão chegando
cada vez mais perto da beira do abismo”.
Os economistas avisam que
diversas falências de cidades maiores, concentradas ao longo de um curto
período de tempo, poderia ter um efeito devastador sobre a economia nacional. O
analista de bancos Meredith Whitney em 2010 de forma ultrajante predisse que
centenas de bilhões de dólares em empréstimos municipais sofreriam calote.
Embora calotes dessa grandeza não tenham ocorrido — e as críticas de Whitney tenham sido feitas em massa para
atestar a saúde do mercado creditício municipal — o fantasma de tal crise não
desapareceu.
A CIDADE FICOU SEM DINHEIRO
Vallejo, a cerca de 35 milhas
(cerca de 56,5 km) de San Francisco, se tornou uma garota-propaganda para as
falências de orçamentos municipais em 2008 quando suas reservas de dinheiro
chegaram a zero e ela foi incapaz de pagar suas contas em meio a uma queda de
arrecadação de impostos sobre a propriedade e ao alto custo da compensação pelo
desemprego, das aposentadorias e pensões.
Durante o tempo das vacas
gordas, os salários de Vallejo pagos aos funcionários municipais tinham
disparado, com diversos membros do primeiro escalão ganhando entre 200 e 300
mil dólares por ano. Mais de 80 por cento do orçamento municipal ia para cobrir
a folha de pagamento do município. Isso não faz lembrar uma série de cidades
brasileiras? Pois é...
A classificação do crédito da
cidade caiu ao status de porcaria, e como parte do seu espólio de falência,
Vallejo pagou apenas cinco centavos de dólar por cada dólar que ela devia aos
proprietários de títulos de sua dívida, ou seja, um dos maiores calotes
oficiais jamais ocorridos nos EUA. No setor trabalhista, as autoridades
cortaram o pagamento dos empregados, eliminaram a assistência médica e
hospitalar e outros benefícios, mas deixaram as aposentadorias e pensões
intactas.
Para Vallejo sobreviver, dois
membros do conselho municipal — Marti Brown, 46, um operador estadual de
redesenvolvimento, e Stephanie Gomes, 45, uma especialista em legislação do
Serviço Florestal dos EUA — decidiram que a cidade necessitava estudar as
melhores práticas empregadas ao redor do mundo e por algumas delas em prática
na Califórnia. “Estamos tentando ser mais inovadores em assumir riscos”, disse
Brown. “É algo que temos sido forçados a fazer, mas que está se tornando numa
experiência realmente positiva para a cidade”.
A polícia se tornou
‘high-tech’, investindo 500.000 dólares em câmeras pela cidade afora, o que
permitiu às autoridades monitorarem uma área maior do que podiam antes e assim
suprir a deficiência da falta de policiais de rua. O departamento de polícia
convocou os cidadaos a participar diretamente na aplicação da lei ao
compartilhar com eles informações e providências a tomar pelo Facebook e pelo
Twitter.
Gomes, cujo marido é um
policial aposentado, focou-se na segurança pública. O casal foi de porta em
porta na vizinhança organizando grupos de e-mail e contas nos websites das
redes sociais de forma que as pessoas pudessem, por exemplo, compartilhar fotos
de veículos suspeitos e outras informações. “Houve casos incontáveis em que
pessoas comuns conseguiram impedir a ocorrência de crimes dessa forma”, disse
Stephanie Gomes.
O número de grupos de
vigilância da vizinhança pulou de 15 para 350. Cidadãos voluntários passaram a
se reunir mensalmente para limpar grafitagem e fazer outros trabalhos de
limpeza e manutenção em suas áreas.
E o conselho municipal
estabeleceu um inusitado acordo com os moradores — caso concordassem com um
aumento de imposto da ordem de um centavo, isso geraria uma arrecadação
adicional de 9,5 milhões de dólares e eles poderiam votar sobre qual a maneira
de usar esse dinheiro. O experimento em orçamento participativo, que começou em
abril, é o primeiro numa cidade norte-americana, e foi copiado diretamente do
Brasil. O desafio lá foi de manter a transparência necessária para que esses
recursos não fossem desviados ou malversados, como é hábito no próprio Brasil.
A abordagem foi pioneira em
Porto Alegre, como uma maneira de envolver os cidadãos em cobrir a grande
brecha entre os residentes da classe média da cidade e aqueles vivendo em
favelas e periferias. Distritos inteiros em Nova York e Chicago estão também
experimentando este processo, e os residentes lá têm expressado interesse em
gastar os recursos arrecadados dessa forma voluntária em coisas como mais
câmeras de segurança e iluminação pública, murais comunitários, e “Refeições do
tipo ‘drive through’ para idosos”.
