Alberto Gonçalves
A Grécia entrou no euro com
estatísticas falsificadas? O que importa é Aristóteles. A Grécia aumentou
paródica e exponencialmente o funcionalismo público? O que importa é Platão. A
Grécia torrou mundos e sobretudo fundos em aumentos salariais, subsídios e benesses
diver- sas? O que importa é Homero. A Grécia aproveitou a integração europeia
para, afinal, cometer uma imensa fraude e desgraçar-se no caminho? O que
importa é Sócrates (o autêntico).
Nos últimos tempos, é
impossível constatar a sepultura que os próprios gregos cavaram sem que os
simpatizantes de semelhante desvario invoquem os pergaminhos civilizacionais do
lugar. Grosso modo, o "argumento" é o seguinte: o comportamento do
povo e dos políticos gregos não pode ser considerado patético nem perigoso na
medida em que aquelas paragens foram o berço de inúmeros protagonistas da
experiência ocidental. Segundo esta escola de pensamento, o passado ilustre de
qualquer nação legitima as suas acções posteriores, perspectiva que, no limite,
isenta os alemães da II Guerra e de Auschwitz à conta de Bach e Kant.
No mínimo, por maioria de
razão, os alemães ficam automaticamente ilibados de deixarem a Grécia cumprir o
seu miserável destino. Ao contrário do que a expectativa face às próximas
eleições locais possa sugerir, a Grécia não tem grande escolha. A Alemanha e,
se apreciarmos o formalismo, a Europa, sim.
Nas "legislativas"
de Junho, a população vai teoricamente optar entre o Syriza e a Nova
Democracia. O primeiro partido é uma agremiação da extrema-esquerda com um
chefe folclórico e uma mensagem: só pagaremos o dinheiro que nos emprestaram se
continuarem a emprestar-nos mais. Chamem-lhe ameaça, chantagem ou pura e
simples declaração de guerra, a verdade é que o sr. Tsipras confia no medo da
Europa (e da Alemanha) para, caso chegue ao governo, intensificar a farsa em
que o seu país se transformou.
A Nova Democracia é,
juntamente com o PASOK, defensora em teoria do estado actual das coisas. Por
outras palavras, finge suportar a austeridade e confia no medo dos cidadãos
para, caso forme governo, manter a farsa à espera não se percebe bem do quê.
Em suma, os radicais querem
largar o euro por amor ao caos garantido, os moderados querem servir-se do euro
na ilusão de uma cura mítica. A verdade é que enquanto poucos gregos advogam o
abandono da moeda, quase nenhum reconhece a justiça dos sacrifícios a que o
submeteram, uma mistura em constante iminência de explosão em Junho, Agosto ou
Outubro. Na democracia ateniense não impera a sensatez: os resultados
eleitorais apenas distinguirão os loucos dos apavorados. Se as sondagens
iniciais acertarem e o Syriza vencer, o problema estará resolvido por natureza.
Se o acerto couber às sondagens recentes, que atribuem a vitória à Nova
Democracia, cabe à Europa (ou à Alemanha) resolver o problema e organizar na
pacatez possível a saída da Grécia do euro e, escusado protelar, da UE.
Custos? Imensos, mas
relativamente mensuráveis e, com sorte, controláveis. Já aguentar a Grécia a
qualquer custo é uma loucura que não se mede nem controla. De loucuras basta a
que converteu a livre circulação de pessoas e bens numa máquina produtora de
"integração" política e monetária forçada a que os ingénuos chamam
Europa e os malucos desejam "solidária". Aliás, correr com os gregos é
menos uma fatalidade do que uma homenagem: além da filosofia, eles não
inventaram o atletismo?
Título e Texto: Alberto Gonçalves, Diário de Notícias
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