segunda-feira, 7 de abril de 2014

Comunicação Social amiga

Vasco Lobo Xavier
Deixei passar uma semana. Da entrevista do Durão Barroso no Expresso/SIC discutiu-se apenas na comunicação social o disparate (wishful thinking?) do apoio tripartido a um candidato presidencial e o episódio Vítor Constâncio, esse discutido com disparates.

Chegou-se ao ponto de anunciar em manchete que Constâncio “desmentia Durão”, quando aquele apenas se refugiava cobardemente num “não me recordo de ter sido chamado expressamente para falar do caso BPN”, o que é muito diferente de “desmentir”, e o próprio confirmou aliás ter sido objecto de conversas o caso BPN, ainda que numa fase de suspeitas ou rumores, o que só evidencia e comprova que os rumores e suspeitas existiam na altura, ainda que não demonstradas, e que esses rumores e suspeições eram do conhecimento do supervisor. Mas a comunicação social não conseguiu ver estas evidências.

Como não viu ou não ligou ou não quis ver ou não quis ligar à informação, que não é original mas devia estar sempre presente na mente de todos os portugueses, de que, à época da intervenção da troika, Portugal tinha em caixa cerca de 300 milhões de euros, quando poucos dias depois teria de amortizar 4,5 mil milhões de euros de dívida, numa altura em que ninguém nos emprestava dinheiro ou só o fazia a juros superiores a 10%. E, claro, de pagar as suas continhas do dia-a-dia, salários e pensões, fornecedores e outros, ainda que muita coisa fosse na altura varrida para debaixo do tapete.

A mesma altura em que Trichet, em pânico, se queixava de em Portugal haver um “primeiro-ministro que ninguém parecia capaz de chamar à razão” (in RESGATADOS, de David Dinis e Hugo Filipe Carvalho, onde se podem confirmar os números do parágrafo anterior).

Essa nota (repito, não era novidade nem informação mas nem toda a gente sabe e deve estar sempre presente na nossa mente) passou despercebida à comunicação social. Parece que Sócrates (ou alguém a seu mando) veio dizer que não eram só 300 milhões mas sim 800, sem perceber o ridículo da precisão (se disso se tratava). 300 ou 800 milhões, para as necessidades do Estado dias depois, é a mesma coisa: bancarrota.

As desculpas ou justificações de Sócrates e de Constâncio às respectivas referências, cada qual com a sua gravidade, apenas evidenciam a realidade dos factos e a culpabilidade dos autores mas isso a comunicação social não quis ver. E se no caso de Constâncio ainda tentou lavar e branquear, no de Sócrates nem quis discutir.

Está bem que o país se queira de brandos costumes, que seja um país pequeno onde todos se conhecem, que seja bonito perdoar, mas não nos devemos esquecer que houve um doido varrido que levou o país à bancarrota, que deixou esgotarem-se todas as reservas, que espatifou qualquer mínimo de confiança nos mercados que nos pudesse apoiar, que deixou nos cofres do Estado teias de aranha e dívidas para pagar, a juros elevadíssimos, e uma crise gravíssima que estamos a sofrer e a pagar. O mesmo tipo que se passeia em executiva entre Paris e os estúdios da RTP a lançar bitaites para o ar com a real serenidade dos tolos, como tolos são os que ainda o ouvem. Sobre este realíssimo e alternadíssimo tolo, que aqui nos conduziu, que a Europa via como doido incapaz de ser trazido à razão, de quem Portugal sente na pele a miserável gestão, a comunicação social não quis discutir. A comunicação social é muito amiga.
Título e Texto: Vasco Lobo Xavier, Corta-fitas, 07-04-2014

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