UMA RESTRIÇÃO DE RECURSOS
DE AMPLITUDE ESTADUAL
Com o começo da temporada
orçamentária de 2012-13 na Califórnia, os moradores de Vallejo estão de olho em
cortes severos, em parte por causa do reduzido apoio do Governador Jerry Brown
(D) este mês, que revelou que a Califórnia está enfrentando uma contenção para
cobrir um déficit de 16 bilhões de dólares causado pela redução da arrecadação tributária.
Como resultado, o estado está deixando de contar com bilhões de dólares que
tinham sido anteriormente consignados para o redesenvolvimento ou assistência
ao crédito imobiliário de cidades que já estavam sob pressão fiscal.
Stockton se encontra numa
negociação que já dura cerca de onze horas com seus credores para tentar evitar
a concordata e a declaração de falência. A cidade de Hercules deu um calote de
2,4 milhões de dólares em pagamentos de juros de títulos em fevereiro último.
Vacaville está considerando fechar sua Prefeitura todas as sextas feiras e
assim forçar seus empregados a receber menos e a diminuir seus dias de férias.
A capital do estado,
Sacramento, que se prepara para um déficit de 18 milhões de dólares no período
fiscal de 2012-13, propôs cortar 286 postos de trabalho de horário integral,
incluindo a polícia e o corpo de bombeiros, uma providência que provavelmente
deixará a cidade incapaz de responder a roubos em residências, acidentes de
trânsito e atrasar a resposta ao telefone 911 em sua maioria de casos de
emergência.
Vallejo já se encontra numa
situação marcadamente diferente. Apesar de ainda enfrentar alguns sérios
desafios — o crime continua a ser um problema, e o mercado imobiliário ainda
permanece desaquecido — as finanças da cidade estão indo tão bem que um juiz
federal a liberou do estado de falência em novembro último. “Estamos assistindo
um bocado de cidades em torno de nós que estão onde nós estávamos há cinco
anos”, disse Gomes. “Algumas dessas cidades riam de nós, na época; é bom
estarmos, agora, do outro lado, mas, confesso, não estamos achando graça
nenhuma nisso”.
Apesar de seu orçamento geral
estabelecer um fundo de 69 milhões de dólares para o período fiscal de 2012-13
ser ainda um sonho distante dos 85 milhões da época de pico na década de 1980,
Vallejo está hoje numa situação financeira muito melhor do que muitas outras
cidades pelo país afora.
O assistente de Gerente
Municipal Craig Whittom, que tem trabalhado em Vallejo desde 2003, disse que a
falência pode ter sido a melhor coisa que aconteceu à cidade: “O fato foi
efetivo para nos ajudar a recriar a nossa cidade e as mudar a cultura de forma
que pudéssemos recomeçar a partir de uma marcha financeira mais robusta e
verdadeira”. “E viva o Brasil!”, acrescentou.
Texto: Ariana Eunjung Cha, matéria publicada
em 24 de maio de 2012 no jornal americano “The Washington Post
Título e Tradução: Francisco Vianna
Leia aqui a versão em inglês – a tradução não é literal e há mudanças da forma,
mas não no conteúdo, em benefício de um melhor entendimento dos lusófonos, a
critério do tradutor, inclusive com pequenos acréscimos e supressões.
NOTA DO TRADUTOR – A FORÇA DOS ESTADOS UNIDOS E A SUA IMENSA
CAPACIDADE DE RECUPERAÇÃO ECONÔMICA E FINANCEIRA DECORRE DO FATO DE SER A NAÇÃO
QUE MAIS EXERCITA O VERDADEIRO FEDERALISMO ATUALMENTE NO MUNDO. QUEM QUISER SABER
MAIS SOBRE O SISTEMA FEDERALISTA REAL, NÃO ESSA CARICATURA MAL FEITA EM
VIGOR, DEEM UMA CHEGADA AOS SITES: INSTITUTO FEDERALISTA E PARTIDO FEDERALISTA.
QUEM SABE VOCÊ VAI ENCONTRAR LÁ A BANDEIRA PARA PASSAR DA JÁ MONÓTONA
INDIGNAÇÃO PARA A AÇÃO CONCRETA E DIRETA QUE PODE MUDAR A NOSSA REALIDADE E
REMOVER AS TRAVAS QUE IMPEDEM O BRASIL DE EMERGIR DE VEZ COMO UMA DAS
PRINCIPAIS POTÊNCIAS DO MUNDO?!
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