segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Opiniões desse ou daquele contra o impeachment não traduzem a vontade da “sociedade civil”

Levantamento publicado pela Folha na edição desta segunda peca pela formação da amostra. Dois terços dos brasileiros querem saída de Dilma
Reinaldo Azevedo
A Folha publica hoje a opinião de algumas personalidades sobre a crise. No jornal impresso, reproduz-se o pensamento de doze pessoas. Na versão Online, de vinte e oito. Extraíram-se de lá duas conclusões cuja origem não entendi. A primeira consiste em chamar um grupo de vinte e oito pessoas de “representantes da sociedade civil”, o que lhes confere uma amplitude que não têm. A segunda, em afirmar que a maioria é contra o ajuste da economia, mas também se opõe ao impeachment. Vamos lá.

Entre os vinte e oito ouvidos, apenas oito se disseram explicitamente contra o impeachment; quatro se mostraram favoráveis, e dezesseis não tocaram no assunto. Se contaram isso aos repórteres e se não sai publicado no jornal, a gente não tem como saber. Sim: entre os que não opinam, está, por exemplo, o senador Humberto Costa (PE), líder do PT no Senado, mas também o prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM). Se apenas oito de vinte e oito afirmam explicitamente que o impeachment não é a solução, não vejo como se chegar àquela conclusão.

A questão da “sociedade civil” é mais complexa. Esse é um conceito político, que designa, de maneira genérica, as vozes da sociedade que não estão, vamos dizer, disciplinadas pelo estado e pelas políticas oficiais — o que não quer dizer que sejam forças necessariamente de contestação, claro!

No grupo dos vinte e oito ouvidos pela Folha, há quatro políticos eleitos da oposição, quatro da situação e até um ex-deputado petista do Paraná. Vênia máxima, não se encaixam no conceito elementar de “sociedade civil”. Os vinte e oito já caíram para dezenove. No grupo que resta, nada menos de dez são lideranças sindicais empresariais, boa parte oriunda da indústria, setor bastante dependente de decisões governamentais. Outros cinco são sindicalistas ou representantes de movimentos sociais, todos de esquerda. E há quatro advogados.

Uma representação da sociedade civil, parece-me, tem de ser um pouco mais rigorosa: há apenas uma voz de São Paulo, uma do Rio e uma de Minas. Nada menos de sete são do Paraná, cinco de Pernambuco e cinco da Bahia. Esses três Estados concentram dezessete pessoas da amostra. Somados, têm uma população inferior a trinta e seis milhões, bem menor do que os mais de quarenta e quatro milhões só de São Paulo, que, com Minas e Rio, formam mais de oitenta e um milhões de pessoas.

Acho boa, sim, a ideia de ouvir lideranças sobre a política econômica, o impeachment etc. Se, no entanto, o que se quer é uma média da sociedade civil, como está lá, aí é preciso cuidar dos critérios. Ou estaríamos diante de uma situação um tanto inusitada, não é? Teríamos uma sociedade civil contra a esmagadora maioria da sociedade: segundo o Datafolha, dois terços dos brasileiros são favoráveis ao impeachment.

O establishment político contra a sociedade costuma até ser coisa corriqueira; a sociedade civil contra a sociedade seria uma ocorrência inédita e realmente preocupante. 
Título e Texto: Reinaldo Azevedo, VEJA, 2-11-2015

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