Rivadávia Rosa
A concepção de comunismo, a
partir dos escritos de Karl Marx – que se tornou o credo oficial de todos os
regimes comunistas implantados pela força – em que segundo os relatos
‘operários e camponeses heróicos, liderados por visionários pensadores
marxistas, desbancaram uma burguesia má e exploradora – para seguir o caminho
do “comunismo”, era visto como um paraíso na terra, e, em que a humanidade não
só iria se comprazer na abundância material, mas também viveria na mais
perfeita democracia, harmonia, autorregulação e sem nenhum homem subordinado a
outro. Era também um sistema racional e aconteceria como resultado das leis do
desenvolvimento histórico. Esta visão, peça central da ideologia
marxista-leninista, permaneceu inscrita no dogma de todos os Estados comunistas
até seu repentino fim, com o colapso do sistema em 1989, permanecendo,
porém alguns satélites fora de órbita.
O fato é que a análise do
marxismo, a experiência histórica – e os fatos reais conferem
empiricamente, sobretudo em nosso tempo que o comunismo foi a maior tragédia
humanitária do Planeta, provocada pela ação (des)humana.
A praxis
socialista/comunista não só inspirou, mas também promoveu tragédias
socioeconômicas – através de revoluções delirantes e tresloucadas – com
perseguições, torturas e assassinatos de dissidentes, aniquilou as
liberdades públicas, criou campos de concentração, os Gulags, prisões de
trabalho forçado, estimulou e organizou o terrorismo de Estado, caos
socioeconômico, mortes e canibalismo decorrentes da fome (política de Estado),
tudo resultado da imposição do regime totalitário em todos os países onde
chegou ao poder.
Estima-se que desde a
Revolução Bolchevique de Outubro de 1917 foram assassinados cerca de 120
(outros chegam a 200) milhões de
homens, mulheres e crianças inocentes, pela ação (des)humana.
No livro PEQUIM EM COMA (Jian MA,’ Pequim em Coma’ (Beijing in
coma. trad. Heloísa Cardoso Mourão). São Paulo: Record, 2009)
– o autor [Ma Jian,
Quingdao/China, 1953-] – nos traz um alentado relato com sutileza e detalhes e
(re)afirma o valor de toda e qualquer vida, ao descrever em detalhes momentos
da história em que os indivíduos se tornam multidões. Esta obra é uma canção
de amor a um país que muitas vezes parece determinado a esmagar os direitos de
seus cidadãos. Não é apenas um livro apaixonante, mas um importante manifesto
político, que confirma o lugar de Ma Jian como um dos escritores mais
importantes da atualidade.
Do relato das atrocidades
do regime comunista chinês, alguns trechos:
“- Ele era muito engenhoso. Um
dia, três direitistas que trabalhavam na cantina do campo foram mandados ao
vilarejo local para buscar uma carga de inhames. Quando voltaram, o Velho Li
esperou do lado de fora das fossas e, depois que os homens cagaram, recolheu o
excremento, limpou com água e separou os pedaços não digeridos de inhame.
Conseguir comer quase um quilo de inhames. Ele sabia que os três homems estavam
tão famintos que não resistiriam a comer alguns inhames crus no caminho de
volta do vilarejo. Havia três mil prisioneiros no campo. Passamos meio ano
comendo rações paupérrimas, mas o Velho Li era o único de nós que ainda
conseguia parecer saudável. Ele tinha energia suficiente até para buscar água
todas as manhãs para lavar o rosto. (p.20)
...
- Bem, como vai meu irmão? –
Havia muito que meu pai cortara relações com seu irmão mais velho que vivia em
Dezhou, a ancestral vila de nossa família na Província de Shandong. Durante o
movimento de reforma no começo dos anos 1950, quando Mao ordenou que a terra
fosse redistribuída aos pobres e classificou os proprietários como inimigos do
povo, meu avô, que possuía dois terrenos e três vaas, foi rotulado como um
“tirano maligno”. Meu tio foi obrigado a enterrá-lo vivo. Se ele se recusasse,
também teria sido executado. (p. 21)
Depois de sua libertação, ele
se tornou mais corajoso e começou a escrever sobre suas experiências em maiores
detalhes. Uma passagem dizia: “Durante a sessão de ‘expressão de opiniões’ na
companhia da ópera daquele dia, alguém mencionou a foto em que apareci trocando
aperto de mão como o maestro americano convidado, depois da performance da Sinfonia
heroica de Beethoven por nossa orquestra no Salão de Música de Pequim. Ele
disse que eu humilhei o povo chinês ao tentar me insinuar para as forças
imperialistas americanas.
Eu expliquei que, em países
estrangeiros, é costume que o principal violinista troque um aperto de mão com
o maestro após um concerto, e, além do mais, foi o maestro americano quem se
ofereceu para apertar minha mão, e não o contrário. A foto esteve pendurada na
principal sala de reuniões por três anos, como um exemplo de uma troca cultural
de sucesso entre a China e o Ocidente. Todos na companhia a conheciam. O
secretário do Partido na companhia me acusou de erguer o olhar para o maestro
como um cão servil. Expliquei que o maestro estava de pé numa bancada, e então
não tive escolha a não ser olhar para cima...” Se alguém fizesse uma pesquisa
pelos jornais de 1954, tenho certeza de que encontraria uma impressão da
fotografia que mudou a vida de meu pai. (p. 63)
...
- Foi uma coisa boa que seu
pai tenha sido transferido para Shandong – murmurou o Dr. Song, desviando os
olhos. Era como se ele estivesse falando sozinho.
- Por quê?
- Ele poderia acabar devorado,
devorado pelos outros.
O Dr. Song falou com tanta
tranquilidade que tive dificuldades em compreender exatamente o que ele estava
dizendo.
- Eles comeram o Diretor Liu –
ele balbuciou. – Quando fomos inspecionar a fazenda no último mês, confiscamos
de um camponês que vive nas proximidades dois fígados humanos secos. Ele os
guardou durante todos esses anos. Sempre que ficava doente, ele quebrava uma
pequena parte e fazia tônicos medicinais com ela. Um dos fígados pertencera ao
Diretor Liu. Embora estivesse seco, ainda tinha mais ou menos este tamanho. – O
Dr. Song olhou para mim e mostrou o tamanho com as mãos.
- Eles o comeram? – Recordei
uma passagem do diário de meu pai que descrevia um ato de canibalismo que ele
testemunhou no campo de Gansu: “Três dias depois que Jiang morreu de inanição,
Hu e Gao secretamente cortaram a carne da nádega e da coxa de seu cadáver e a
assaram numa fogueira.” (pp. 69-70)
Título e Texto: Rivadávia
Rosa, 10-04-2014
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