segunda-feira, 7 de abril de 2014

A figura da democracia



João César das Neves
Celebrando os 40 anos do 25 de Abril, é momento de avaliações a vários níveis. Questão interessante é determinar a figura mais notável deste já longo período democrático. Evidentemente ninguém foi imprescindível sozinho. Tão longa e complexa construção deve-se a multidões de nomes. Mas alguns destacam-se sem dificuldade. Essa escolha pode ser feita com diferentes pontos de vista, todos informativos sobre a natureza do sistema.

Considerando a influência nacional, a distinção cai em Aníbal Cavaco Silva. Muitos não gostarão, mas a escolha é óbvia. Não só é a personalidade que mais tempo esteve no topo do Estado, quase metade das quatro décadas, mas foi de longe o primeiro-ministro com mandato mais longo, aliás no período decisivo da adesão à Europa. O juízo histórico destes primeiros 40 anos certamente o escolherá como a figura mais marcante na orientação da vida nacional.Claro que não é preciso usar esse critério.

Tomando como norma a longevidade, a escolha é Alberto João Jardim, presidente do Governo Regional da Madeira ininterruptamente desde 17 de Março de 1978. Como numa democracia, o povo é soberano, as suas sucessivas vitórias eleitorais fazem dele indiscutivelmente o mais bem-sucedido de todos os políticos.

A este nível só duas personalidades se comparam. A primeira é Marcelo Rebelo de Sousa, sucessivamente eleito pelas audiências de jornais e televisões como o analista mais influente do regime desde 1980.

A segunda é Jorge Nuno Pinto da Costa, presidente do Futebol Clube de Porto desde 5 de Agosto de 1982; o período é inferior, mas muita gente considera o FCP mais relevante do que a Madeira.

Se considerarmos como decisivos os anos da Revolução, quando se tomaram as opções cruciais para a implantação do regime, então nenhum destes nomes é de considerar. Aí os escolhidos têm de ser os dois homens que salvaram Portugal da guerra civil: Álvaro Cunhal e Costa Gomes. Parece evidente que eram eles quem detinha o poder nos momentos centrais de 1975 e que, para proteger essa sua posição, a única forma seria deflagrar um conflito.
Preferiram perder o poder a perder o País, e por isso merecem uma referência e a nossa profunda gratidão.

Se por político mais notável quisermos significar a figura mais paradoxal, a escolha cai sobre Mário Soares. Foi ele quem mais fez para Portugal ser democrático, nos primeiros anos após a Revolução, e quem mais fez para Portugal ser europeu nos anos seguintes. Mas também foi ele quem depois, enquanto presidente da República, mais fez para prejudicar a adesão à CEE, sabotando o Governo da época; nestes últimos anos, enquanto comentador, mais tem feito para minar a democracia, apelando à revolta subversiva. Os dois contributos iniciais garantiram-lhe um lugar na história e a suprema gratidão nacional; os comportamentos posteriores opostos marcaram-no para sempre como um mistério insondável.

No entanto, nenhum destes nomes será o estadista superior, se o critério for o feito político mais espantoso. Aí o vencedor incontestado é Francisco Louçã, que conseguiu por duas vezes resultados absolutamente impossíveis. O seu primeiro sucesso foi a unidade na turbulenta extrema-esquerda, criando o Bloco de Esquerda em 1999 e liderando-o até 2012. Assim que saiu, o agrupamento regressou à fragmentação original, revelando como admirável a coesão intermédia, e como ela se devia ao seu génio de liderança. Mais formidável ainda é o que ele tem conseguido desde que abandonou a política activa, determinando de fora a dinâmica e a confusão dentro da oposição. As suas iniciativas de contestação, agora como simples cidadão e professor, marcam a única agenda dos combalidos socialistas e bloquistas.

Este caso revela também a principal fragilidade da democracia após 40 anos: a inexistência de verdadeira oposição. Quaisquer que sejam os partidos que a compõem, a oposição nunca se preocupa com o País, mas apenas consigo mesma. A finalidade é regressar ao poder, não ser realmente útil e patriótica. Mas sem oposição não há democracia.
Título e Texto: João César das Neves, Diário de Notícias, 07-04-2014
Grifos: JP

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